domingo, 25 de janeiro de 2009

Livro com textos do Curso de Verão Ano XXII - Arte e Educação Popular

Valor: R$ 15,00

Sinopse:

O Curso de Verão do ano de 2009 já ganhou o livro que contem as contribuições dos/as assessores/as que acompanham o curso na sua fase preparatória e na sua realização nos dias 11 a 18 de janeiro 2009. O livro, organizado pelo padre José Oscar Beozzo, coordenador Geral do CESEP, conta com a valiosa contribuição de Dan Baron, escritor teatral, diretor de teatro, arte-educador ativista cultural; de Manoela Souza,arte-educadora, ativista cultural, coordenadora da Rede Brasileira de Arteducadores; de Zé Vicente, lavrador, poeta e cantor; de Marcelo Barros, monge beneditino, biblista, assessor da CPT, escritor e autor da livros e artigos e de Luzmarina Campos Garcia, teóloga e pastora da igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; liturgista e artista plástica. Atualmente colabora com o Conselho Mundial das Igrejas na Suíça.
Segundo o organizador do livro, “o belo é a faceta visível do transcendente, desvendamento e irradiação da verdade e da bondade que habitam secretamente todas as criaturas e apontam para seu criador...o encontro das muitas artes, poesia, música, teatro, dança, pintura, escultura, fotografia, vídeo, rádio, jornal, na metodologia corrente do Curso de Verão, leva-nos, neste ano, a refletir sobre a relação entre Arte e Educação Popular, com seus desdobramentos no campo das práticas pedagógicas, da leitura popular da Bíblia e do celebrar com arte e beleza”.
A publicação deste livro trará insumos teóricos sobre o tema de fundo do Curso de Verão, mas também apontamentos para a reflexão e estudo em grupo e nas comunidades ou congregações interessadas no tema e na busca de novos olhares dessa realidade ampla, bela e contrastante na qual estamos inseridos.

Local onde o livro pode ser encontrado com mais facilidade: Livrarias Paulus ou no endereço virtual www.paulus.com.br ou www.cesep.org.br

Ficha Técnica:

Título: Curso de Verão Ano XXII - Arte e Educação Popular
Catálogo: Teologia Popular
Ano: 2008
Autor(a): José Oscar Beozzo (org.)
Acabamento: Brochura
Formato: 15 x 22
Número de páginas: 158
Editora: Paulus / CESEP
Código do Produto:
ISBN: 978-85-349-2967-7

