domingo, 6 de março de 2011

{debate} Politicas Culturais (Pontos de Cultura, Culturas Populares e afins) - GOVERNO FEDERAL

Caro Felipe,

Que maravilha, a tua reflexão. Parabéns. A diversidade cultural, tão apreogoada por aí, nasce, nomeadamente, no labirinto pejorativo desses que tomam água dessas troneiras de bronze. Quando se põe nesse caldeirão de preconceitos a força da fragmentação da cultura, dividada em diversos pedaços. Isto mesmo, pedaços. Porque as migalhas que se oferece a uma determinada cultura, a dita por eles de popular, é de esmolas e de contentatamentos fáceis. Você tem razão quando ressalta a ausência de compreensão do entendimento da cultura como política ou a ausência de uma política de cultura. Ouzo dizer, que com toda a vertiginosa mobilização que se fizeram em nome da cultura, o que mais chama a atenção são as potencializações que deram ao que declaramos a vida toda que éramos contrários: A separaração da cultura e mais que isso, essa onda de tornar a cultura em popular e outras coisas mais, em nome de uma diversidade; afinal o que é mesmo diversidade? São os chamados pontos de cultura que eu mesmo conheço dezenas deles que não existem? E quando existem é porque estão recebendo a migalha de 60mil reais, mas que não têm nem nunca tiveram, sequer, conhecimento do endereço vizinho? E se eu disser que sou um ponto de cultura e não recebo dinheiro público? Para ser ponto tem que se institucionalizar? Esta, ao meu ver, é a histerilização da cultura. Aonde estão os movimentos acesos, para uma discussão mais alargada da cultura, com seus valores, seus modos de vida e de ser. Aonde estão as discussões em torno da transversalidade da cultura que está no transporte público, na educação, no meio ambinete, na saúde, na vida das pessoas. Será que pra ser cultura terei que ser um ponto financiado que produza arte? A arte não existe sem a cultura, mas esta existe sem aquela.

Tião soares


Vamos combater o Apartheid Cultural

Estimados amigos,

Durante o período eleitoral em 2010 participei de alguns eventos do MinC. Ficou na memória o Encontro "Teia" em Fortaleza, quando Juca discursou para que Pontos de Cultura e ativistas se lançassem na campanha da Dilma, pois se o outro lado ganhasse, era certo o desmantelamento das políticas de Lula e a perda dos benefícios conquistados. Acredito que discursos semelhantes tenham sido pronunciados por autoridades em pelo menos mais dois eventos em que estive presente.

Em Fortaleza, enquanto ouvia gritos de apoio da militância cultural, me perguntava sobre as políticas para cultura do Governo Lula e os benefícios trazidos. Lembrei-me de uma fotografia mostrada por um amigo cearense, o instantâneo de uma repartição pública do Sul dos Estados Unidos no final dos anos 40. De um lado da foto, viamos um bebedouro de mármore com torneiras de bronze e a placa "White" (brancos); do outro lado do quadro figurava um bebedouro velho e enferrujado com a inscrição "blacks" (negros).

Na ocasião da Teia em Fortaleza, eu atuava como Assessor de Cultura da Prefeitura de Juazeiro do Norte. Trabalhava no fortalecimento do "Patrimônio Cultural". Mapeamos 61 grupos de tradição entre reisados, cabaçais, cocos e tantos outros. Os direitos dos mestres, suas famílias e comunidades estavam vilipendiados - moradia, alimentação, saúde, educação, trabalho. Chocou-me a situação de uma mestra de reisado, uma das mais virtuosas, que vivia (vive) da catação no lixão.

Procurávamos recursos para fortalecer os grupos e a transmissão de saberes. Em nível municipal, ouvia sobre a indisponibilidade de dinheiro para cultura, no entanto no período junino, vi a prefeitura pagando cachês de meio milhão de reais para atrações sertanejas e do forró estilizado. Sem preconceito algum com a música sertaneja ou o forró, o que vi foram recursos públicos destinados para brancos ladeados de dançarinas semi nuas.

Procurei o Estado do Ceará onde ocorreu situação similar. Estive no MInC. A coordenadora de patrimônio orientou-me a inscrever um projeto no edital nacional do PNPI - 800 mil para todo o Brasil. Imagine, todas as festas, tradições, memórias nacionais - o que mereceram foi um edital de 800 mil reais...

Em minha humilde opinião, penso que avanços aconteceram. No entanto, penso que onde as políticas públicas de cultura mais avançaram, não foi no sentido da valorização da diversidade cultural brasileira, e sim no aprofundamento de um Apartheid Cultural.

Enquanto nossos mestres e movimentos culturais são jogados em guetos de "cultura popular", obrigados a correrem atrás de editais que pingam do bebedouro enferrujado, outros se deliciam com o líquido refrescante que jorra das bicas douradas do Ministério.

A distribuição de recursos para os pontos de cultura fortaleceu dinâmicas culturais? Para o artista do povo vale o ditado, "pouco com Deus é muito, muito sem Deus é nada".

As políticas de cultura, efetivamente, neutralizaram a capacidade crítica dos movimentos culturais, tornando-os silenciosos ante os rumos tomados pelo governo. Por que preocupar-se com a morte de 7 mestres da cultura em um ano, somente em Juazeiro do Norte, se "meu ponto de cultura está recebendo um trocadinho? Melhor não falar nada..."

As políticas culturais tornaram o movimento cultural uma massa de manobra para o projeto eleitoral de um governo com inconsistências.

Que fique a lição. Quem se contenta com pouco, sai sem nada.
Que a lição sirva para o movimento social reencontrar seu lugar.

Saudações cordiais.

Felipe Caixeta
Jornalista e cineasta

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