Espiritualidade pós-moderna
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26/04/2011
Frei Betto
O que caracteriza os tempos pós-modernos em que vivemos, segundo Lyotard, é a falta de resposta para a questão do sentido da existência. Por enquanto, estamos na zona nebulosa da terceira margem do rio.
A modernidade agoniza, solapada por esse buraco aberto no centro do coração pela cultura da abundância. Nunca a felicidade foi tão insistentemente ofertada. Está ao alcance da mão, ali na prateleira, na loja da esquina, publicitada em todo tipo de mercadoria.
No entanto, a alma se dilacera, seja pela frustração de não dispor de meios para alcançá-la; seja por angariar os produtos do fascinante mundo do consumismo e descobrir que, ainda assim, o espírito não se sacia...
A publicidade repete incessantemente que todos temos a obrigação de ser feliz, de vencer, de nos destacarmos do comum dos mortais. Sobre esses recai o sentimento de culpa por seu fracasso. Resta-lhes, porém, uma esperança, apregoam os que deslocam a mensagem evangélica da Terra para o Céu: o caráter miraculoso da fé. Jesus é a solução de todos os problemas. Inútil procurá-la nos sindicatos, nos partidos, na mobilização da sociedade.
Vivemos num universo fragmentado por múltiplas vozes, frente a um horizonte desprovido de absolutos, com a nossa própria imagem mil vezes distorcida no jogo de espelhos. Engolida pelo vácuo pós-moderno, a religião tende a reduzir-se à esfera do privado; olvida sua função social; ampara-se no mágico; desencanta-se na autoajuda imediata.
Nesse mundo secularizado, a religião perde espaço público, devido à racionalidade tecnocientífica, ao pluralismo de cosmovisões, à racionalidade econômica. Sobretudo, deixa de ser a única provedora de sentido. Seu lugar é ocupado pelo oráculo poderoso da mídia; os dogmas inquestionáveis do mercado; o amplo leque de propostas esotéricas.
A crise da modernidade favorece uma espiritualidade adaptada às necessidades psicossociais de evasão, da falta de sentido, de fuga da realidade conflitiva. Espiritualidade impregnada de orientalismo, de tradições religiosas egocêntricas, ou seja, centradas no eu, e não no outro, capazes de livrar o indivíduo da conflitividade e da responsabilidade sociais.
Agora, manipula-se o sagrado, submetendo-o aos caprichos humanos. O sobrenatural se curva às necessidades naturais. A solução dos problemas da Terra reside no Céu. De lá derivam a prosperidade, a cura, o alívio. As dificuldades pessoais e sociais devem ser enfrentadas, não pela política, mas pela autoajuda, a meditação, a prática de ritos, as técnicas psicoespirituais.
Reduzem-se, assim, a dimensão social do Evangelho e a opção pelos pobres. O sagrado passa ser ferramenta de poder, para controle de corações e mentes, e também do espaço político. O Bem identifica-se com a minha crença religiosa. Bin Laden exige que o Ocidente se converta à sua fé, não ao bem, à justiça, ao amor.
Essa religião, mais voltada à sua dilatação patrimonial que ao aprimoramento do processo civilizatório, evita criticar o poder político para, assim, obter dele benefícios: concessão de rádio e TV etc. Ajusta a sua mensagem a cada grupos social que se pretende alcançar.
Sua ideologia consiste em negar toda ideologia. Assim, ela sacraliza e fortalece o sistema cujo valor supremo, o capital, se sobrepõe aos direitos humanos. Como observava Comblin, as forças que hoje dominam são infinitamente superiores às das ditaduras militares.
Aos pobres, excluídos deste mundo, resta se entregarem às promessas de que serão incluídos, cobertos de bênçãos, no outro mundo que se descortina com a morte. Frente a essa “teologia” fica a impressão de que a encarnação de Deus em Jesus foi um equívoco. E que o próprio Deus mostra-se incapaz de evitar que sua Criação seja dominada pelas forças do mal.
Felizmente, nas Comunidades Eclesiais de Base, nas pastorais sociais, nos grupos de leitura popular da Bíblia, fortalece-se a espiritualidade de inserção evangélica. A que nos induz a ser fermento na massa e crê na palavra de Jesus, de que ele veio “para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10, 10).
