segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Operação Cajueiro e o carnaval da ditadura em 1976 [Cidadania Ativa}

Operação Cajueiro, papel da imprensa de Sergipe

A imprensa de Sergipe era cúmplice da barbárie militar. Os jornais e as
emissoras de rádio e de televisão não prestaram o serviço de informar
detalhes das prisões e torturas. Leia artigo do jornalista Milton Alves.

19/02/2011

Faz 35 anos, não podemos esquecer ou negar a história. Artigo do
jornalista Milton Alves, que como profissional de comunicação, conviveu
com a Operação Cajueiro:


Noite quente. 20 de fevereiro de 1976. A cidade cantava músicas momescas
e os alegres foliões davam as caras pelos bairros. Eu estava sentado na
calçada de um barzinho, na confluência das Ruas Permínio de Souza e
Nossa Senhora das Dores, bairro Cirurgia. Os planos, naquele momento,
eram de participar no dia seguinte, sábado de Carnaval, do Bloco de
Sujo, que saía do bairro Suissa e concentrava-se no Centro de Aracaju.
Nenhuma conversa sobre política. De repente, um carro Opala amarelo pára
diante de nós. De dentro do veículo ouço a voz - não tão rouca como a de
hoje - do então deputado estadual Jackson Barreto (MDB), dando-me a
notícia: Mílton Alves, os companheiros estão caindo. Não sabemos para
onde estão sendo levados.

Aqueles companheiros eram exatamente líderes do Partido Comunista
Brasileiro, PCB, líderes sindicais e líderes estudantis. A Operação
Cajueiro, que não sabíamos até aquele momento deste nome, estava em
curso. O Quartel do 28º Batalhão de Caçadores havia sido ocupado por
tropas federais que se deslocaram da Bahia. Poucos foram os militares
federais sediados em Aracaju que se mantiveram no Quartel e outros foram
convocados da Marinha e da Polícia Militar de Sergipe. A cidade cantava
as musiquinhas carnavalescas alheia à Operação Militar, que foi
justificada como necessária para extirpar uma célula comunista.
Acreditavam os militares que daqui poderia surgir um movimento que
viesse a derrubar o Governo Militar, imposto à Nação em 1964, por um
golpe.

A imprensa em Sergipe teve sempre ares de serviço público. Os jornais
editados em Aracaju foram às bancas no sábado e domingo sem fazer
citações das prisões de ”perigosos homens e mulheres”. As emissoras de
rádio e de televisão pior. Aos jornalistas que atuavam em jornais
sediados em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo nenhuma informação era
dada. No Quartel do 28º Batalhão de Caçadores se estabeleceu uma muralha
que desestimulasse os jornalistas ultrapassarem. Aos familiares as
informações eram escassas e contraditórias. Diziam apenas que estão
sendo “convidados” a esclarecer coisas de comunistas. Quando perguntados
aonde e quando os militares silenciavam. Os presos políticos iam caindo
um a um, de forma violenta. A cidade cantava Oh, jardineira por que
estás tão triste, mas o que foi que aconteceu...

Segunda, terça e quarta-feiras os jornais não circularam. Nas emissoras
de rádio e de televisão era gritante a ignorância dos fatos. As
primeiras notícias começaram a chegar ao conhecimento dos
correspondentes. Sabia-se que os presos políticos, tratados brutalmente
como perigosos subversivos, estavam presos nos porões do 28º Batalhão de
Caçadores e se imaginavam, depois confirmadas, torturas. Brutais golpes
que abalassem moral e fisicamente os presos. As primeiras notícias,
finalmente, chegavam ainda que incompletas para os correspondentes,
mesmo assim suficientes para que textos fossem cuidadosamente elaborados
e se denunciassem as torturas. Jornal da Bahia, O Estado de São Paulo, O
Globo e o Jornal do Brasil fincaram trincheiras para denunciar os
maus-tratos.

Os presos políticos tiveram os olhos encobertos com uma venda de
borracha que deixaria marcas da tortura. Os brutais procedimentos seriam
aos poucos revelados por familiares. A tensão daqueles dias atingiu os
jornalistas. Lembro, ainda sob forte impacto de emoção, os angustiantes
momentos para produzir uma matéria para o Jornal da Bahia. Ao meu lado o
jornalista Paulo Barbosa de Araújo, já falecido, então correspondente do
Estado de São Paulo. Nossas matérias eram produzidas numa pequena sala
do prédio onde funcionou o Cinema Pálace. Textos foram trabalhados à luz
da máquina de telex para que não despertassem a atenção de militares que
se concentravam em frente ao Palácio Olímpio Campos. Depois do trabalho
ir para casa ganhava cenas de filme.