Análise de Conjuntura - Curso de Verão 2009 - PUC-SP.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Introdução: Três observações metodológicas
1. Análise de Conjuntura é o momento do ver para um agir motivado por valores – julgar. Aqui deixamos de lado esses dois outros momentos – o julgar e o agir – mas sempre os tendo no horizonte. Não é, portanto, uma análise pretensamente isenta ou imparcial: se o valor maior para nós é o Reino de Deus que se constrói na História Humana, cabe perguntar às Ciências do Social aonde essa construção está avançando e aonde (e porque) está emperrada. Assim, a análise dará pistas para tornarmos nossa ação mais eficaz.
2. Só faz sentido analisar a conjuntura (isto é, a realidade em sua configuração atual) quando se tem em mente a estrutura (isto é, a realidade em sua configuração permanente). Esta é a maior dificuldade: não se percebe a estrutura na experiência cotidiana – ela exige, para ser conhecida, um recuo teórico. P. ex: em 1994 e 98 FHC ganhou as eleições no 1º turno, porque as condições de vida do povo melhoraram. Também Lula ganhou em 2006, pela mesma razão. O eleitorado não quer saber se essa melhoria se deve a uma “mágica” econômica (como o endividamento externo do Brasil, com FHC) ou a um período de grande prosperidade mundial (como Lula em 2003-2008). Já os intelectuais estão sempre encontrando motivos pra criticar o governo, seja ele qual for... E é isso que eu vou fazer aqui. Não tenho o menor prazer em criticar o Lula, mas minha visão da estrutura social e econômica mostra que seu governo vai no rumo errado, embora o povo esteja muito contente e confiante nele.
3. No momento da análise, devemos seguir o lema “pessimismo da razão, otimismo da vontade”. No momento da ação, é o contrário: deixar-se revigorar pelo otimismo para enfrentar as dificuldades do real convencidos de que vamos vencer todos os obstáculos.
Vamos focar, nesta análise, a atual crise financeira, que é menos preocupante pelas perdas financeiras e a inevitável recessão agora em escala mundial, do que por sua conjunção com três outras crises: ecológica, de governança e de humanidade.
1. Crise global do capitalismo
Estamos hoje imersos na crise provocada pela “bolha” financeira dos EUA. Diante dela, há duas perguntas-chave:
(i) esta é mais uma crise característica do sistema capitalista, ou estamos diante do esgotamento de sua capacidade de produzir e distribuir riqueza?
(ii) trata-se de corrigir os excessos do capitalismo, ou de lançar as bases de um sistema alternativo?
O economista Delfim Netto, por exemplo, vê nesta crise – como nas outras 46 crises registradas desde 1790 – o mérito de forçar os agentes do sistema capitalista de mercado a corrigirem seus erros e exageros, sob pena de serem substituídos por agentes mais criativos. Segundo seu pensamento, foi a organização social e econômica do mercado que “nos últimos 150 anos trouxe os homens da Idade da Pedra à Idade da Informática. Eles não a inventaram. Ela é produto de uma espécie de seleção natural produzida pelo próprio desenrolar histórico. Foi sendo descoberta pelo homem desde que saiu da África, há 200 mil anos, e foi pensada criticamente pelos gregos há pelo menos 2,5 mil anos”. Sendo conatural ao ser humano, o sistema de mercado não admite alternativa viável. “Todas as formas alternativas gestadas até agora por cérebros peregrinos, e executadas por fanáticos psicopatas aos quais a sociedade descontente entregou em desespero e descuidadamente o poder, terminaram em tragédia. E as que estão por aí infestando a infeliz América Latina, onde a psicopatia é acentuada pela ignorância, não serão exceção à regra: são apenas pontos fora da curva do processo civilizatório.”
Outra perspectiva é aquela que vê no sistema capitalista de mercado um produto da história ocidental. Esboçado nas cidades do norte da Itália desde o século XIII, estruturou-se no “longo” século XVI, provocou a “revolução industrial” no século XVIII e consolidou-se por meio das revoluções política e cultural do século XIX. No século XX atingiu a maturidade, ao mundializar-se pelo processo de globalização. A pergunta, agora, é se ele sobreviverá ao século XXI. Ao longo do tempo, não só assumiu diferentes formas – mercantilista, liberal, imperialista-colonial, de bem-estar social e neoliberal – como transferiu seus pólos (das cidades italianas para Amsterdã, dali para Londres e depois Nova York). Todas essas mudanças foram acompanhadas de graves crises, em geral resolvidas por meio de guerras.
Crise financeira
O abalo financeiro é muito grave. Diz M. Pochmann que “o descolamento dos ganhos financeiros em relação ao sistema produtivo pode ser identificado na comparação do PIB com a quantidade de recursos aplicados em derivativos.” Enquanto o PIB mundial alcançou quase US$ 55 trilhões, em 2007, o volume dos direitos negociados no sistema financeiro mundial chegou a quase US$ 600 trilhões. O mesmo indicador do valor (a moeda expressa em US$) aplica-se a duas realidades muito diferentes: o volume de bens e serviços efetivamente produzidos, e a compra e venda de direitos que são repassados sem que nenhum bem tenha sido produzido (por isso, chamados de derivativos).
“Lucrar sem produzir” é a fase avançada do capitalismo mundial. O sistema capitalista dividiu a humanidade em classes sociais definidas pela posição da pessoa no mercado. Agora as diferenças entre as classes tornaram-se maiores, e a “burguesia mundial” (cujo topo é formado por 70 mil famílias que detém 20% da riqueza total do mundo) não demonstra ser solidária com as demais classes sociais.
Para quem negocia, o importante é auferir o lucro monetário, pouco importando se o objeto da negociação é real ou virtual. Pode-se ganhar dinheiro pelo trabalho ou no jogo de azar, mas há uma diferença: o cassino não produz riqueza. Dado que até pouco antes da crise quem aplicasse seu dinheiro em derivativos obtinha mais lucro do que na produção de riqueza, muitas empresas aplicaram suas reservas no mercado financeiro. Auferiram assim lucros fabulosos – principalmente os bancos, que são os intermediários dessas aplicações. No momento, porém, em que esses títulos perdem sua capacidade de se converter em dinheiro, correm o risco de virarem pó. Isso pode representar a falência de muitas empresas e, consequentemente, desemprego em massa. A ameaça de falência da General Motors é emblemática, por ser uma empresa-símbolo do capitalismo moderno – “o que é bom para a GM é bom para os EUA, e vice-versa”.
Para evitar essa catástrofe financeira, os Bancos Centrais intervieram, aportando dinheiro para se liquidarem os negócios e assim segurarem um mínimo de credibilidade sem a qual desmorona toda a economia monetária (pois o dinheiro só tem valor enquanto se acredita em seu poder de comprar bens ou serviços). É uma medida de emergência, que alivia tensões e permite que se busque outra saída que não seja a guerra. Mas essa medida precisa ser criteriosa para que os jogadores irresponsáveis não sejam reembolsados às custas de quem trabalha, e deve ser acompanhada de uma nova regulação do sistema de mercado. Uma possibilidade é retomar a proposta feita em 1972 pelo prêmio Nobel Tobim, de impor uma taxa de 0,1% a todas as transações financeiras, de modo a reduzir drasticamente os ganhos especulativos (grandes somas aplicadas em curto ou curtíssimo prazos) sem que isso onere substancialmente os investimentos produtivos (de longo prazo). Ou seja, há meios para que seja superada a crise financeira, mas eles exigem sacrifícios. O que se discute, portanto, é sobre quem recairão esses sacrifícios...
2. As externalidades do sistema econômico
O que não tem sido trazido à baila, é aquilo que a teoria econômica liberal classifica como “externalidades”: os efeitos não-econômicos dos processos econômicos regidos pela lógica do lucro capitalista. São externalidades a produção de lixo, o desperdício de matérias-primas e energia, a destruição da biodiversidade, a degradação dos solos e das águas, doenças (p. ex. o teor de enxofre no diesel da Petrobrás, os transgênicos da Monsanto), a exclusão social e a revolta dos oprimidos, entre outras. Por não contabilizar esses custos, o capitalismo conseguiu produzir uma enorme quantidade de riqueza e muitos lucros. O problema, agora, é que, a se manter a mesma lógica econômica, as externalidades se voltarão contra o sistema e o travarão. Os graves problemas ambientais, energéticos e humanos (como a violência e a miséria) estão hoje a apontar que o sistema capitalista de mercado está prestes a esgotar sua capacidade de produzir riqueza.
Fomos acostumados a ver a economia como uma área de conhecimento especializado, sobre a qual só gente com muito estudo (de preferência, numa universidade dos EUA) pode se pronunciar. Esquecemos que a teoria econômica nasceu como Economia Política, ao se separar da Ética (cristã) que até o século 18 ditava as normas de funcionamento do mercado. Foi o pensamento neoliberal, triunfante e dominante, que separou a Economia da Política, ao estabelecer que a Economia é a ciência do funcionamento do mercado, enquanto a Política é a ciência do funcionamento do Estado. (É o que vemos, por exemplo, no governo Lula: a direção da economia nacional foi entregue a um banqueiro do PSDB, como se este fosse um “técnico” – ex-presidente do Banco de Boston nos EUA – e não um “político”). Agora que a crise eclodiu, percebemos o erro de separar a Economia da Política, e vemos mais: temos que alargar o conceito de Economia para incorporar também as relações dos seres humanos com a Terra, e não somente suas relações sociais de produção e distribuição das riquezas.
Cada um desses pontos mereceria uma análise em profundidade, mas nos falta tempo e conhecimento suficiente para tanto. (Hoje, análise de conjuntura requer conhecimento em diferentes áreas das ciências!).
Déficit energético
O produtivismo consumista do capitalismo tem fome de energia. O carvão, para a “revolução industrial”, e mais tarde, a hidroeletricidade e o petróleo em abundância, permitiram a farra consumista do século XX. É verdade que essa farra é gozada somente por um bilhão de pessoas (que consomem 82% das riquezas do mundo), pois outro tanto passa fome e a grande maioria consome apenas o suficiente para sobreviver com dignidade.
Acontece que essas fontes de energia ou não são renováveis (carvão, petróleo, gás) ou são fisicamente limitadas (hidroeletricidade). O mundo se vê diante da alternativa de descobrir novas fontes de energia, ou renunciar ao produtivismo consumista. O bilhão de pessoas que forma a “burguesia mundial” coloca suas esperanças nas novas fontes de energia que sejam renováveis (a agroenergia) e, o quanto possível, “limpas”. A técnica representa para essa classe a única salvação: ela acredita que um dia os cientistas e pesquisadores descobrirão fontes de energia que lhe permita manter o atual padrão de consumo, sem temer o seu esgotamento. Enquanto esse dia não chega, essa classe continuará consumindo vorazmente os recursos da Terra, enquanto as classes subalternas continuarão sonhando em um dia consumir igual... Até que os recursos se esgotem e, perdidas as esperanças, os seres humanos se matem uns aos outros.
Aquecimento global
Hoje não resta dúvida: o mundo caminha para uma nova fase geológica, marcada pelo aquecimento global. As previsões são incertas, porque o tempo da Terra é muito mais longo do que a biografia dos humanos, mas convergem no sentido de afirmar que os regimes climáticos atuais sofrerão grandes mudanças. O degelo da calota polar, o alagamento das zonas litorâneas, a expansão dos desertos (o “rio aéreo” da floresta amazônica pode secar) e a desertificação dos mares são previsíveis: só falta acertar o ano...
Não há dúvida, também, quanto ao fato de ser a espécie humana responsável pelo aquecimento global, embora provavelmente não seja o único fator desse processo.
Crise de governança global.
Usa-se a expressão “governança” para designar a capacidade de se imprimir numa organização os rumos decididos por quem a controla. Fala-se de governança de uma empresa, de um país e, atualmente, de “governança global”. No tempo dos impérios, eram eles que imprimiam os rumos do mundo, por meio de sua ação política, militar, cultural e econômica. A decadência do império estadunidense, aparentemente tão forte depois da derrota soviética na guerra fria, deixou um vazio de poder. A ONU, desgastada pelos EUA, é pouco mais do que um espaço de concertação internacional. Outros organismos especializados – como o FMI, OMC, Banco Mundial – ficaram sob a tutela dos EUA e seus aliados, e não têm força para imprimir ao mundo rumos diferentes daqueles desejados pelo governo dos EUA.
Neste momento de crise global, o mundo carece de governança; carece de instâncias capazes de aplicar as decisões que forem tomadas. Bem ou mal, existe a ONU e seus organismos especializados. Existem também tribunais internacionais e organismos multilaterais, mas seu poder de implementar as decisões é praticamente nulo. P. ex. poderia o FMI impor aos EUA o controle dos gastos públicos e o equilíbrio fiscal, como faz com os países da periferia?
Crise de humanidade
O massacre do povo palestino na Faixa de Gaza, pelo terrorismo de Estado de Israel, não sofreu real oposição dos governos das grandes potências mundiais, que se limitaram a criticar a desproporção da retaliação israelense contra o Hamas, e a aprovar na ONU um cessar-fogo não acatado por Israel. A rejeição à operação militar israelense como matança de inocentes só foi contundente nos espaços sociais e políticos da periferia do poder mundial.