Fomos criados para ser felizes neste mundo. Se há dor e injustiça, não são castigos divinos, resultam de obra do ser humano e por ele devem ser erradicadas. Como diz Guimarães Rosa, “o que Deus quer ver é a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso. Mas cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta.”
Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto
Comentários
Amor
André Luiz Garcia - 2011-04-29 00:45
Frei Betto,
Concordo muito com seu texto.
Porém, acredito que não temos capacidades morais, ainda, na Terra para sentir a plenitude da felicidade que podemos e vamos um dia conhecer. Isso só vai acontecer quando o egoísmo for extinguido dos governos e dos povos; e quando tivermos por objetivo a harmoniza, a verdade, a bondade e a beleza, ao invés do lucro e do crescimento econômico.
Inclusive, venho agradecer aqui por uma palestra sua no festival de Cinema em Curitiba, em 2008, onde sua explanação sobre o que é Direita e Esquerda ficará sempre na minha memória.
Deixo abaixo uma parte do livro "O problema da dor" de León Denis, de 1922
Um grande abraço!
André Garcia
"Todo poder da alma se resume em três palavras: querer, saber, amar!
Querer, ou seja, dirigir toda a sua atividade, toda a sua energia para o objetivo a atingir; desenvolver sua vontade e aprender a direcioná-la.
Saber, porque, sem o estudo aprofundado, sem o conhecimento das coisas e das leis, o pensamento e a vontade podem se extraviar no meio das forças que procuram conquistar e dos elementos a que aspiram comandar.
Mas, acima de tudo, é preciso amar, porque sem o amor, avontade e o saber são incompletos e, muitas vezes, estéreis. O amor os ilumina, os fecunda, multiplica por cem seus recursos.
Não se trata aqui do amor que contempla sem agir, mas daquele que se aplica a espalhar o bem e a verdade no mundo. A vida terrestre é um conflito entre as forças do bem e do mal. O dever de toda alma forte é tomar parte no combate, trazer-lhe todos os seus impulsos, todos os seus meios de ação, de lutar pelos outros, por todos aqueles que ainda se agitam no caminho obscuro.
O mais nobre uso que se pode fazer de suas faculdades é trabalhar para se engrandecer, desenvolver no sentido do bem e do belo esta civilização, esta sociedade humana, que tem suas chagas e feiúras, sem dúvida, mas que é rica de esperança e de
magníficas promessas. Essas promessas se transformarão em realidade viva no dia em que a humanidade tiver aprendido a se comunicar, pelo pensamento e pelo coração, com o foco de amor que é o esplendor de Deus."
(León Denis)
As grandes religiões perderam
Ricardo Oliveira - 2011-04-28 16:31
As grandes religiões perderam o tempo. Em um mundo que se transformou em uma aldeia, com os recursos de comunicação e trocas culturais bem acessíveis , com a possibilidade real da formação de uma grande, e mundial, sociedade intectualizada as religiões não acompanham o ritmo. Com esse perfil, as pessoas não mais desejam fazer parte de grupos ou religiões em que se pede que elas devam apenas acreditar e seguir. Elas querem vivenciar, conhecer, fazer parte do centro. Isso, as grandes religiões não permitem,e não se permitem. Atualmente as grandes religiões são as causas de grandes conflitos. São geradoras de intolerância e fanatismos.
Grandes religiões
George - 2011-04-28 18:55
Discordo do que você disse...Pois, o que está ocorrendo, justamente é o contrário: o fundamentalismo tem crescido assustadoramente, cada vez mais Americanos aderem ao fundamentalismo cristão, as populações do Oriente Médio, Norte da África e parte da Ásia se convertem às correntes islâmicas mais radicais e em Israel o Judaísmo Ortoxo é o que tem mais crescido. No Brasil, as seitas evangélicas neopentencostais e a corrente carismática da Igreja Católica tem aumentado em detrimento dos adeptos da teologia da libertação. Enfim, apesar do mundo ter se transformado nessa "aldeia global", não houve progresso dos valores humanos, da ética e da cultura. Estamos caminhando para uma nova "Idade Média", infelizmente.
Educação: da quantidade à qualidade
No Brasil, apenas 10% da população concluíram o ensino superior; 23% o médio, e 36% não terminaram o fundamental
17/01/2011
Frei Betto
A presidente Dilma promete priorizar a educação. No Brasil, apenas 10% da população concluíram o ensino superior; 23% o médio, e 36% não terminaram o fundamental. O ministro Fernando Haddad se compromete a adotar tempo integral no ensino médio, combinando atividades curriculares com aprendizado profissionalizante.
