Com Gilberto Gil, o ministério da Cultura começou a existir. Criada em 1985, a pasta, antes integrada à Educação, foi sempre uma espécie de patinho feio do governo. Para a sociedade, era uma entidade sem rosto e sem nome. Com Gil, escolhido no primeiro mandato do presidente Lula, a contragosto de petistas que haviam idealizado o programa cultural, essa história começou a mudar. Mudou a ponto de, cinco anos e meio depois, sua saída virar manchete.
Gil anunciou que deixaria o posto duas ou três vezes. Queria dedicar-se exclusivamente à carreira artística. Mas, a cada vez que falava com o presidente, voltava atrás. Agora, vai mesmo. É fato também que, neste ano (e isso até as paredes do MinC sabem), quem tocou o Ministério foi Juca Ferreira, secretário-executivo e braço direito de Gil desde o primeiro dia. Seria ele, inclusive, o substituto natural do ministro. Resta ver se as peças políticas permitirão que o tabuleiro se mexa assim.
Para fazer um balanço dessa gestão é possível seguir dois caminhos. Um, o dos detalhes, comportaria uma série de críticas a procedimentos administrativos (a burocracia da pasta deixa de cabelos em pé os produtores culturais), precipitação na divulgação de projetos ainda crus e idéias difusas que não encontraram lugar no mundo real.
O segundo caminho para o balanço é olhar, historicamente, para o papel que Gil e sua equipe exerceram. E esse caminho me parece, neste primeiro momento, o mais adequado. É ele que deve indicar o perfil de seu sucessor e o status que o governo Lula quer dar à cultura.
Para usar um termo que os integrantes de sua equipe, vira e mexe, tiram da cartola, é de “protagonismo” que se trata. O novo MinC não aceitou a miudeza a que esteve sempre relegado. Não conseguiu, até hoje, o orçamento necessário, apesar de tê-lo feito crescer. Segue cutucando as áreas econômicas do governo com o pedido. Simbolicamente, para o País, isso significa dizer que a cultura é, também, uma questão de Estado. E não tem mesmo de ser?
O MinC também chamou para si áreas que outros ministérios queriam, como a tevê pública, a questão dos direitos autorais e, até, o destino da verba de patrocínio das empresas estatais. Foram brigas compradas. Em algumas delas, Gil recebeu arranhões de amigos antigos, como Caetano Veloso. Não raro, a pasta foi acusada de autoritarismo.
A atenção dada a manifestações marginais (de folclore a capoeira), que tanto irrita os bem instalados, gerou produtos, de vídeos a cds, que ajudam a construir a memória do Brasil. São ações pequenas, pouco visíveis, mas significativas num país em que a lógica da concentração de renda se espraia. A gestão de Gil foi, nesse sentido, ideológica.
Ainda nas grandes questões, o que não se cumpriu foi a desde sempre prometida mudança na Lei Rouanet, o principal mecanismo de incentivo fiscal à cultura. Para isso, Gil não teve força. Recuou várias vezes. Com sua saída, deve ser tornar ainda mais difícil mexer nesse pote cheio de donos.
Neste momento, mais do que apontar as falhas do MinC (que, por sinal, está com pilhas de projetos à espera de parecer e tem feito produtores perderem patrocínio), seria importante pensar sobre o papel empreendedor de Gil. Sobre a ousadia de tratar a cultura como algo fundamental para o desenvolvimento do País.
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