Outros conflitos igualmente desumanos e sangrentos ocorrem na África, mas estes não mobilizam a mídia, pois trata-se de populações pobres, cujas vidas parecem não ter o mesmo valor que dos ricos. Muitas e muitas vidas são eliminadas sem piedade por meninos que compõem as milícias tribais e até exércitos oficiais (a indústria progrediu muito: não é mais necessário ser adulto ou ter um corpo forte para usar uma arma!), enquanto mulheres são violentadas e a ajuda em alimentos é saqueada pelas milícias. Sabe-se que as guerras entre tribos são o principal obstáculo ao desenvolvimento da região e que têm conseqüências mais dramáticas do que as catástrofes naturais (secas, inundação, desertificação) e a corrupção. Essas guerras quase sempre são incentivadas por interesses externos, ligados principalmente à mineração. Hoje, além das antigas empresas européias e estadunidenses, é importante a presença de capitais chineses, principalmente nas obras de infraestrutura para exportação.
Nesse contexto de desumanização, esgarçam-se os laços de solidariedade e difunde-se uma atitude cínica, que transforma todas as desgraças em espetáculo televisivo.
3. Cenários do desenrolar da crise global
Retomo aqui uma análise recente de Marcos Arruda , que diz:
“O sistema centrado no capital, no lucro e no crescimento econômico ilimitado das empresas e da economia material não tem condições intrínsecas para gerar sua própria superação. Enquanto o espaço territorial do planeta permitia sua expansão, ele progrediu, multiplicando e globalizando bens, serviços, mercados e apetite de consumir. Sem ter conseguido realizar o que chama de ‘desenvolvimento’ e ‘progresso’ para a totalidade dos povos e dos cidadãos e cidadãs da Terra, e tendo depredado ou colocado em risco de morte grande parte dos seus recursos naturais e ecossistemas, esse sistema, promotor de ambição, ganância, voracidade e competição permanente entre pessoas, empresas e nações começa a chegar ao fim. Vivemos um momento da história humana em que uma civilização, com seu ideário cultural e seu modo de organização socioeconômica e política, caminha para a extinção, enquanto do seu interior brotam e se articulam os elementos que sinalizam para uma nova civilização e um novo paradigma de ser humano e de vida no Planeta.
Os riscos de crise global e sistêmica gerados pelo modo atual de organização e operação da economia são compostos por 5 riscos distintos:
(1) risco de colapso do sistema financeiro global; (10 vezes mais dólares do que o valor total dos bens e serviços produzidos no mundo)
(2) risco de explosões sociais de escala continental ou planetária; (migrantes, desempregados, desalojados...)
(3) risco de conflitos bélicos ampliados, com forte potencial de eclosão nuclear e de alcançarem, em algum momento não previsível, o âmbito mundial; (já há “guerras de baixa intensidade” nas periferias urbanas, patrocinadas pela indústria armamentista e pelo tráfico de drogas)
(4) risco de crise ecológica em grande escala, sobretudo pela via do aquecimento global, dada a falta de vontade dos poderosos de tomar medidas radicais para reduzir e mitigar em tempo hábil os diversas consequências que se tornam causas de mais aquecimento: as emissões de gases-estufa, a queima das florestas tropicais, o aumento da temperatura da atmosfera, o degelo das calotas, o aumento do nível e da temperatura dos mares. (desiquilíbrio climático pode crescer em espiral, um fator fazendo os demais aumentarem).
Qualquer um destes riscos pode gerar um desastre de escala planetária; e a simultaneidade de sua eclosão pode ser catastrófica para existência da espécie humana na Terra.
Aí o rei fica nu: o capitalismo revela sua natureza caótica e o risco de as elites apelarem para uma guerra se torna iminente. A guerra tem dois efeitos fulminantes: reativa a economia pela produção e comércio de armamentos, envolvendo uma complexa cadeia produtiva voltada para a morte; e distrai a população da crise sistêmica e da pressão por uma transformação socioeconômica profunda e radical. O capitalismo é um sistema entrópico, que tende à redução de tudo e todos a mercadoria, e à uma exacerbação do uso das energias sem preocupar-se com sua reposição, ou com a resiliência dos sistemas que comanda – do econômico e financeiro ao ecológico. No seu espaço-tempo histórico, cada agente é induzido a disputar contra os outros uma corrida desenfreada atrás da cenoura da felicidade para si próprio à exclusão dos outros. Mas a cenoura está presa à ponta da vara das riquezas materiais, que cada um traz amarrada no dorso. Resulta daí a tendência inevitável do sistema do capital mundial à dissipação da energia e ao caos.
Mas outro cenário faz parte do nosso complexo campo de probabilidades. Cabe aos que percebem essas tendências, e desejam evitar uma debacle civilizatória generalizada, agregar consciência e vontade em teias de relações não hierárquicas, conectadas pela ajuda mútua, o afeto e o acolhimento da alteridade. O fim desta etapa da História pode ser a aurora de um novo tempo, um tempo que abrigue o respeito à vida, à sua diversidade e ao seu movimento em sentido ascendente do sempre mais complexo e espiritual. Um tempo de sintonia da humanidade com os ciclos naturais e com os misteriosos ritmos do Universo.”
Será isso uma utopia? Com certeza, sim, mas é uma utopia que merece muito mais credibilidade do que a utopia do mercado, da tecnologia onipotente, do progresso sem fim, enfim, a utopia incapaz de satisfazer o anseio humano por um mundo em paz. Sem medo da utopia, sem medo de ser feliz, vejamos onde aparecem hoje as alternativas ao capitalismo.
4. Alternativas de superação do capitalismo
Falando para a ONU, no “Painel sobre a crise financeira”, F. Houtart afirma que é preciso mudar a própria lógica econômica e “privilegiar o valor de uso sobre o valor de troca, o que significa outra definição da economia: não mais a produção de um valor agregado, fonte de acumulação privada, mas a atividade que assegura as bases da vida material, cultural e espiritual dos seres humanos através do mundo”. A partir desse momento, o mercado servirá de regulador entre a oferta e a procura, em vez gerar lucro para quem tem dinheiro. Serão combatidos o desperdício de matérias primas e energia, e a destruição da biodiversidade e da atmosfera, e serão contabilizadas e consideradas as externalidades ecológicas e sociais. Isto porque, continua o velho mestre, “privilegiar o valor de uso provoca a não mercantilização dos elementos indispensáveis à vida – sementes, água, saúde, educação –; o restabelecimento dos serviços públicos; a abolição dos paraísos fiscais e do sigilo bancário; a anulação das dívidas odiosas dos Estados do Sul; o estabelecimento de alianças regionais sobre a base de complementaridade e de solidariedade; a criação de moedas regionais; bem como outras medidas em favor da multipolaridade. A crise financeira constitui a ocasião única de pôr estas medidas em aplicação.”
Houtart termina sua fala indicando quem será portador desse projeto: “o novo ator histórico, portador dos projetos alternativos, é hoje plural. São os trabalhadores, os camponeses sem terra, os povos indígenas, as mulheres primeiras vítimas das privatizações, os pobres das cidades, os militantes ecologistas, os migrantes, os intelectuais ligados aos movimentos sociais. A sua consciência de ator coletivo começa a emergir. A convergência das suas organizações está apenas no seu começo e ainda carece frequentemente de ligações políticas. Certos Estados, notadamente na América Latina, já têm criado condições para as alternativas se realizarem. A duração e a intensidade das lutas destes atores sociais dependerá da rigidez do sistema existente e da intransigência dos seus protagonistas.”
Nesses movimentos sociais está sendo gestado um modo de produção e consumo que vem sendo chamado de “ecossocialismo”, “socioeconomia solidária”, e outros nomes. Não vou me estender sobre o tema, que ocuparia um curso inteiro, mas quero esclarecer que institutos sociais, como a economia solidária, a cooperativa e o planejamento estatal podem com vantagem substituir o mercado na regulação da produção, desde que seja respeitado o princípio da subsidiariedade: não assuma a instância maior o que a instância menor é capaz de fazer.
Talvez o pensamento e o exemplo de Ghandi – que faz a ponte entre a racionalidade ocidental e a sabedoria indiana – venha a servir como inspiração para um modo de produção voltado não para o crescimento econômico, mas para o bem-estar de todo ser vivo. Seu ideal humanista de simplicidade de vida, de não-violência (inclusive contra os animais, daí sua prática vegetariana) de autonomia local e regional, pode ser a base de uma nova economia: uma economia que abdica da utopia produtivista do progresso sem fim, para alcançar a utopia da harmonia universal com toda a comunidade de vida – a bela e provocante expressão usada na Carta da Terra para designar o conjunto dos seres viventes, superando o especismo humano.
Será mesmo ingenuidade propor um modo de produção e consumo calcado na simplicidade de Ghandi? Pensando bem, a perda só seria real para os ricos. Para estes é normal ter automóvel, viajar de avião, pagar quem lhes faça serviços domésticos, consumir produtos importados, e muitos outros hábitos que a grande maioria da humanidade desconhece – embora sonhe um dia também usufruir. O PIB mundial é estimado hoje em US$55 trilhões. Estimando-se a população mundial em 6,7 bilhões, a renda anual per capita seria de US$8.200, ou seja, R$1.500 mensais por pessoa. (Uma família de quatro pessoas receberia R$6.000 mensais, se houvesse uma perfeita divisão da renda mundial). Mesmo descontando os impostos para manter os serviços públicos e uma poupança para investimento, essa renda familiar dá muito bem para viver, se for possível contar com serviços públicos eficientes na área da seguridade social, educação e transporte público.
Assim, o que parece ingênuo propor hoje, quando todos anseiam aumentar a produção de bens e serviços, poderá ser uma solução no momento da crise ecológica. A humanidade não poderá continuar se dando ao luxo de transportar (inclusive por avião) mercadorias a longa distância, com um custo ecológico que só se justifica para bens de primeira necessidade impossíveis de serem produzidos localmente. Num sistema de economia solidária fica fora de cogitação economizar no valor monetário se isso implica uma deseconomia ecológica. O rumo é esse: unidades de produção locais, articuladas em rede, com baixo padrão de consumo material (em relação aos parâmetros atuais nos países e setores ricos).
5. E o Brasil nisso tudo?
Se esta análise está correta, as medidas tomadas pelo governo Lula estão na direção contrária à busca de “outro mundo possível”. (Embora ele tenha apoiado a realização do FSM, em Belém, com R$ 120 milhões). O Banco Central não só manteve a elevada taxa de juros – que retira dinheiro da economia real para alimentar o jogo financeiro dos rentistas improdutivos – como o Brasil tomou junto ao FMI um empréstimo de US$30 bilhões para assegurar que os ganhos financeiros aqui realizados retornem ao exterior. O “pacote” de medidas do governo para dar liquidez à economia, é um paliativo incapaz de estancar a especulação financeira e a fuga de divisas. A política macroeconômica de H. Meirelles segue igual ao que era antes da crise: ignora o fracasso da autorregulação do mercado e continua apostando no futuro do sistema de mercado regido pela lógica do lucro e pelo produtivismo. A obsessão por realizar superávits primários (eufemismo que serve para camuflar o déficit fiscal provocado pelo serviço da dívida) continuará sangrando o Tesouro Nacional, que repassa a conta para quem de fato produz e paga impostos.
Além disso, o Presidente continua dando força ao agronegócio e à mineração, sem atentar para os danos que causam ao meio-ambiente. Tudo se passa como se o aumento da produção para a exportação fosse uma solução e não um paliativo que adia a crise econômica mas antecipa a crise ecológica – que é muito mais grave. Até a política industrial vai no sentido de favorecer a indústria automobilística – que continua produzindo carros de passeio como se eles tivessem aonde trafegar nas grandes cidades. Fazendo de conta que a crise é apenas financeira e que o capitalismo encontrará uma solução tecnológica para os problemas de energia e de meio-ambiente, Lula entregará a seu sucessor ou sucessora um país em situação tão precária quanto a que recebeu – com o agravante de um contexto mundial em recessão e não em crescimento, como teve em seus dois mandatos até quatro meses atrás.
Neste momento, ganha enorme importância o próximo Fórum Social Mundial, a realizar-se em Belém do Pará, de 27 a 31 de janeiro. Por ser um espaço privilegiado de reflexão, debates e troca de experiências sobre os caminhos para “um outro mundo possível”, o próximo FSM poderá marcar uma virada histórica. Ele tem anunciado que “outro mundo é possível”, mas só conseguiu demonstrar essa possibilidade em casos espacialmente delimitados. Seu desafio, agora, é elaborar projetos de âmbito realmente global, coerentes com a nova consciência planetária que se difunde pelo mundo.
Ganham importância, também, os movimentos sociais que nascem das bases mas não se limitam à luta por interesses específicos: antes as incluem dentro das grandes lutas pela vida do Planeta. “Pensar globalmente e agir localmente” significa, hoje mais do que antes, ter um pé firme na base local, o outro caminhando para uma articulação regional, e os olhos na articulação nacional, continental e planetária. Neste contexto, o processo de articulção puxado pela Assembléia Popular é um dos fatos mais promissores do momento.