São promessas às quais se soma a de aplicar 7% do PIB na educação (hoje, apenas 5,2%, cerca de R$ 70 bilhões).
O governo Lula avançou muito na área: criou 14 novas universidades públicas e mais de 130 expansões universitárias; a Universidade Aberta do Brasil (ensino à distância), cuja qualidade é discutível; construiu mais de 100 campi universitários pelo interior do país; criou e/ou ampliou Escolas Técnicas e Institutos Federais e, através do PROUNI, possibilitou a mais de 700 mil jovens o acesso ao ensino superior.
Outro avanço é a universalização do ensino fundamental, no qual se encontram matriculados 98% dos brasileiros de 7 a 14 anos. Porém, quantidade não significa qualidade. Ainda há muito a fazer. Estão fora da escola 15% dos jovens entre 15 e 17 anos. Ao desinteresse, principal motivo, alinham-se a premência de trabalhar e a dificuldade de acesso à escola.
Tomara que a proposta de tempo integral do ministro Haddad se torne realidade. Nos países desenvolvidos os alunos permanecem na escola, em média, 8h por dia. No Brasil, 4h30. Pesquisas indicam que, em casa, passam o mesmo tempo diante da TV e/ou do computador. Nada contra, exceto o risco de obesidade precoce. Mas como seria bom se TV emitisse mais cultura e menos entretenimento e se na internet fossem acessados conteúdos mais educativos!
Os estudantes brasileiros leem 7,2 livros por ano, dos quais 5,5 são didáticos ou indicados pela escola. Apenas 1,7 livro por escolha própria. E 46% dos estudantes não frequentam bibliotecas.
No Pisa 2009 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), aplicado em 65 países, o Brasil ficou em 53º lugar. Na escala de 1 a 800 pontos, nosso país alcançou 401. No quesito leitura, 49% de nossos alunos mereceram nível 1 (1 equivale a conhecimento rudimentar e 6 ao mais complexo). Nível 1 também para 69% de nossos alunos em matemática e para 54% em ciências.
O Pisa é aplicado em alunos(as) de 15 anos. Nas provas de matemática e leitura, apenas 20 alunos (0,1%), dos 20 mil testados, alcançaram o nível 6 em leitura e matemática. Em ciências, nenhum. No conjunto, é em matemática que nossos alunos estão mais atrasados: 386 pontos (o máximo são 800). O MEC apostava atingirem 395. Na leitura, nossos alunos fizeram 412 pontos, e em ciências, 405.
Estamos tão atrasados que o Plano Nacional de Educação prevê o Brasil alcançar, no Pisa, 477 pontos em 2021. Em 2009, a Lituânia alcançou 479; a Itália, 486; os EUA, 496; a Polônia, 501; o Japão 529; e a China, campeã, 577.
Nos países mais desenvolvidos, 50% do tempo de instrução obrigatório aos alunos de 9 a 11 anos e 40% do tempo para os alunos de 12 a 14 anos é ocupado com ciências, matemática, literatura e redação. E, no ensino fundamental, não se admitem mais de 20 alunos por classe.
Onde está o nosso tendão de Aquiles? Na falta de investimentos – em qualificação de professores, plano de carreira, equipamentos nas escolas (informática, laboratório, biblioteca, infra desportiva etc).
Análise de 39 países, feita pela OCDE em 2010, revela que o investimento do Brasil em educação corresponde a apenas 1/5 do que os países desenvolvidos desembolsam para o setor. EUA, Reino Unido, Japão, Áustria, Itália e Dinamarca investem cerca de US$ 94.589 (cerca de R$ 160 mil) por aluno no decorrer de todo o ciclo fundamental. O Brasil investe apenas US$ 19.516 (cerca de R$ 33 mil).
Embora a OMC tenha insinuado retirar a educação da condição de dever do Estado e direito do cidadão e transformá-la em simples negócio – ao que o governo Lula se contrapôs decididamente -, os 5,2% do PIB que nosso país aplica na educação são insuficientes. O que favorece a multiplicação de escolas e universidades particulares de duvidosa qualidade. Entre os países mais ricos, derivam do poder público 90% do investimento em ensinos fundamental e médio.