O medo tomava conta, sim, de mim e de Paulo Barbosa. Não poderíamos
expor os rigores de um plano traçado para que pudéssemos fazer chegar às
nossas redações os fatos das prisões em Aracaju. Solicitávamos telefones
das lojas na Rua João Pessoa com o falso pedido para contatos com
familiares, aqui mesmo na cidade. As ligações a cobrar eram dirigidas
para as redações. O bloqueio imposto pelos militares para que nada sobre
as prisões fosse informado estava furado. O Estado de São Paulo carimbou
“enviados especiais” e o Jornal da Bahia “criou” uma sucursal. Os
serviços de segurança não conseguiram descobrir a identidade dos
jornalistas autores dos textos denunciando as prisões dos presos
políticos na Operação Cajueiro. Anos depois, as identidades foram
reveladas.

A imprensa de Sergipe era cúmplice da barbárie militar e se dispôs a uma
única informação: publicar carta assinada por Wellington Mangueira
renunciando ao comunismo e ao cigarro. Mangueira não renunciou ao
comunismo e nunca fumou. Vergonhoso papel. Os jornais e as emissoras de
rádio e de televisão não prestaram o serviço de informar detalhes das
prisões e torturas. Quando os presos políticos começaram a ser
libertados, mesmo com riquezas das narrativas sobre as prisões e
torturas, como a de Mílton Coelho que ficou cego, o comportamento da
imprensa de Sergipe não se modificou. Nada para ela havia ocorrido. Em
liberdade, o ex-preso político Marcélio Bonfim numa frase resume, ainda
hoje, o papel dos correspondentes: “A Mílton Alves e a Paulo Barbosa
devemos vidas, quando denunciaram as prisões e quebraram nossa
incomunicabilidade”. Faz 35 anos, não podemos esquecer ou negar a
história.

Obs: o blog se sente honrado por publicar o artigo do jornalista Milton
Alves, que optou por espaço para escrever sobre um período vergonhoso
para a imprensa de Sergipe e, graças a ele e Paulo Barbosa, o país foi
informado da Operação Cajueiro.


3) Carta de Milton Coelho encaminhada ao jornalista Milton Alves,
parabenizando-o pelo artigo publicado e fazendo pequena referência ao
período inicial da "operação cajueiro", relacionada com o carnaval de
1976. Existe uma similaridade, salvo engano, com o carnaval de 2011,
isto, se colocarmos o dia 20/02/1976 para o dia 25/02/2011, guardam a
mesma distância do início do carnaval...


Aracaju, 27 de fevereiro de 2011

Milton

Recebi, através de uma pessoa amiga, o texto escrito por
você, comentando o comportamento da imprensa aracajuana, os esforços
que foram feitos por você e Paulo Barbosa para "furarem" o cêrco imposto
pela ditadura...

Ótimo trabalho! É significativo que fique registrado nas
páginas de nossa história política aqueles acontecimentos, para que não
haja repetições. Entretanto, além de manter a memória das antigas
gerações e proporcionar um alerta aos jovens, é imprescindível que
sejam feitos esforços para que a juventude seja convenientemente
politizada, na luta pela consolidação e ampliação do sistema
democrático.

Não somente você, que vivenciou jornalísticamente aqueles
momentos, mas, outros companheiros têm vinculado a data do início da
chamada "operação cajueiro", como sendo na semana do carnaval de 1976.

O início dos sequestros, sequenciados pelas prisões, torturas,
depoimentos, formação do IPM - inquérito policial militar, ocorreu na
sexta-feira, dia 20 de fevereiro, isto é, na semana que antecedeu a
semana do carnaval.