Juiz de Fora, 13 de janeiro de 2009
Pedro A. Ribeiro de Oliveira
Professor da PUC-Minas e membro de ISER-Assessoria

Alfabetização Cultural: a luta íntima por uma nova humanidade, de Dan Baron.

São Paulo: Alfarrabio Editora, 2004.
Formato: 16x32cm
ISBN: 8589147-02-9.
Nº de páginas: 432
Preço: R$ 44,00

Sobre o Analfabetismo Cultural:

dialogando com Dan Baron

Por ANTONIO OZAÍ DA SILVA

Docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), membro do Núcleo de Estudos Sobre Ideologia e Lutas Sociais (NEILS – PUC/SP), do Conselho Editorial da Revista Margem Esquerda e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo.

A obra Alfabetização Cultural: a luta íntima por uma nova humanidade, de Dan Baron, trata da necessidade de construção de uma pedagogia e uma estratégia de libertação que possibilite enfrentar os dilemas da práxis transformadora da realidade social. Como escreve a educadora peruana Liliana Galván Ore:

“Este livro é um modelo vivo refletido no compromisso de quem faz o que aconselha e integra sua subjetividade ao mundo exterior, para transformar essa memória sombria e obscura da realidade numa visão luminosa, plena de esperança pelo crescimento e florescimento”. (p. 17)

Este compromisso está presente em cada página do livro. Há também a preocupação do autor em estimular e estabelecer o diálogo – a própria estrutura do livro, com margens amplas e espaços abertos para anotações, foi pensada com este propósito; o autor sugere ainda que o (a) leitor (a) envie seus comentários, dúvidas etc., disponibilizando o seu email: maosdeobra@hotmail.com.

Dan Baron expõe os conceitos e histórias que expressam a sua “busca cultural por uma pedagogia de autodeterminação, acumuladas na lágrima sábia de resistência”. (p. 23) Esta parte autobiográfica – o primeiro livro – retrata os caminhos percorridos e as experiências compartilhadas com os deserdados, os perseguidos e excluídos. Baron nasceu em Londres, em 1957, formado em Literatura inglesa e com pós-graduação em Teatro Político pela Universidade de Oxford, trabalhou com os exilados políticos, sindicatos e sem-tetos ingleses; militou por sete anos na Irlanda do Norte, junto às comunidades marcadas pela guerra; retornando, em 1994, ao País de Gales, atuou como professor de teatro comunitário e arteeducação[1] na Universidade de Glamorgan; também esteve presente na África do Sul pós-apartheid e na Palestina e, a partir de 1998, passou a trabalhar como professor visitante na Universidade do Estado de Santa Catarina e a atuar junto aos sem-terras, os indígenas, ao movimento sindical e universitário, com o objetivo de formar educadores comunitários.

Ele utiliza recursos lingüísticos como pequenos contos e poemas e expõe o seu íntimo, entendido como um conceito pedagógico. O autor se expõe ao leitor como um recurso coerente com o seu projeto político-pedagógico e de maneira que isto “ilumine” a sua “subjetividade como arteeducador e colaborador cultural” e também o seu “papel como participante e coordenador”. (p.25)

Dan Baron apresenta-nos oito experiências culturais coletivas, histórias que compõem uma narrativa das possibilidades de uma prática pedagógica da autodeterminação voltada para as comunidades excluídas dos espaços formais educacionais e, ao mesmo tempo, envolvendo educadores críticos numa perspectiva solidária e democrática. São vivências relatadas não somente através da linguagem escrita, mas também ilustrada por mais de 600 fotos, as quais revelam o convívio e o processo pedagógico com os índios Pataxós, os sem-terra e comunidades da periferia urbana.

A prática pedagógica exposta nesta obra advoga o uso de recursos como o teatro e outras formas de expressão artística. Na medida em que integra outras capacidades sensoriais intrínsecas ao nosso corpo-pensante, extrapolando os limites da linguagem escrita, o autor revoluciona a concepção que geralmente temos sobre o processo de ensino-aprendizagem. Por outro lado, contribui para a superação do conceito de educação restrito às amarras do ensino formal. Como ele afirma: “O ser humano educa e forma, mesmo sem o propósito ou desejo. Participamos o tempo inteiro na formação – ou deformação de nossa humanidade, da humanidade das pessoas com as quais convivemos, e por implicação da humanidade do mundo”. (p. 23)

A leitura deste livro expressa, em primeiro lugar, uma luta íntima que envolve o próprio leitor. De repente, nos vemos diante de fatos inelutáveis que questionam as nossas certezas e expõem a nossa subjetividade. Não é fácil assumirmos que, na verdade, somos analfabetos culturais; é difícil aceitar que todo o conhecimento enciclopédico e os títulos acadêmicos que porventura temos não são garantia de que sejamos culturalmente alfabetizados. Sabemos ler e escrever, podemos conhecer as grandes teorias, dominar os conceitos filosóficos, políticos etc., mas tudo isto, longe de nos aproximar do outro e da nossa própria humanidade, pode, paradoxalmente, ter um efeito inverso e perverso: o distanciamento do mundo real, da mísera realidade que nos cerca; tendemos a tudo racionalizar e nada sentir. O adágio filosófico “Penso, logo existo” sugere uma questão: existir para quê? Para além do pensar, que nos dá a certeza do existir, é preciso sentir que existimos.

Dan Baron revela a necessidade de superarmos os limites da fria racionalidade e de assumirmos uma postura diante do mundo.[2] É preciso sentir, indignar-se, comprometer-se. Os que dominam a palavra escrita iludem-se em equivaler conhecimento formal e alfabetização cultural. O ser humano mais simples cujas condições sócio-econômicas não lhe permitiu freqüentar os bancos universitários tem o que ensinar. Para compreender este fato singelo é mister desmistificar a noção de cultura, predominante e arraigada em nossos corações e mentes, que confunde cultura com conhecimento livresco e formal.

