segunda-feira, 23 de maio de 2011

O mundo à espera de Madri

Como enfrentar a crise sem aderir ao neoliberalismo?

fonte: www.cartamaior.com.br

O QUE ESTÁ EM DISPUTA
"...É isso que se disputa, agora, na Itália, na Grécia, em Portugal, na Espanha e, logo, também na França. Seus governos de esquerda e de centro-esquerda foram incompetentes para fazer reformas que viabilizassem a manutenção, pelo setor público, tanto dos direitos dos trabalhadores do serviço público quanto dos investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia, que interessam a toda a sociedade. Como os governos não souberam negociar e acumular, politicamente, para reformar mantendo direitos, agora o "mercado" faz as reformas, a seu gosto, liquidando direitos (...) Social-democracia sem fundos leva para mais endividamento. Mais endividamento leva para mais enfraquecimento do Estado público. Mais enfraquecimento do Estado público leva para privatizações "arrojadas" de tudo quanto é público, principalmente para a destruição do serviço público, sempre apontado como vilão em horas de crise.." (Tarso Genro, governador do RS; Zero Hora)

(Carta Maior; 2º feira 23/05/ 20

O mundo à espera de Madri

Espanha vai às ruas por uma “sociedade nova que dê prioridade à vida acima dos interesses econômicos e políticos”, inspirando outros movimentos e países. Para um modelo de revolução que levou apenas três meses para cruzar o abismo econômico e social demarcado pelo mar Mediterrâneo, parece um tanto óbvio que espalhar-se dentro das fronteiras da União Europeia é o menor dos saltos. Uma semana depois, poucos duvidam da #revoluçãoespanhola. O artigo é de Wilson Sobrinho.

Wilson Sobrinho, correspondente da Carta Maior em Londres

“Ninguém espera a #revoluçãoespanhola”, diz, citando Monty Phython e o formato hashtag consagrado no Twitter, um dos cartazes favoritos na praça Puerta del Sol em Madrid, onde milhares de manifestantes protestam contra o desemprego, a crise econômica e o sistema político espanhol. Embora chamar os acontecimentos atuais no país de “revolução” seja um certo atropelo no momento, a frase sintetiza com alguma precisão o movimento nascido para ser um evento de um dia de duração e que agora causa arrepios na espinha dos políticos ao ameaçar reencenar roteiros vividos em Tunísia, Egito, Iêmen, Barein, Siria, Marrocos, Líbia e outros. Desta vez, à margem norte do Mediterrâneo.

Há, em um relato feito pelo independente PeriodismoHumano.com, uma boa pista sobre a gênese do que vem acontecendo no país ibérico. “Tudo isso surge de uma iniciativa espontânea de um grupo de pessoas que decidiu dormir na praça depois de uma manifestação. Era fácil assim! Poderia ter sido eu ou você, mas foram essas 40 pessoas que iniciaram tudo”, disse uma voz anônima em meio aos manifestantes de Madri, na praça-tornada-quartel-general temporário dos descontentes, que agora já somam uma multidão.

No domingo passado, milhares de pessoas foram às ruas do país – uma semana antes das eleições municipais. Convocados pelo movimento Democracia Real Já, sob o slogan “não somos mercadorias nas mãos de banqueiros e políticos”, 130 mil pessoas protestaram em dezenas de cidades espanholas. “Esta mobilização foi o princípio de uma série de longo prazo”, dizia um comunicado publicado na terça-feira, quando os passos levavam a crer que a ocupação das praças seguiria em crescimento. “O que nos move é a firme convicção de aprofundar o caminho que começamos”.

“Somos pessoas que viemos livre e voluntariamente”, reforça outro manifesto publicado em tomalaplaza.net, site que reúne relatos das manifestações através da Espanha e em outros países onde cidadãos espanhóis se solidarizam. O texto, traduzido para mais de uma dezena de línguas por voluntários via internet, defende “uma sociedade nova que dê prioridade à vida acima dos interesses econômicos e políticos. (..) [Queremos] Demonstrar que a sociedade não adormeceu e que seguiremos lutando pelo que merecemos mediante a via pacífica”.