Como tem sido registrado em outros textos, fica a informação de
que a "operação cajueiro" foi deflagrada na semana do carnaval.
Evidentemente, o clima era carnavalesco e eu estava com Cr$ 150,00 (
dinheiro da época ), para comprar mesa no Vasco Esporte Clube, próximo
do bairro onde resido, para participar do período momesco, juntamente
com a esposa, um irmão dela e a muler dele, que moravam conosco e ao
ser "convidado" para entrar no fusquinha, passei a carteira
porta-cedula com o dinheiro e um cartão de autógrafo do super mercado
Paes Mendonça às mãos dela, sendo informado posteriormente que o
policial sequestrador recolheu imediatamente das mãos dela e não foram
devolvidos, mesmo após ter informado ao capitão Moraes, chefe da
segunda seção do vigésimo oitavo batalhão de caçadores, no período da
"operação cajueiro", na noite que voltávamos de Salvador, quando do
julgamento, indeferido, do pedido de prisão preventiva para os últimos
quatro presos políticos...,

Fica o registro da discordância do enquadramento da repressão
ocorrida, da minha parte e de outros companheiros, como sendo na semana
que antecedeu a semana do período carnavalesco daquele ano.

Certamente, com um cuidadoso trabalho de verificar o calendário
de 1976, que foi ano bissexto, será fácil encontrar com exatidão o
vínculo entre a "operação cajueiro" e a data do início do carnaval
monstruoso para todos os que fomos vedados, encapuzados, usando
macacões e torturados física e psicológicamente.,

Eis minha opinião, na tentativa de esclarecer os fatos.

Com abraços de

Milton Coelho


4) Transcrição da carta do militar ao blog de Cláudio Nunes.
Aracaju, 27 de fevereiro de 2011

Transcrevo a seguir e-mail recebido, em atendimento à
solicitação que fiz.


Abaixo o texto que fora solicitado:

No blog do Cláudio Nunes, na INFONET

Pense num espaço democrático. Este blog. Apesar de discordar de tudo que escreve abaixo o ex-militar Gilmário Dantas Nascimento, principalmente sobre a não existência
de tortura (só quem sabe são as vitimas que estão vivas e seus familiares) o blog pública um e-mail que, só acredita que é verdadeiro depois de checar a origem dele
e a existência do seu autor.

É uma verdadeira ode não só a ditadura militar, mas defendendo o que ele chama de “contra revolução”. O ex-militar chega ao cumulo de escrever que “deveria ter baixado
o cacete nesta corja”. O blog publica todo o e-mail para a Juventude de hoje saber da importância de relembrar sempre fatos do passado que deixaram marcar, não só
na história política,mas na cabeça de milhares de cidadãos, alguns torturados até a morte e outros com seqüelas até hoje.

O e-mail do ex-militar mostra, sobretudo, como a prepotência e a arrogância reinavam no tempo da ditadura militar.



A íntegra do e-mail do ex-militar Gilmário Dantas: “Sr Claudio Nunes. É muito bom falar sem ser contestado sôbre assuntos sempre retorcidos pela imprensa,como se
fosse verdade absoluta.
Em 1964 estava servindo em Aracaju,e participei ativamente da contra revolução no 28 BC.Tudo que se fala sôbre tortura, porrada é mentira,muitos presos,Viana de
Assis,Jaime Araujo.Jackson Barreto, Arly, Arcy, Dr Hardman, o prefeito de Propriá, Robério, Senador,funcionário do BB,o único macho,o resto todo se mijando de medo.
O único que levou uns tapas foi o prefeito,que era muito folgado.
As pessoas nas ruas,inclusive as altas autoridades,nos pediam para intervir e acabar com a baderna no pais,inclusive minha mão foi beijada diversas vezes.
Fui eu quem bateu na porta do então governador Seixas Doria,para prende-lo e levá-lo para o quartel,de onde seria levado para Fernando de Noronha.
Quanto arrependimento de levar fama injustamente, devíamos ter baixado o cacete nesta corja,que hoje saqueia o Brasil,sem a mínima compostura.
A bolsa anistia é uma vergonha, ninguém fala nada,mensalão,família do sem dedo,Dirceu,etc...
Bem feito para o povo,que se deixa enganar por esmola,principalmente no NE,bolsa família,bolsa gás,bolsa ,bolsa,......
Os marginais do congresso nacional,se deram um aumento de 65%,ninguém foi para a rua ,UNE(comprada),SEM TERRA,idem,políticos,etc....
Vocês não sabem o que é ditadura tipo Fidel,tão admirado,passou o cerol em todo dissidente em cuba.
O erro foi nosso,fazer abertura e deixar eles comandar a Opinião Pública com mentiras repetidas,que se tornaram verdades para esta imprensa corrupta.
BRASIL ACIMA DE TUDO”. Dantas.


5) Mesa de debates promovida pela CUT - Cental Única dos
Trabalhadores.