O domínio da cultura escrita e discursiva não é suficiente para que nos alfabetizemos culturalmente. Essa cultura racionalista e eurocêntrica, fator de colonização das nossas mentes e herança introjetada em nosso ser, “nos deixa menos alfabetizados, até ‘analfabetos’, no que se refere às linguagens e performances de nosso corpo, às emoções, aos usos do espaço e aos relacionamentos”. (p. 41) O resultado é a cegueira da consciência, a anulação da subjetividade e da intersubjetividade. Só superando esta cegueira é que teremos condições de estabelecer o diálogo com o outro. Portanto, o comprometimento intelectual, ou seja, o engajamento militante, não nos torna necessariamente melhores nem indica que estejamos alfabetizados culturalmente. Como escreve o autor:

“Precisamos reconhecer que a ausência dessa alfabetização cultural gera conseqüências íntimas, com profundas implicações sociais e políticas. Até que ponto preferimos olhar para as injustiças socioeconômicas ‘externas’ porque é insuportável e aterrorizador olhar para as suas seqüelas da desidentificação em nossas vidas íntimas, muitas das quais não sabemos nomear, interpretar e transformar?” (p. 43)

Para compreender a alfabetização cultural enquanto um objetivo estratégico na construção de uma nova utopia que respeite a subjetividade humana e estabeleça o dialogo entre os diversos territórios e suas manifestações étnicas, de gênero e de classe, precisamos ter claro a definição de cultura proposta pelo autor:

“A cultura é normalmente entendida como a arte produzida para galerias e teatros por gênios criativos em isolamento. Essa crença nos tem desviado e inferiorizado por séculos. Tem sido usada para nos convencer de que a cultura é irrelevante a nossa vida e para nos excluir da construção de idéias e interpretações. Resultou na idéia de que não possuímos técnicas culturais. Mas, sobretudo, essa mentira tem sido usada para nos desencorajar de participar da construção de nossa própria cultura e identidade.

A cultura expressa nossa relação com a produção e reprodução da vida; por isso, o verbo cultivar. Interpreta e define nossa relação econômica, política e social com o mundo. É como nós trabalhamos, comemos, pensamos, nos vestimos, organizamos, , sentimos, escolhemos nossos amores, amamos, nos divertimos, refletirmos, lembramos, falamos, rimos, choramos, transamos, nos vemos, educamos nossas crianças e enterramos nossos mortos. É como entendemos a nós mesmos no mundo e como vivemos este entendimento”. (p. 56)

Esta percepção torna possível compreender como a cultura se encontra profundamente relacionada à “nossa história pessoal, familiar, comunitária, nacional e, hoje, explicitamente global, gravada em nosso corpo, nossas emoções, nossos sentidos e nossas relações – com os vivos, com os mortos e aqueles que ainda não nasceram”. (p. 57)

A alfabetização cultural pressupõe não apenas a compreensão não elitista, da cultura, como também uma atitude pedagógica fundada na autodeterminação. Trata-se de uma pedagogia crítica, uma pedagogia da esperança que possibilite ir além da crítica e da resistência à realidade. É preciso, portanto, incorporar uma nova atitude fundada na compreensão da própria subjetividade e no diálogo com o outro, uma atitude que persiga a coerência entre os meios e os fins, entre o discurso e a prática.

Este não é um processo fácil, pois os valores dominantes nos envolvem o tempo todo. Mesmo os intelectuais críticos e os militantes dos movimentos sociais, partidos etc., encontram-se imbuídos e viciados pela cultura opressiva – muitos querem libertar os oprimidos, mas atuam na mesma perspectiva dos opressores. E, muitas vezes, cegos em seu fanatismo, nem o percebem. Com efeito, os valores predominantes de competição, do vigiar e punir fundados em prêmios e castigos, são muito fortes e impõem barreiras à uma nova atitude solidária e dialógica.

A alfabetização cultural indica o reconhecimento das nossas fraquezas, do “bicho”[3] que habita em nosso ser. Resistir é fundamental, mas também é preciso construir barricadas que sustentem a nova atitude. Como sugere Baron, precisamos

“debater e definir os valores e princípios de libertação que sustentarão e transformarão a resistência. Mas temos que aprender a praticá-los. Como militantes, precisaremos demonstrar respeito pela fragilidade, humanidade, individualidade, prazer, necessidades, conhecimentos e sentimentos de cada pessoa. Precisaremos colaborar, não dirigir. Escutar e perguntar, não pré-julgar. Abrir e dialogar, não discursar. Empatizar e entender, não condenar. Experimentar e participar, não apressar e dominar. Valorizar a resistência (pessoal e coletiva) como conhecimento, não marginalizá-la ou ignorá-la” (pp. 63-64)

Os que agem como se fossem o demiurgo da história, missionários da utopia, apóstolos da razão, em geral, praticam o oposto. O discurso, mesmo quando crítico e pretensamente democrático, é negado pela prática autoritária. Um dos méritos desta obra é precisamente o de estimular a reflexão sobre as nossas fraquezas e incoerências e sobre as possibilidades de agir diferente.

Há livros que lemos e que passam, ainda que momentaneamente fique a impressão de que valeu a pena lê-lo. Com o tempo, perde-se a mais remota lembrança e não restará nem ao menos o registro do título da obra e o nome do seu autor. (Como aqueles esquecidos em nossas estantes e que, um dia, ao acaso, descobrimos que os temos). Há livros que são úteis, que nos ajudam a compreender determinadas teorias, conceitos etc.; que nos ensinam história, sociologia, política etc., e acrescentam-nos algo, ainda que os esqueçamos. Há os que lemos com prazer, como se fosse simplesmente parte do lazer – entre estes incluo, especialmente, a literatura.[4]

Mas há livros que jamais esquecemos, que nos ensinam sobre teorias e conceitos, sobre as áreas do conhecimento humano, que nos comprometem e que permitem-nos a prática dialógica; são livros que nos transformam substancialmente, que nos deixam uma sensação paradoxalmente angustiante e prazerosa – a angústia pela exposição das nossas fraquezas e dos dilemas que nos parecem insolúveis; e o prazer pela alegria de compreender melhor o mundo, os indivíduos e suas relações e a nós mesmos e nosso lugar neste contexto. A obra de Dan Baron tem essa qualidade.

A propósito, devemos registrar o cuidado editorial: este é um daqueles livros que conseguem a proeza de unificar forma e conteúdo numa perspectiva bela e instigante. Isto não ocorre por acaso, mas sim porque tanto o autor quanto os responsáveis pela edição compartilham do mesmo projeto político-pedagógico. Não se trata apenas da publicação de mais um livro, mas de compartilhar experiências que auxiliam os espíritos críticos e inquietos a refletirem sobre a sua práxis e, simultaneamente, terem em mãos uma obra que os ajudam em sua prática educativa transformadora. Uma obra, portanto, recomendável aos que ainda não perderam a esperança e que persistem em mudar de atitude...

Enfermaria
Coluna de Mylton Severiano na Revista Caros Amigos


"O exercício da arte poética é sempre um esforço de auto-superação e, assim, o refinamento do estilo acaba trazendo a melhoria da alma."Mário Quintana (1906-1994)

Teia
Capítulo 4 (final) - À flor da pele: Alfabetização Cultural


Resumo: A idéia de teia nasceu de epígrafe de João Cabral de Melo Neto em livro sobre o Afroreggae, ONG de Vigário Geral que educa crianças pela arte: Um Galo sozinho não Tece uma Manhã. Quem nos apresentou o livro e o Afroreggae foi a Elizah, apresentada pelo Bruxo da Fidalga, que também nos apresentou Dan Baron, que nos levou ao Morro da Caixa e ali montou oficina de Alfabetização Cultural, pouco depois que outro fio da teia se alçasse sob a lona do Circo Picolino.

Pura coincidência? Em junho, quando iniciávamos curso de clown com a palhaça florianopolitana Patrícia dos Santos, em Salvador o circense Anselmo Serrat buscava alguém para editar o texto do Almanaque Picolino, em comemoração aos dezoito anos de sua escola de circo. Queria algo no estilo do Almanaque Brasil de Cultura Popular, revista de bordo da TAM criada pelo colega de hospício Elifas Andreato. Pronto: quem cuidava do visual do Almanaque Picolino era a amiga Virgínia Fujiwara, que nos indicou justamente na condição de editor de texto do Almanaque do Elifas.

Como uma teia se amplia: a Picolino, após mil sacrifícios, envolve trezentas pessoas – treinadores, voluntários e centenas de alunos, boa parte crianças “de rua”; e sua história, ao chegar a Florianópolis, incita gente a fundar também aqui uma escola de artes circenses.

De volta a Floripa. Morro da Caixa. Padre Vilson é referência aqui. O militante cultural Dan Baron e Vilson ficaram amigos certa noite de 2003; Dan ofereceu jantar de solidariedade a um “juiz progressista vítima de perseguição”, pai do colega de hospício Fernando Evangelista e também amigo de Vilson. Dan diz que amizade é “contagiosa”.

No começo de 2004, Dan e Manoela, a Mano, promoveram no morro a oficina Alfabetização Cultural, de sexta a domingo. Na igreja de Vilson. Cinqüenta pessoas. Os do morro hospedaram os da cidade. A oficina mexe com a gente. Numa seqüência, devemos escolher como par a pessoa mais diferente de nós; que lhe tomemos as mãos e acariciemos, examinemos, simulemos o gesto de lavá-las e enxugá-las; aí, trocamos de lugar. Depois, fechamos os olhos e exploramos com as mãos o rosto um do outro. Noutra cena, em grupos de cinco, sentamos no chão e cada pessoa põe na roda um objeto seu e fala do significado; uma jovem mulher chora ao falar de sua aliança – “quando minha mãe morreu, minha irmã tirou a aliança do dedo da mãe e me deu, disse que fui eu quem cuidou dela até o fim”. Dançamos, cantamos, teatralizamos conceitos e preconceitos.

