fonte: Revista Isto É
A entrada de grandes investidores no setor cultural aquece o cenário das artes e cria novo e lucrativo filão na economia
Por IVAN CLAUDIO E NATÁLIA RANGEL
Como em tudo na vida, também nas mais diversas atividades artísticas sorte e talento são fundamentais para o sucesso. Disso os artistas já sabem, como sabem também que seguir essa carreira pode render muito dinheiro - alguns chegam a acumular espantosas fortunas. Agora, quem vem descobrindo esse filão de lucro são aqueles que investem na arte - e a entrada em cena desse novo grupo já ampliou até o conceito de artista. Hoje, na fala dos especialistas, o termo mais em voga é "classe criativa", expressão utilizada para definir agentes culturais, como produtores e investidores, que injetam recursos financeiros nesse setor. Essa classe movimenta um novo negócio que tem o nome empolado de "economia da cultura". Traduzindo o economês, isso significa uma rede de produção que começa no artista, passa pelos canais de exibição de sua obra e chega ao consumidor. O amadurecimento desse campo é tão flagrante que os EUA acabam de divulgar com entusiasmo um relatório sobre essa força de trabalho intitulado Artists in the workforce: 1990- 2005 - contabilizam-se atualmente, no filão da "economia da cultura" ou da "classe criativa" (o que acaba sendo a mesma coisa), cerca de dois milhões de artistas que ganham aproximadamente US$ 70 bilhões por ano.
Livraria Cultura
Essa explosão da indústria do entretenimento é um fenômeno mundial e superou o faturamento das empresas automobilísticas com o segundo maior rendimento do planeta - só perde para a indústria bélica. No Brasil os números também são animadores. Segundo pesquisa conjunta do IBGE e do Ministério da Cultura, temos em atividade cerca de 400 mil empresas gerando 1,6 milhão de empregos formais, o equivalente a 4% do universo de postos de trabalho. Observa-se que o salário mensal pago aos trabalhadores nessa área é 47% superior à média nacional e gira em torno de 5,1 salários mínimos. Dados da Associação Nacional de Livrarias confirmam o bom momento: 2007 foi o melhor ano da última década com aumento de 10% nas vendas. "Hoje as livrarias passaram a ser âncoras de shoppings, papel que antes pertencia aos grandes magazines", diz Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, com megastores em São Paulo, Porto Alegre, Brasília e no Recife. Essa movimentação não se limita aos grandes centros urbanos: mais da metade dos 5.564 municípios brasileiros tem anualmente, por exemplo, algum festival de arte. Quem primeiro detectou uma demanda reprimida foram os donos de casas de espetáculos como a Via Funchal, em São Paulo, ou o Citibank Hall, no Rio de Janeiro. "Antes do surgimento dessas casas, os shows pequenos aconteciam em teatros e os grandes iam para os estádios. Era um setor muito informal, que carecia de investimentos profissionais", diz o empresário Cássio Maluf, sócio, com o irmão Jorge Maluf, da Via Funchal. Eles possuíam uma fábrica de papel e decidiram mudar de ramo quando lhes caiu nas mãos uma pesquisa que apontava as grandes possibilidades do novo setor. Desde a criação da Via Funchal, há uma década, o negócio dos irmãos Maluf cresceu 50% e hoje a casa funciona com ocupação de 70%. Ou seja: dos sete dias da semana, cinco trazem alguma atração, muitas delas na segunda-feira, dia em que as pessoas não reservavam para o lazer. "Estamos colhendo o fruto de ter investido na hora certa", diz Jorge. "Agora todo mundo quer entrar nesse campo."
