segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

CIDADANIA ATIVA Helder Câmara, e a essência do Evangelho

Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados
Mt 5,6


Nunca me senti um pastor simplesmente de almas. Sou um pastor de criaturas humanas com corpo e todas as conseqüências. A mim interessam cada vez mais os grandes problemas humanos. Isto me parece, inclusive, uma obrigação evangélica.
Dom H. Câmara.


A que ponto chegamos, na compreensão do que seja a essência da boa nova anunciada por Jesus, que um bispo da Igreja Católica, ao interessar-se pelos grandes problemas humanos, precise justificar-se, de maneira bem delicada, como era o jeitão de Dom Helder, alegando que isto lhe parece, inclusive, uma obrigação evangélica.

Quase dois mil anos depois do início da pregação do Evangelho, nas terras do Oriente, a distância, mais que de lugar e de tempo, parece ser de compreensão do que Jesus fez e anunciou.

Na verdade, se conseguirmos fazer o caminho de volta às fontes, tal como se vem tentando do final do século XIX para cá, e sobretudo, a partir do Vaticano II, facilmente constataremos que, quem precisaria verificar sua fidelidade ou não ao Evangelho, seriam aqueles e aquelas que, em nome de um espiritualismo, tão festivo quanto alienante, se alheiam dos problemas humanos, do cotidiano das misérias todas das massas oprimidas e excluídas, dos clamores do povo e dos gritos lancinantes da Mãe Terra, do compromisso político-cidadão com a transformação das estruturas injustas e devastadoras, acomodando-se numa vivência da caridade a curtíssimo prazo, no imediatismo das campanhas de cunho sentimental e sensacionalista ou no míope assistencialismo de sempre.

É como se nunca tivessem pedido ao Pai que seu Reino venha, e sua vontade seja feita assim na terra como no céu... É como se nunca tivessem decifrado o sentido profundo dos muitos e variados milagres-sinais do único Mestre... É como se nunca houvessem escutado a parábola do Samaritano e a sentença proferida por Jesus para os escribas, fariseus e sacerdotes de todos os tempos: vá e faça a mesma coisa! (Lc 10,25-37)

É possível que o próprio Dom Helder, pela mesma formação religiosa e teológica que recebera, em seu tempo, mais de uma vez, ao longo da sua vida, tenha parado para se perguntar, não sem um tanto de angústia existencial, se o caminho era esse, se esse era o jeito de caminhar... Pois a Igreja de seus contemporâneos, há muito tempo que havia optado por caminhos outros ou pelo jeito de caminhar do sacerdote e do levita; há muito tempo que perdera a postura do samaritano. Pelo menos, não se dera conta de que o samaritano, hoje, são nada menos que aqueles dois terços da humanidade que vivem abaixo da linha da pobreza, refrão de todos os discursos de Dom Helder, pelos caminhos todos que percorreu, nem sempre com agrado e aval de seus irmãos bispos, inclusive, do bispo de Roma, em que pese o abraço que recebera por ser irmão dos pobres.

Os mais críticos ou desafetos de Dom Helder, foi não foi, realçavam sua vaidade. Realmente, Dom Helder fazia questão de ser e aparecer como bispo pobre, sensível ao sofrimento dos miseráveis, comprometido com as causas populares, porta-voz dos povos do Terceiro Mundo, arauto da justiça nas relações Norte-Sul, paladino da dignidade de todos os seres humanos, profeta de um mundo sem miséria, de um mundo sem violência. Profeticamente, advogava o fim da espiral que começa pela exclusão e pela fome e poderia terminar com a explosão da “bomba M”, isto é, a miséria dando o troco, ao que hoje estamos assistindo todos os dias. Por isso, foi taxado de comunista e de bispo vermelho, certamente para a honra e glória do comunismo. Oxalá todos os bispos e papas, todas as freiras e padres, todas as paróquias, colégios e universidades católicos alimentassem a mesma vaidade.