O domingo começa com o preparo do pão. Um a um, vamos à mesa e doamos nossa cota: amassar, mais farinha, mais óleo, amassar, dar depoimento. Os do morro se abrem mais. Teco conta como drenaram e calçaram ruas com as próprias mãos. Maria relembra que catavam lenha para cozinhar. Alessandra narra a saga da família até ela, primeira a entrar no curso superior. O pão seria partilhado (“corpo de Cristo”) na missa noturna, antes das despedidas. Inesquecível o apelo emocionado do mulato aos brancos do centro: “Agora, quando encontrar a gente, vê se pelo menos cumprimenta”. Dan nos diz que sempre se preocupou com a contradição entre barricada-dos-excluídos e fortaleza-dos-incluídos:

“Naquela igreja, os ‘analfabetos’ ensinaram como ler e escrever o mundo majoritário. E a oficina alcançou um raro diálogo íntimo e lúdico entre esses dois mundos subjetivos. Ouvimos a comunidade negra, lemos e trocamos com o corpo histórias infaláveis, escrevemos nossos preconceitos inconscientes através da dança-narrativa. Assim, o ‘negro do morro’ e o ‘branco do centro’ vivenciaram uma empatia que revelou que uma nova solidariedade, descolonizada, recíproca, pode ser possível.”

Dan acaba de lançar Alfabetização Cultural – A Luta Íntima por uma Nova Humanidade (quer? livraria@alfarrabio.com.br). São seus referenciais Paulo Freire e Augusto Boal. No livro, ilustrado, Dan expõe “propostas para uma pedagogia de autodeterminação baseada na arteducação”. Nas páginas finais, fotos da oficina no morro; numa, contracenam a Maria que catava lenha e a arteducadora Katia. Negra e branca. Na legenda, Dan transcreveu o que disse Maria na sessão de despedida, sobre o momento em que Katia lhe tomou as mãos para “lavá-las”: Senti que tua mão esfriou de repente; e o que disse Katia, no depoimento mais contundente e lancinante, resumo da tomada de consciência do “branco do centro” em relação ao “negro do morro”: Foi como se eu estivesse lavando minha alma da culpa pelos que foram escravizados por meus antepassados.

Estendam-se e liguem-se teias por esses brasis, porque um galo sozinho não tece uma manhã.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Os profissionais da cultura: formação de quadros para o setor cultural

Entrevista com José Márcio Barros

O antropólogo José Márcio Pinto de Moura Barros tem longa experiência na formação e capacitação de quadros profissionais para o setor cultural, adquirida principalmente na área acadêmica. É professor do programa de pós-graduação em comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e do curso de ciências sociais e comunicação daquela universidade, onde também dirige o Departamento de Arte e Cultura. Além de sua atuação na PUC Minas, é coordenador pedagógico dos cursos de especialização em gestão cultural na Universidade de Cuiabá (MT) e de ensino e pesquisa nos campos da arte, cultura e educação na Escola Guignard, da Universidade do Estado de Minas Gerais. Publicou, entre outros livros, Diversidade Cultural: Da Proteção à Promoção, recém-lançado pela Editora Autêntica, e Comunicação e Cultura nas Avenidas de Contorno, que saiu pela Editora PUC Minas em 2005.

Em complemento à sua atuação na academia, coordena em Belo Horizonte o Observatório da Diversidade Cultural (ODC), programa voltado à informação, à capacitação e à experimentação das possibilidades de atuação de gestores culturais, arte-educadores, artistas e outros agentes do campo da cultura. Colabora, ainda, com organizações governamentais e privadas, como é o caso do Observatório Itaú Cultural, onde participou de seminários e outros encontros técnicos.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à revista, em que são discutidos os desafios, necessidades e possibilidades para a criação de profissionais capazes de atuar com qualidade em um campo ainda distante de contar com contornos definidos, mas que se transforma e se reinventa em ritmo crescente.

Revista Observatório Itaú Cultural: O senhor é diretor de arte e cultura da PUC Minas e coordenador do Observatório da Diversidade Cultural. Pode descrever brevemente as atribuições dessas duas instituições e nos dizer quais são as principais atividades de formação e/ou capacitação de quadros para o setor cultural por elas desenvolvidas?

José Márcio Barros: A Diretoria de Arte e Cultura (DAC) da PUC Minas é um órgão auxiliar da Reitoria e foi criada em 2005. Trabalhamos com as seguintes diretrizes gerais:

Formação: Realizar projetos e ações para o desenvolvimento de habilidades e práticas artísticas, competências para o trabalho com a cultura e formação de público interno e externo;
Informação: Desenvolver estratégias e ferramentas de comunicação para a divulgação de idéias e atividades culturais no âmbito da universidade e dos demais setores da sociedade;
Difusão: Promover a experiência de trocas culturais e ações consorciadas entre os diversos campi, unidades acadêmicas e demais instituições parceiras da universidade;

Produção: Fomentar a criação artística e cultural no ambiente acadêmico e estimular o constante aprimoramento dos grupos artísticos já existentes;

Gestão Estratégica: Participar da gestão do patrimônio histórico, acervo artístico e espaços culturais da universidade e das decisões relativas aos espaços de sociabilidade nos diversos campi e unidades acadêmicas.

Integram a estrutura da DAC o Museu de Ciências Naturais, a PUC TV, a Escola de Teatro da PUC Minas, o coral e um grupo de teatro experimental.

As atividades de formação são realizadas tanto como atividade regular das estruturas que integram o órgão quanto em atividades especiais na forma de oficinas e cursos. Para se ter uma idéia, a Escola de Teatro conta com aproximadamente 230 alunos nos cursos de iniciação profissionalizante e infantil. A PUC TV, por seu lado, constitui-se como um espaço de aprendizagem de TV e vídeo que atende aproximadamente 30 alunos semestrais. A própria DAC realizou no primeiro semestre de 2008 cursos e oficinas de dança contemporânea, pandeiro, canto a capela, cinema brasileiro, iniciação ao desenho etc. No segundo semestre, oficinas de clown, haicai e história do rock e da MPB. As atividades atendem aos alunos da universidade e aos demais interessados, e atingem Belo Horizonte e outras cidades onde a PUC Minas se encontra.

Já o Observatório da Diversidade Cultural é um programa desenvolvido por meio do Instituto Artivisão, uma organização não-governamental de Minas Gerais que tem apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e parceria com a Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (www.observatoriodadiversidade.org.br).

Esse programa propõe realizar algo que é identificado como prioritário nos mais diversificados círculos de reflexão e ação transformadora da cultura no mundo: a efetiva capacitação de artistas, arteeducadores, agentes culturais e profissionais de áreas afins para o trabalho cotidiano com a diversidade cultural. Sua proposta é organizar processos de capacitação e difusão que garantam a integração entre a produção e a disponibilização de informação, a reflexão teórico-conceitual e experimentações estético-educativas para artistas, agentes culturais e educadores integrantes de instituições, grupos e projetos culturais de Minas Gerais e de outros estados. Procuramos levar os participantes a uma reflexão consciente sobre o tema, que lhes permita integrar o conceito e o sentido da diversidade cultural em seu trabalho, de forma a tornarem-se verdadeiros multiplicadores de seus fundamentos filosóficos e teóricos e de suas possibilidades de fundar práticas e metodologias mais abertas e inclusivas.

O programa Observatório da Diversidade Cultural é, pois, uma proposta de caráter coletivo e colaborativo que vem responder a uma necessidade surgida após a promulgação da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da Unesco1: garantir que os princípios ali contidos sejam mais do que um elenco de boas intenções e se concretizem em políticas de governo e sociedade civil, em instrumentos eficazes de monitoramento e avaliação da efetividade dos princípios da Convenção. Com esse programa promovemos a organização de um ambiente virtual de informações sobre a diversidade cultural pelo mundo, aberto à consulta e alimentador de órgãos de comunicação e instituições. Mais que uma ferramenta virtual de caráter tecnológico, é um elemento de intervenção e acesso à informação articulada sobre o tema da diversidade cultural, aberto e voltado a instituições e projetos no Brasil e no mundo. A criação e a manutenção desse espaço visam contribuir com as experiências concretas de inclusão digital, fornecendo boletins eletrônicos de atualização, organizando banco de dados e textos sobre o tema e estimulando a interação entre os participantes e interessados.