Ainda convivemos com cerca de 14 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais. Sem contar os analfabetos funcionais. Dos 135 milhões de eleitores em 2010, 27 milhões não sabiam ler nem escrever. Faltou ao governo Lula um plano eficiente de alfabetização de jovens e adultos.
Tomara que Dilma cumpra a promessa de criar 6 mil novas creches e o MEC se convença de que alfabetização de jovens e adultos não se faz apenas com dedicados voluntários. É preciso magistério capacitado, qualificado e bem remunerado.
Todos gostariam que seus filhos tivessem ótimos professores. Mas quem sonha em ver o filho professor? Na Coreia do Sul, onde são tão bem remunerados quanto médicos e advogados, e socialmente prestigiados, todos conhecem o provérbio: “Jamais pise na sombra de um professor.”
Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto
Comentários
Lúcia Ribeiro - 2011-01-17 21:23
Frei Beto:
Concordo que o ensino a distância seja discutível, embora desconheça resultados de pesquisas. Porém informo que acabo de concluir o curso de Administração em um projeto piloto envolvento a UAB e a minha experiência vê essa modalidade de ensino de forma positiva. Depois de um dia de trabalho é complicado que, após enfrentar o trânsito, nos coloquemos em sala de aula e estejamos prontos para o envolvimento completo de uma explanação. No entanto, o curso a distancia exige disciplina. Para mim, que gosto de ler, estudar e pesquisar foi uma oportunidade ideal e exigiu grande envolvimento. Porém, concordo que muitos de meus colegas (mas assim como também ocorre nos cursos presenciais), partiram para essa experiência como forma de pontuar suas carreiras profissionais, tendo como objetivo principal a conquista de um diploma.
EAD
Fernando Soares - 2011-01-17 16:44
"...O governo Lula avançou muito na área: criou 14 novas universidades públicas e mais de 130 expansões universitárias; a Universidade Aberta do Brasil (ensino à distância), cuja qualidade é discutível..." O senhor tem qual opinição sobre o ensino a distância?
EAD
Ângela Brasil - 2011-01-18 16:28
Bom meus caros colegas.Vejo que a discussão sobre o Ensino a Distância tem que entrar num outro rumo de discussão, o de saber qual a responsabilidade da Instituição que oferece tal serviço. Essa tem o compromisso com a formação do aluno cidadão, com uma visão crítica, capaz de propor mudanças na sociedade e que tenha o acesso aos meios de produção/consumo do que é se produzido (conhecimentos,etc). Pois, falar em um Ensino a Distância onde a Instituição que oferece o serviço não tem a mínima responsabilidade com o processo de formação do seu aluno, que o deixa inclusive responsável por procurar campo de estágio (que visa unir teoria e prática), é de deixar-nos preocupados.Afinal qual o tipo de Ensino nós defendemos, o que é direito do cidadão e dever do Estado garanti-lo a toda população brasileira ou a compra de diploma que não acrescenta nada na vida do cidadão??? é para nós fazermos uma análise crítica de que processo de formação nós queremos. A que é de qualidade e que todos tenham acesso de entrar e permanecer neste processo.
Expansão de Qualidade
Carlos Vergueiro - 2011-01-17 12:14
Concordo com Frei Betto quanto ao baixo investimento em educação no Brasil. 7% ainda é muito pouco, devemos exigir de nossa presidenta 10%, dado o caráter urgente em combater a evasão escolar e alfabetizar os jovens adultos. Além disso, com 7% não conseguiremos atingir um nível de qualidade decente, já que eu como professor sei que sem uma Universidade crítica com professores doutores capazes de contribuir na formação; sem remuneração adequada à tarefa de conhecer o aluno e a escola em que trabalha aliado ao desprestígio da profissão, não é possível crer que a educação no Brasil mude significativamente.
Tragédia carioca | | |
Escrito por Frei Betto | |
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publicado no Correio da Cidadania Doze adolescentes, de 13 a 15 anos, foram cruelmente assassinados, a 7 de abril, nas salas de aula de uma escola de Realengo, Rio. Outras tantas ficaram feridas. O criminoso, de 23 anos, disparou na própria cabeça a 66ª bala saída de seus dois revólveres.
Massacre como este nunca havia ocorrido no Brasil. São freqüentes nos EUA. E enchem o prato da mídia em busca de audiência. A cada telejornal, reaparecem as fotos das crianças, o depoimento de parentes e amigos, os sonhos que nutriam...