O produtor Maurício de Andrade Ramos resolveu trocar a área da moda (ele foi sócio de José e Gloria Kalil nas lojas de jeans Fiorucci) pelo cinema e agora é diretor-geral da produtora Videofilmes, empresa carioca que tem como sócios os irmãos Walter e João Moreira Salles. "Há dez anos o cinema era uma atividade muito difícil. Há cinco anos ficou melhor do que estava há dez. Hoje está melhor do que estava há cinco. Nos próximos cinco estará melhor do que está hoje", diz ele na linguagem típica do economista que é. Ramos não sabia distinguir um travelling de uma panorâmica antes de entrar para a produtora, agora conhece tudo em detalhes e garante que não mudará mais de profissão: "Nosso objetivo é voltar ao patamar dos anos 70, quando os filmes brasileiros tinham 35% do público." Há outros na mesma linha, entre eles o exibidor e distribuidor de filmes Jean Thomas Bernardini, dono do complexo de cinemas Reserva Cultural, em São Paulo, mais voltado para as produções independentes: "Enquanto a exibição de filmes diminuiu 11% como um todo, nós crescemos 9%". Nascido na França e morando em São Paulo desde 1978, Bernardini também vem do meio da moda: era dono da marca de jeans McKeen. Ele começou distribuindo filmes de arte e, há três anos, abriu o Reserva Cultural, investimento de R$ 4,4 milhões que reúne quatro salas onde são exibidos títulos de sua distribuidora, a Imovision - foi ele quem lançou no Brasil sucessos como Dançando no escuro, de Lars von Trier, e Amor à flor da pele, de Wong Kar-Wai. No primeiro ano, Bernardini estreou oito filmes e no segundo, 14. Até o final de 2008 deverão ser lançados mais 20 em seus cinemas. "Fizemos uma pesquisa e vimos que existe esse nicho. Até o fato de não vendermos pipoca veio desse levantamento: 70% das pessoas que gostam de filmes independentes não queriam gente comendo pipoca na poltrona ao lado."
A sensibilidade na identificação de nichos de público é outro fator que vem contribuindo para a profissionalização do setor cultural. Há cinco anos, quando morava em Buenos Aires, a advogada e hoje empresária Fernanda Feitosa percebeu que existia um tipo de consumidor que era pouco explorado no Brasil: o colecionador de obras de arte. Foi observando o sucesso de vendas na feira de arte da capital argentina que ela, ao retornar a São Paulo, criou a SP Arte, maior evento comercial do gênero no País que em maio acolheu num único fim de semana 12,5 mil pessoas entre artistas, críticos, marchands, curadores e, especialmente, compradores - gente que prefere adquirir uma tela de um jovem pintor por R$ 12 mil em vez de, por exemplo, um sofá de grife do mesmo preço. "Se eu não criasse a feira, outra pessoa o faria", diz Fernanda. No terreno musical, dando de ombros diante do desmantelamento da chamada indústria fonográfica, a empresária Kati Almeida Braga, do banco Icatu, decidiu investir e criou a gravadora Biscoito Fino. Levou para o seu catálogo pesos pesados da MPB, como Chico Buarque e Maria Bethânia, e hoje é líder naquilo que faz. Outra empresa que decidiu investir pesado na área cultural foi a Gávea Investimentos, de Armínio Fraga: no ano passado, ele adquiriu por US$ 150 milhões, em sociedade com o empresário Fernando Altério, a Corporação Interamericana de Entretenimento, que reúne, entre outras casas, o Credicard Hall e o Citibank Hall, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro.
Tantos investidores mostram o status em que se encontra o mercado de produtos culturais. Trata-se do reflexo de um movimento que já vinha acontecendo com o patrocínio via leis de incentivo, como provam as pesquisas desenvolvidas pela agência Significa, que trabalha com a atitude de marca. Segundo esses estudos anuais, com dados das 500 maiores empresas do País, existe um progressivo deslocamento das verbas para projetos culturais. No ano passado, 77% das empresas investiram na área, batendo o esporte e a ecologia. "Vivemos numa sociedade focada no espetáculo e o entretenimento tem se desenvolvido e profissionalizado numa velocidade incrível. Isso atrai a adesão de empresas que buscam agregar valor à sua marca", diz Yacoff Sarkovas, presidente da Significa. Nessa mesma onda de otimismo, o publicitário Nizan Ganaes já lançou a sua campanha: quer mudar o selo comercial "Made in Brazil" (fabricado no Brasil) para "Created in Brazil" (criado no Brasil). É uma das grandes provas de que a economia cultural vai de vento em popa.
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