Além da manutenção desse ambiente virtual, o Observatório da Diversidade Cultural desenvolve programas de formação teórico-conceitual que aliam a diversidade da cultura e o desenvolvimento. Realiza encontros de reflexão, estudos e seminários em torno dos temas diversidade cultural como patrimônio; documentos internacionais sobre direitos culturais e diversidade cultural; princípios de cooperação internacional e diálogo intercultural; leitura crítica da mídia e formação da sociedade e da cultura nas cidades e a questão da diversidade.

R.O.I.C.: Em junho de 2008, o senhor promoveu em Belo Horizonte o 3º Seminário
Diversidade Cultural. Quais contribuições ou reflexões sobre a formação de agentes, gestores, arte-educadores e outros quadros profissionais da cultura podem ser destacadas nessa edição e, eventualmente, nas edições anteriores?

J.M.B.: O que se pode destacar é que temos pautado a discussão da diversidade cultural em nossas atividades locais e nos encontros internacionais com duas ênfases:
• A convocação e o diálogo entre diversos setores da sociedade, instituições e sujeitos, de forma a garantir um debate plural sobre a temática, evitando assim falsos consensos e posições românticas sobre nossas diferenças;
• A perspectiva efetiva da transversalidade na abordagem da diversidade cultural, tomada não apenas como entrelaçamento de temas, mas como modo mesmo de concebê-la.

A primeira edição do seminário aconteceu em 2005, em parceria com o Ministério da Cultura do Brasil, a Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, a Escola do Legislativo, a ONG Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Mundializações (Germ) e a Maison des Sciences de L’Homme Paris Nord. Realizado em duas etapas, o evento teve a participação de educadores, estudantes, agentes culturais, jornalistas, artistas, gestores culturais, pesquisadores e interessados em geral. Graças ao sistema InterLeges, o evento foi disponibilizado a todas as Assembléias Legislativas do país. Os anais desse seminário foram publicados em 2006 pela PUC Minas e encontram-se disponíveis no site do ODC.

A realização do segundo seminário, em 2007, pretendeu dar continuidade à reflexão sobre os desafios da promoção e da proteção da diversidade cultural, promovendo a atualização sobre o estágio em que se encontravam as medidas regulatórias, as pesquisas e a produção de conhecimento em Minas Gerais, no Brasil e em outros contextos socioculturais sobre a questão. Permitiu o compartilhamento sensível de experiências entre aqueles que trabalham sob o signo da diversidade cultural.

No último mês de junho foi realizado o terceiro seminário, com as mesmas perspectivas de debater a diversidade cultural sob diferentes óticas e perspectivas. Sua programação esteve organizada em painéis e mesas-redondas, e contou com o lançamento do livro Diversidade Cultural – Da Proteção à Promoção, organizado com base no seminário de 2007. Uma das mesas-redondas centrou-se justamente na questão da gestão da diversidade, enfocando, entre outros temas, os processos de formação e capacitação como espaços privilegiados da experiência humana e do fortalecimento das práticas que envolvem a noção da diversidade cultural. Sob a mediação de Jurema Machado, coordenadora de cultura da Unesco no Brasil, contou com as presenças de Enrique Saravia, da FGV Rio, e de Maria Helena Cunha e Marcela Bertelli, da Duo, de Belo Horizonte.

R.O.I.C.: Uma das questões mais freqüentes quando se discutem indicadores culturais e outras formas de aferição dos fenômenos culturais é como definir cultura. São muitas as soluções propostas e, a depender de cada uma delas, também podem ser muito diferenciadas as análises e alternativas de intervenção. Esse também é um problema para as atividades profissionais da cultura? Em outras palavras, como definir as profissões e atividades culturais e propor programas de formação e capacitação que respeitem as especificidades dessas atividades?

J.M.B.: Não é nada fácil equacionar a relação entre as dimensões socioantropológicas da cultura, ou seja, a cultura como tudo aquilo que é fruto de aprendizagem em sociedade, e suas dimensões específicas, como a arte, as experiências simbólicas e estéticas, a indústria cultural etc. Penso que uma forma de equacionar isso em processos de formação de gestores e agentes culturais seja estabelecer relações por meio daquilo que autores como Edgard Morin chamam de pensamento complexo. Ou seja, trata-se de um modelo teórico e conceitual que pode enfrentar a complexidade dessa relação sem cair no “canto da sereia” de sua simplificação. Assim, penso que a adoção de um conjunto de perspectivas possa nos ajudar a pensar como realizar escolhas na construção de nossas matrizes de formação. Rapidamente eu destacaria a adoção da perspectiva circular, que indica que cada uma das dimensões da realidade e dos conceitos que construímos para pensá-la afeta o outro num processo contínuo de organização e desorganização; a adoção da perspectiva da interconectividade, que indica que tudo está ligado a tudo e que agir nas áreas de conexão pode produzir efeitos no todo e nas partes simultaneamente; a adoção da perspectiva da autoprodução, que nos remete ao reconhecimento de que somos (nós, nossas organizações e nossas instituições, no sentido amplo) produtores e produtos; a adoção da perspectiva dialética, que nos convida a pensar na existência de contradições e paradoxos; a adoção da perspectiva holística, que reconhece o todo nas partes e as partes no todo; a adoção de uma perspectiva dinâmica, que nos obriga a reconhecer que o aleatório, o incerto e o imprevisível são variáveis objetivas; e, por fim, a adoção da perspectiva da intersubjetividade, que nos convida a reconhecer que fazemos parte de nossos objetos e estes nos constituem como sujeitos.

R.O.I.C.: Em artigo no número 2 desta revista o senhor ressaltou que vivemos “numa sociedade de descolamento entre informação e conhecimento”, uma sociedade onde “o excesso de informação não gera conhecimento em quantidade e qualidade proporcionais”. Como enfrentar o desafio de produzir conhecimento nesse tipo de sociedade e garantir que a cultura siga sendo, também em suas palavras, “a experiência fundante do encontro e da troca”?

J.M.B.: Mais uma vez, não é nada fácil responder à questão, até porque seu enfrentamento depende da adoção de uma perspectiva radicalmente transversal e ampla, ou seja, não se resolve o problema da cultura apenas no campo da cultura. De forma ampla, precisaríamos partir de uma mudança na perspectiva de pensar o desenvolvimento. Se quiserem, uma mudança de paradigma que reintegre as várias dimensões das políticas públicas e a perspectiva do desenvolvimento humano, tão bem definida pelo Banco Mundial como o equilíbrio entre as quatro formas de capital: o capital natural, constituído pela dotação de recursos naturais com que conta um país, um estado, uma comunidade; o capital construído, gerado pelo ser humano, que inclui infra-estrutura, bens de capital, capital financeiro, comercial etc.; o capital humano, determinado pelos graus de nutrição, saúde e educação de
sua população; e o capital social, descoberta recente das ciências do desenvolvimento e entendido como valores e atitudes que garantem a construção de relações de confiança entre os atores sociais de uma sociedade, as atitudes e valores que auxiliam as pessoas a transcender relações conflituosas e competitivas para conformar relações de cooperação e ajuda mútua, ou seja, de reciprocidade, e as atitudes cívicas praticadas que fazem a sociedade mais coesiva e mais do que uma soma de indivíduos.

Acho que, se partirmos dessa perspectiva, poderemos realizar inversões e definir prioridades nos diversos campos da educação, da cultura e da comunicação que ajudariam a enfrentar o paradoxo a que Boaventura Sousa Santos chama de “cheio que nos parece oco”.

R.O.I.C.: O senhor foi um dos pioneiros a capacitar gestores e outros profissionais de cultura em Minas Gerais e no Brasil, um campo caracterizado pela transversalidade e pela fluidez de limites. Como foi “desbravar” esse campo e quais as principais dificuldades e experiências que poderiam ser transmitidas para aqueles que pretendem se iniciar nessa atividade?

J.M.B.: Não são poucas as dificuldades. Eu destacaria, em primeiro lugar, o elogio desmesurado à prática e sua ingênua oposição à teoria. Na área da cultura, ainda é dominante uma espécie de “pragmatismo impregnante”, que faz do bom senso e do ensaio e erro metodologias de trabalho. Criticar e superar tais posturas, ampliando para uma perspectiva mais praxiológica, não é nada fácil, mas extremamente importante. Outra dificuldade e/ou desafio é o enfrentamento da contradição entre o discurso e a prática com a transversalidade. Desenvolvemos mais a retórica do que fundamos uma nova prática. As corporações e as disciplinas ainda são muito operantes e fornecedoras de identidades e seguranças. Romper com isso não é nada fácil. Por fim, o desafio de romper com a idéia de que, para trabalhar com a cultura, basta gostar das artes. É preciso uma forte e dinâmica formação teórico-metodológica para que se transcendam práticas frágeis, auto-referentes e óbvias.

Meus atuais desafios são os de contribuir para uma efetiva ampliação e aprofundamento da visão e das atitudes para com a cultura. Mais do que nunca é preciso associar às iniciativas de inclusão, cidadania e participação nas esferas públicas da cultura a preocupação com o conceito, com a qualidade do que se faz, com a avaliação do que se fez e com os desdobramentos e continuidades. E isso só é possível com formação continuada.