“É uma vitória inquestionável que uma organização criada há três meses seja capaz de mobilizar dezenas de milhares de pessoas em mais de 50 cidades da Espanha sem o apoio de nenhum partido político, de nenhum sindicato e de nenhum grande meio de comunicação”, analisa em seu blog o jornalista Ignacio Escolar, que graças à cobertura do evento que vem fazendo está recebendo 200 mil visitas por hora em seu site (www.escolar.net).

Era quarta-feira à noite quando o El País concedia “um salto de qualidade notável nas manifestações”. Nos primeiros dias, dizia o jornal madrileno “eram os jovens e as pessoas em contato com as redes sociais que foram à Puerta del Sol”. Agora juntam-se à aglomeração os “adultos, gente cuja informação chega através dos meios de comunicação tradicionais”. “A chama dos indignados se mantém viva. E não parece que irá se apagar até domingo. Tudo indica que irá além. Há muita gente que está farta”, reconhece o diário.

Com o crescimento do acampamento, grupos de trabalho foram formados – com voluntários cuidando da limpeza, da alimentação, do fornecimento de sinal de internet e da organização geral. Até uma enfermaria foi montada na praça Puerta del Sol. Além, claro, das discussões políticas.

Entre as ideias defendidas na praça, segundo relato de Periodismo Humano, estão a reforma da lei eleitoral, propondo o fim do financiamento privado das campanhas; maior participação popular na formatação dos orçamentos públicos; reformas trabalhistas, políticas e fiscais, com o aumento do imposto de renda nas camadas mais ricas da população; aumento do salário mínimo e maior controle sobre a atividade dos bancos. Sugestões que se somam a uma carta de propostas exposta pelo Democracia Real Já, que defendem medidas que preservem os serviços públicos de qualidade e reduzam os gastos militares, para ficar em dois exemplos.

Impasse
Diante de eleições regionais no domingo, a Junta Eleitoral Central votou pela proibição de manifestações durante o final de semana, sob o argumento de que o resultado das urnas poderia ser influenciado e distorcido pela presença dos manifestantes nas praças do país.

Em uma enquete conduzida pelo jornal Público, 95% das pessoas se mostraram contrárias à decisão da Junta Eleitoral. E mesmo pessoas ligadas à polícia – a quem caberá a missão de desalojar os “indignados” (como a imprensa espanhola vem chamado os manifestantes) – já se declararam contrárias à ideia de removê-los. “Seria um erro tremendo, um erro absoluto a polícia desocupar a praça”, disse o vice-secretário da Confederação Espanhola de Polícia, Lorenzo Nebrera, em um texto produzido pela Europa Press na tarde desta sexta-feira.

É improvável, porém, que a decisão desfaça os acampamentos e que os manifestantes voltem para casa. Pelo contrário, uma convocação de mobilização para os primeiros minutos da madrugada de sábado corre a internet, e a hashtags #nonosvamos é uma das favoritas.

“Queremos lembrar que não nos identificamos com nenhum partido político, nenhuma organização sindical ou social”, responderam os manifestantes em um comunicado, para logo em seguira convidar “todas as pessoas que queriam participar, que venham à [praça Puerto del] Sol ou às praças de suas cidades”.

Enquanto os populares cantam e gritam à espera do sábado que os proíbe de estar na rua, sem sinal algum de recuo, um fato inescapável que deve se verificar no decorrer dos próximos dias está exposto na capa do jornal Público. “Ontem era uma tendência. Hoje uma realidade. O movimento cidadão que desde domingo passado se concentra nas praças da Espanha, encontrou eco e vozes em todos os cantos do mundo”, observa o jornal. “De Los Angeles a Sidney passando pela Cidade do México, Helsinki, Budapeste e Roma. São mais de 230 [cidades com manifestações]”.

A maioria das manifestações formadas por cidadãos espanhóis demonstrando apoio aos seus pares. Porém, na Itália já há um embrião formado por italianos dispostos a levar as suas próprias angústias às ruas. “Decidimos unir as nossas convocatórias com as de Democracia Real Já porque a nossa situação não é muito diferente do que a espanhola”, disse um ativista, com manifestações programadas para Roma, Turin, Bolonha, Milão, Bari, Perugia, Trieste, Florença.

Para um modelo de revolução que levou apenas três meses para cruzar o abismo econômico e social demarcado pelo mar Mediterrâneo, parece um tanto óbvio que espalhar-se dentro das fronteiras da União Europeia é o menor dos saltos. Uma semana depois, poucos duvidam da #revoluçãoespanhola.

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