Em Antígona, de Sófocles (496-405 a.C.), a mulher que dá nome à peça rebela-se contra o Estado que a proíbe de sepultar seu irmão. Hoje, a exploração midiática torna os corpos insepultos. As famílias das crianças sacrificadas, ontem no anonimato, agora ocupam manchetes e são alvos de holofotes. É a morte como sucesso de público!
O assassino foi o único culpado? Tudo decorreu de um "monstro" movido por transtornos mentais? A sociedade que engendra esse tipo de pessoa não tem nenhuma responsabilidade?
Um gesto brutal como o do rapaz que matou à queima-roupa 11 meninas e 1 menino não é fruto de geração espontânea. Há um histórico de distúrbios familiares, humilhações escolares (bulliyng) e discriminações sociais, indiferença de adultos frente a uma criança com notórios sinais de desajustes.
Quando pais têm mais tempo para dedicar à internet e aos negócios que aos filhos, adolescentes ingerem bebida alcoólica misturada a energéticos, alunos ameaçam professores, crianças se recusam a dar lugar no ônibus aos mais velhos... o sinal vermelho acende e o alarme deveria soar.
O que esperar de uma sociedade que exalta a criminalidade, os mafiosos, a violência, através de filmes e programas de TV, e quase nunca valoriza quem luta pela paz, é solidário aos pobres, trabalha anonimamente em favelas para, através do teatro e da música, salvar crianças de situações de risco?
Há anos acompanho o trabalho do Grupo Tear de Dança, que congrega jovens de baixa renda da zona norte do Rio. Embora seus espetáculos sejam de boa qualidade artística, sei bem das imensas dificuldades de patrocínio, de divulgação, de espaço na mídia para noticiar suas apresentações.
É triste e preocupante ver o talento de um jovem bailarino se perder porque, premido pela necessidade, ele deve retornar ao trabalho de ajudante de pedreiro ou, a bailarina, de vendedora ambulante.
Como evitar novos massacres semelhantes ao de Realengo? Quase dois terços dos eleitores brasileiros aprovaram, no plebiscito de 2005, o comércio de armas. As lojas vendem armas de brinquedo presenteadas às crianças. Os videogames ensinam como se tornar assassino virtual.
Há no Brasil 14 milhões de armas em mãos de civis, das quais metade ilegais, como as duas que portava o assassino dos alunos da escola Tasso da Silveira.
Segundo o deputado Marcelo Freixo (PSOL), existem no estado do Rio 805 mil armas em mãos de civis, da quais 581 mil são ilegais, muitas em mãos de bandidos. "O cidadão que compra uma arma para ter em casa, pensando em se proteger, acaba armando os criminosos", afirmou no Rio o delegado Anderson Bichara, da Delegacia de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas.
Como dar um basta à violência se o Instituto Nobel da Noruega concede o prêmio da Paz a guerreiros como Henry Kissinger, Menachem Begin, Shimon Peres e Barack Obama?
Monstro é tão-somente quem entra armado numa escola, num supermercado, num cinema, e mata a esmo? Como qualificar a decisão do governo dos EUA de, após vencer a guerra contra a Alemanha e o Japão, jogar a bomba atômica sobre a pacífica população de Hiroshima, a 6 de agosto de 1945 (140 mil mortos), e três dias depois outra bomba atômica sobre a população de Nagasaki (80 mil mortos)?
Hitler e Stalin também podem ser qualificados de "monstros" e seus crimes são sobejamente conhecidos. Mas não há uma certa domesticação de nossas consciências e sensibilidades quando somos coniventes, ainda que por inação ou omissão, frente ao massacre dos povos iraquiano, afegão e líbio?
A paz jamais virá como resultado do equilíbrio de forças. Há nove séculos o profeta Isaías alertou-nos: ela só vigorará como fruto de justiça.
Mas quem tem ouvidos para ouvir? *** O governo Dilma, com razão, não gostou do relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre os direitos humanos no Brasil, divulgado semana passada. O Itamaraty fez uma nota de protesto. É pouco. Só há uma resposta à altura: o Brasil emitir um relatório sobre os direitos humanos nos EUA.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão, de "Conversa sobre a Fé e a Ciência" (Agir), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto
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Um comentário:
Para mim os textos que Frei Betto escreve estão pós-ótimos. Ou seja, já ultrapassam a qualidade de ótimos.
Vida longa!!
Paz e Bem!!
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