Fonte: Revista Observatório Itaú Cultural, n. 6, 2008

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Não Sei

Cora Coralina

Não sei...se a vida é curta...

Não sei...
Não sei...

se a vida é curta
ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo:
É o que dá sentido à vida.

È o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira e pura...
Enquanto durar.

http://www.overmundo.com.br/banco/o-primeiro-dia-do-resto-de-nossas-vidas

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

TODOS SOMOS UM... BOA SORTE OBAMA!!!

Obama, um homem de palavra
FONTE: Portal IG
Caio Blinder, de Nova York

NOVA YORK- Dentro de algumas horas, depois do juramento presidencial com a mão sobre a Bíblia que pertenceu a Lincoln, Barack Obama fará o discurso mais importante de sua vida. Estará em casa. Nesta era de ovações a Obama, ele é inclusive saudado como o melhor escritor, entre os presidentes, desde o próprio Lincoln. E, de fato, Obama é um homem de palavras.


Veja o especial do Último Segundo sobre a posse de Obama
Conheça a equipe que irá governar com Barack Obama
Veja a programação oficial da posse de Obama


Sua carreira política foi impulsionada por talento literário (na narrativa de sua trajetória pessoal no livro "Dreams of My Father" - A Origem dos Meus Sonhos, em português) e eloquência, como no discurso que serviu de apresentação ao mundo na convenção do Partido Democrata em 2004, aquele em que se definiu como um "magrela de nome engraçado".

O momento histórico (de nuvens carregadas) exige um discurso épico e sempre se esperou isto do tribuno Obama. Será uma oração sobre o "novo nascimento da liberdade", o que mostra claramente para o primeiro presidente negro a pesada inspiração de Lincoln, o presidente que libertou os escravos. Obama também digeriu discursos de posse de outros supeitos habituais: Franklin Roosevelt e a necessidade de renovar a confiança e perder o medo em uma época negra da economia; John Kennedy e a passagem da tocha para uma nova geração a a necessidade de sacrifício pessoal; e Ronald Reagan com seu otimismo e o apelo do sonho americano.


Obama é conhecido por ser ótimo orador / AP

Desta classe de oradores, Lincoln é praticamente o único que é dono genuíno de suas palavras. Os outros tiveram uma rica assessoria. A frase antológica de Roosevelt no discurso de posse em 1933 ("a única coisa que precisamos temer é o próprio medo") foi adicionada por seu fiel Louis Howe. Já Lincoln escrevia frases aparentemente desconexas em pedaços de papel e guardava as pérolas dentro da cartola. Obama costumava redigir solo. Hoje em dia, é mais complicado. Ele conta com o garoto-maravilha Jon Favreau.

Theodore Sorensen, redator dos discursos de Kennedy, aposta que o pronunciamento de Obama nesta terça-feira será o mais eloquente justamente desde aquele feito em 1961 pelo presidente assassinado. O historiador William Leuchtenburg, que, garoto de 10 anos, escutou o discurso de posse de Roosevelt, em 1933, observa que aquele foi o único que alterou o rumo da história neste tipo de evento. No livro "A Origem dos Meus Sonhos", Obama escreveu que "com as palavras certas, tudo pode mudar".

Uma grandeza de Lincoln estava na sua capacidade de compressão verbal (nem sempre foi assim, obviamente). Não existe nenhuma expectativa de que Obama alcance o meu grau de brevidade (talvez densidade) do seu inspirador supremo. O mais importante discurso de Lincoln, em Gettysburg, em 1863, tinha 272 palavras, pronunciado em menos de dois minutos. Os fotógrafos nem tiveram tempo para registrar o momento histórico.

Nenhum risco que Obama repita William Henry Harrison, Em 1841, sem chapéu, casaco ou luvas, Harrison fez o mais longo discurso de posse, uma hora e quarenta e cinco minutos. em meio a uma tempestade de neve. Morreu um mês mais tarde, vítima da pneumonia que pegou no dia da posse

domingo, 4 de janeiro de 2009

Gonzagão que se sonha junto, torna-se realidade. (Sobre o Consórcio Cultural em 2009)





















Como e de conhecimento público desde que assumimos a direção do Complexo Cultural “O Gonzagão “ em maio de 2007, chamamos artistas, grupos culturais (principalmente os chamados “emergentes”) e entidades de apoio ou de assessoria no campo sociocultural, entre as quais a Ong Ação Cultural da qual faço parte, para compor um modelo de organização em forma de conselho para participarem da elaboração das linhas mestras, diretrizes e produção de algumas ações do/no Gonzagão, evidentemente que respeitando os limites politicos e orçamentários da nossa realidade.

Para nossa surpresa, embora tivesse assumido o Gonzagão sabedor das imensas dificuldades que encontraria pela frente e para surpresa ainda maior de muitos dos nossos colaboradores e parceiros, estes limites, notadamente nos aspectos físico/estruturais, financeiros e em recursos humanos qualificados eram maiores do que supúnhamos e mesmo assim obtivemos avanços consideráveis, destacamos como co-responsáveis por este sucesso: O apoio do Secretário de Estado da Cultura, Professor Luiz Alberto, que também encontrou as mesmas dificuldades, porém num âmbito maior; A estadia da Caravana Internacional Arcoiris no ano de 2007 e que deixaram um pouco de si, de maneiras diferentes, dentre as quais através da presença de dois artistas, egressos da Caravana e que permaneceram conosco neste ano de 2008 (Colores e Iris). A presença solidária do vereador Chico Buchinho, am alguns momentos, cujo mandato tem a área cultural como uma de suas prioridades e a cobertura da maioria dos orgãos de imprensa (especialmente no ano de 2007).

Importante registrar como realizações importante em termos de significado e/ou de maior visibilidade no ano de 2008, as vivência com dança-yoga, a oficina de circo, as rodas de diálogo e de danças circulares, a tentativa de reabertura do Forró do Candeeiro no Gonzagão, a abertura do Telecentro para a comunidade, a homenagem prestada ao cantor e compositor Dominguinhos pelo Consórcio Cultural, a parceria com o projeto Academia da Cidade (Secretaria Municipal da Saúde), A II Semana Luiz Gonzaga, o Festival Cultural do Projeto Abrindo Espaços, da Secretaria de Inclusão Social, a organização da Federação das Quadrilhas Juninas do Estado de Sergipe e as Mostras do Teatro do Oprimido, realização do Centro Teatro do Oprimido (RJ) com o patrocínio da Petrobrás e o apoio da Secretaria de Estado da Cultura.

E por último, como afirmei na celebração do consórcio cultural em dezembro último: O ano de 2007 foi o momento do Consórcio Cultural aparecer em grande estilo através da Semana Luiz Gonzaga, da Noite Cultural, do Presépio Natalino e de uma série de atividades realizadas pela Caravana Arcoiris. Já o ano de 2008 foi o tempo de ampliar conhecimentos sobre como garantir a sustentabilidade das entidades e grupos culturais que “brilharam” em 2007 no Gonzagão através dos eventos planejados e realizados em parceria, e neste caso os destaques neste ano que vai indo embora, foram as ações de qualificação de agentes culturais, como a palestra sobre empreendedorismo cultural, o curso de elaboração de projetos para a captação de recursos e o curso de empreendedorismo cultural realizados através da parceria imprescindível com o SEBRAE.

A nossa esperança é que unindo o talento artístico demonstrado desde 2007, com o aprendizado na área de produção de gestão e produção cultural no ano de 2008, possamos ter um 2009 que corresponda as nossas melhores expectativas de ações culturais “sustentadas” e com qualidade técnica e estética mais apurada.

P.S.: Importante destacar que as dificuldades que encontramos fazem parte do triste legado das administrações públicos que nos antecederam, ligadas aos partidos oligárquicos que se sucedem no poder desde o golpe de 1964 e que tentarão voltar ao poder em 2010 substimando a capacidade de percepção dos brasileiros. É claro que o atual governo precisa avançar e muuuito em questões como a reforma agrária e a democratização do acesso as ondas de rádio e teledifusão, entre tantas questões fundamentais, entretanto, precisamos garantir os direitos que conquistamos e ampliá-los e isso se faz através da organização e da luta cotidiana.

Lili
Composição: Edson Gomes

Vamos amigo lute
Vamos amigo lute
Vamos amigo lute uoh oh!
Vamos amigo ajude, se não
A gente acaba perdendo o que já conquistou... ("iêa")
A gente acaba perdendo o que já conquistou ...bis

Vamos levante lute
Vamos lavente ajude
Vamos levante grite
Vamos levante agora
Que a vida não parou
A vida não para aqui
A luta não acabou
E nem acabará
Só quando a liberdade raiaaarrr iêa
Só quando a liberdade raiaaarrr...

Liberdade
Liberdade
Teu povo clama lili

Dona lili