Recife, 15 de maio de 2008

Sobre Dom Helder,
muita coisa pode ser dita ou escrita,
mas tudo pode ser resumido no seguinte:
parodiando uma famosa parábola de Jesus,
Dom Helder é o "Sacerdote"
que preferiu o caminho do "Samaritano"
e muito contribuiu para que as Igrejas cristãs
voltassem a encarar o compromisso
com o pobre, com o excluído,
isto é, dois terços da humanidade,
não só como sua prioridade,
mas como o ponto de partida da verdadeira religião,
critério absoluto
da honestidade de nossa relação com o Deus da Vida!
05.09.2003
De Reginaldo Veloso
Para Rogéria Araújo - ADITAL

Meninos, eu não ouvi!
Reginaldo Veloso – Recife, 08.02.09

Foi muito bom, foi uma graça, ter tido Dom Geraldo Lírio, Presidente da CNBB, na presidência da celebração de ação de graças pelo Centenário de Nascimento de Dom Helder Câmara, muito embora tenha sentido a ausência de Dom Paulo Evaristo Arns, de Dom José Maria Pires, Dom Thomás Balduíno, de Dom Valdir Calheiros, de Dom Clemente Isnard, de Dom Pedro Casaldáliga, Dom Orlando Dotti, de Dom Angélico Sândalo, de Dom Moacyr Greick, de Dom Erwin Kräutler, de Dom Afonso Gregori, de Dom Manoel João Francisco, de Dom Franco Masserdotti, de remanescentes da mais significativa e honrosa plêiade de pastores que esse país já conheceu, mandados por Deus, em boa hora, para resgatar a essência do Evangelho, o compromisso com o excluído, no seio de uma Igreja, que tem passado séculos tentando alargar o buraco da agulha e emagrecer o camelo. Certamente, estes evangélicos pastores não foram representados por Dom José Cardoso Sobrinho, Sua Excelência o Indesejado, cuja presença foi a nota mais destoante deste inesquecível evento.

Foi muito bom o devoto Senador Marco Maciel ter escutado da boca do Presidente da CNBB o relato bastante detalhado sobre o que significou para a Igreja e, particularmente, para a pessoa e o ministério de Dom Helder, textualmente, “o Golpe militar”, que implantou no país a mais longa e cruel ditadura da sua história, decretou o silêncio, a não existência do Bispo dos Pobres e engendrou o assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto (dia 27.05.69, o seu martírio completará 40 anos! E é bem provável que o Senador saiba quem possa ter sido o responsável).

Mas teria sido muito bom que a profética homilia de Dom Geraldo, tão explícita sobre a ditadura militar, tivesse sido igualmente explícita com relação à ditadura eclesiástica que fechou o Instituto de Teologia do Recife, o ITER, e o Seminário do Regional Nordeste 2, o SERENE 2. Sua Excelência, o arcebispo merecia ter passado pelo mesmo constrangimento que Sua Eminência, mo Senador. Pe. José Comblim, Prof. Zildo Rocha, Dom Sebastião Armando, Bispo Anglicano, Pe. Ernane Pinheiro, que estiveram à frente dessas duas importantes criações do gênio pastoral de Dom Helder, e estavam presentes à celebração do seu Centenário... o antropólogo José Maria Tavares, que chegara de Estrasburgo e fora seminarista da primeira leva do SERENE e de estudantes do ITER... os professores Degislando e Artur Peregrino, da UNICAP, que participaram das últimas turmas do ITER e do SERENE... Ir. Visitatio e Ir. Ivone Gerbara, que talvez aí estiveram, mas não cheguei a vê-las... e muitos outros e outras, padres, religiosas e agentes pastorais aí presentes... todos eles e elas mereciam ter ouvido uma palavra que, de certa forma, resgatasse o mérito de um Seminário e de um Instituto de Teologia, criados para formar presbíteros e animadores pastorais, capazes de se inserirem no meio do povo da periferia, como pobres no meio dos pobres, a fim de caminhar com eles para um mundo de dignidade, de justiça, onde todos pudessem “ter vida e vida em plenitude”, sonho de Dom Helder e, muito antes dele, do Mestre dos Mestres, JESUS.

Dom Geraldo, o senhor terá tido seus motivos ou conveniências, facilmente compreensíveis e identificáveis nos meios clericais, mas ficou devendo a nós esta profecia, porque, no seio da própria Igreja, “eu tive fome e sede de justiça e não me destes de comer, nem me destes de beber; estive nu e desabrigado, doente, perseguido, preso, e não vos solidarizastes comigo”. Mas não seja por isso. O senhor ainda tem muito chão e muito tempo pela frente. Deus o abençoe em seu ministério episcopal, à frente da CNBB.

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