Fonte: site da CUT

Direito à memória e à verdade

Escrito por Paulo Victor Melo | 21 Fevereiro 2011

Na noite da última sexta-feira (18), a Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT/SE) promoveu um encontro com a história política de Sergipe e do Brasil, ao
realizar a 3ª Mesa de Debates sobre as Vítimas da Ditadura Militar. Participaram da Mesa o Secretário Estadual de Direitos Humanos, Iran Barbosa, e o ex-preso político,
Marcélio Bonfim.

A Mesa de Debates tem o objetivo de manter viva a história política do país, especialmente um dos períodos mais atrozes, onde muitos brasileiros tinham a sua liberdade
e os seus direitos cerceados. Segundo o presidente da CUT Sergipe, Rubens Marques, conhecido como Dudu, a atividade “proporciona que as gerações atuais e as futuras
não esqueçam o que aconteceu, até porque a democracia não é algo que se ganha de presente, se conquista e se conquista todos os dias”, ressaltou.

Para o Secretário Iran Barbosa, é fundamental a construção de espaços que discutam esta temática, pois “no Brasil, mesmo no regime democrático, ainda uma prevalência
de aspectos e práticas ditatoriais, resquícios de um profundo período de ditadura que tivemos”.

O direito à verdade e à memória também foi destacado pelo secretário. “As pessoas precisam saber o que aconteceu. As famílias que tiveram seus parentes mortos ou
desaparecidos têm o direito à verdade dos fatos. Por o Brasil ser um país que pouco valoriza a sua história, corremos o risco de termos apenas registros superficiais.
A lembrança do que aconteceu é fundamental para criarmos anticorpos de práticas nocivas”, ressaltou.

O ex-preso político na época da Ditadura, Marcélio Bonfim, fez homenagem a todos os militantes políticos que tiveram suas vidas ceifadas em defesa da democracia
e da liberdade no Brasil. Mesmo com a perda de tantas vidas, para Bonfim, “ficou a certeza de que nenhuma força será capaz de impedir o processo de avanço da democracia
e da sociedade”.


Bonfim afirmou que a CUT, promovendo este debate, está contribuindo com o resgate da história política de Sergipe e o incentivou a registrar os acontecimentos da
Ditadura Militar no estado.

Operação Cajueiro

A Mesa de Debates realizada pela CUT relembrou os 35 anos da Operação Cajueiro, completados ontem (20), fato marcante da história política de Sergipe, ocorrido nos
idos da Ditadura Militar.

Numa sexta-feira de 20 de fevereiro de 1976, quando Sergipe já estava em clima de carnaval, o Coronel Oscar da Silva e outros oficiais da 6ª Região Militar, sediada
em Salvador, instauraram um Inquérito Policial Militar (IPM) e seqüestraram ativistas, estudantes, trabalhadores e militantes políticos sergipanos que lutavam pela
redemocratização e pelo fim da Ditadura Militar no Brasil.

Depois de seqüestrados, os militantes foram levados presos para as dependências do quartel do 28º Batalhão de Caçadores. A operação teve a efetiva participação das
unidades dos órgãos de segurança sediados em Sergipe.

Dias depois, a maioria dos presos políticos foi liberada, permanecendo no quartel Marcélio Bonfim Rocha, Milton Coelho de Carvalho, Carivaldo Lima Santos e Jackson
de Sá Figueiredo. Estes passaram 50 dias no quartel, na condição de presos políticos.

As vítimas da Operação Cajueiro foram submetidas a uma séria de torturas: espancamentos, choques elétricos, agressões em parte sensíveis do corpo e venda nos olhos
com óculos de borrachas de pneu de bicicleta. Por conta desses óculos, o militante Milton Coelho perdeu a visão.

Marcélio relembrou um dos momentos mais marcantes da prisão: “O que mais me indignou foi ver um médico, que estudou e fez um juramento de salvar vidas, após ver
uma pessoa sofrer tantas agressões, dizer o quanto aquela pessoa aguenta ou não as torturas”.

O fato ocorrido em Sergipe não era isolado, mas sim uma ação articulada nacionalmente que tinha um objetivo claro: acabar com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Nesse sentido, foram assassinados nas celas do DOI-CODI, em São Paulo, o jornalista Wladimir Herzog, em outubro de 1975, e o operário Manuel Fiel Filho, em janeiro
de 1976.

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