domingo, 7 de setembro de 2008

Juca, 2 anos e 3 batalhas: orçamento, Lei Rouanet e Funarte

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fonte: www.vermelho.org.br

Em entrevista exclusiva ao Vermelho, o novo ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse que pretende encarar três grandes batalhas nos próximos dois anos e meio que completam seu mandato no governo Lula: elevar de 0,5% para 2% o orçamento da cultura, aprovar mudanças na Lei Rouanet e renovar a Funarte (Fundação Nacional de Artes). O ministro também disse que mudará a Lei Autoral Brasileira e que não pretende reascender a polêmica da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual).

Por Carla Santos


Empossado no último dia 28 pelo presidente Lula, o ex-secretário executivo do ministério foi construtor ativo do “patrimônio político” deixado pelo músico Gilberto Gil na pasta. Juca atuava como ministro interino quando o músico tirava férias ou viajava para suas turnês.



Segundo Juca, o avanço conceitual ocorrido no Ministério da Cultura (MinC), a distribuição dos recursos do ministério para todas as regiões do Brasil e a visão abrangente da cultura brasileira são os principais fatores que estão levando a democratização da cultura no país.



Natural de Salvador, Juca atuou no movimento estudantil na década de 60. Ele passou nove anos exilado no Chile, na Suécia e na França, onde se formou sociólogo, durante o regime militar. Ao voltar ao Brasil após a anistia, desenvolveu diversos projetos na área da cultura, como o Projeto Axé, de arte-educação para adolescentes em situação de risco social. Filiado ao Partido Verde, foi secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Salvador e também assessor especial da Fundação Cultural do Estado da Bahia.



Na entrevista, Juca deu uma bombástica declaração – que o Vermelho publica em uma matéria à parte – sobre o controverso congresso da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) de 1968 que, segundo ele, o elegeu presidente da entidade.


Confira abaixo a entrevista.



Vermelho: Gil sai do ministério com o mérito de ter posto o debate cultural na agenda pública do país e buscar a democratização da cultura, com os diversos programas do ministério. Passados cinco anos, que resultados o país colhe dessa democratização?


Juca Ferreira: Nós avançamos muito. Em primeiro lugar, houve um avanço conceitual. A cultura não era vista pelo governo federal como política pública. O ministério era mais voltado às demandas da área artística e sem critérios, sem indicadores de formulação de políticas muito claras. Esse avanço de compreender que o MinC, assim como outros ministérios, tem que desenvolver políticas públicas também para as necessidades e demandas da população foi uma mudança significativa na direção da democratização da cultura. Segundo, antigamente, 90% do orçamento do ministério era todo capturado pelo Rio de Janeiro e por São Paulo e sempre pelos mesmos grupos culturais. A gente reduziu para 80%, o que é uma redução significativa, mas não satisfatória. Para garantir a democratização plena precisamos de orçamento, sem mediações para os investimentos na área cultural. Outra dimensão é que hoje todas as regiões do Brasil estão recebendo recursos do ministério e estamos abrindo para as diversas áreas da cultura: manifestações tradicionais, cultura dos povos indígenas, dos afros-descendentes, projetos da periferia, grupos de teatro, de dança, de capoeira. A gente assumiu a abrangência e a amplitude da cultura brasileira, o que também é um ganho na direção da democratização. São mudanças significativas. Agora precisamos entrar em um novo estágio, com um orçamento mais substancioso. Mas, de qualquer maneira, a gente caminha na direção da democratização.



Vermelho: Você fala em orçamento, um ponto que sempre gerou descontentamento na pasta. O MinC iniciou com orçamento de 0,2%, depois passou para 0,6% em 2007, caindo para 0,5% este ano. Você defende um orçamento de 2%. Na sua visão, o que impede este investimento na cultura?


Juca Ferreira: Primeiro, falta compreensão da importância da cultura no projeto de desenvolvimento do Brasil. Depois, falta compreensão de que cultura é uma necessidade humana e um direito de todos os brasileiros. Em terceiro lugar, um certo conservadorismo que mantém as proporcionalidades dentro do governo na divisão do bolo orçamentário. Evoluímos, multiplicamos em três vezes o orçamento, mas é muito pouco ainda diante da tarefa grandiosa que temos agregar ao projeto de desenvolvimento do país o seu desenvolvimento cultural.



Vermelho: Além da questão do orçamento, o que mais gera motivo de descontentamentos na pasta?


Juca Ferreira: O ministério cresceu muito, as demandas culturais são enormes, as atividades são enormes, a quantidade de processos que tramitam dentro do ministério é maior do que a que encontramos, mas estamos basicamente com o mesmo número de funcionários e estrutura. Isso não é possível, precisa ter um fortalecimento. Um dia após a minha posse, o presidente mandou um projeto de lei de fortalecimento e de pequena reestruturação do ministério para dar conta destas tarefas. Eu espero que tramite em regime de urgência para que a gente tenha a possibilidade de prestar um serviço de qualidade.



Vermelho: Você tem dito que uma das prioridades da sua gestão será realizar mudanças na Lei Rouanet. Muitos artistas consagrados, como Fernanda Montenegro, Ney Latorraca e Marília Pêra criticaram a possibilidade de mudá-la. Que mudanças você pretende fazer?


Juca Ferreira: Nós vamos simplificar a Lei, torná-la mais ágil, substituir um mecanismo por um conjunto de mecanismos e vamos manter a renúncia fiscal, mudar as regras de acesso à renúncia. Eu acho que depois de conhecer a proposta muitos serão a favor, é a minha expectativa. Nós estamos discutindo a proposta com os ministérios do Planejamento, Fazenda e Casa Civil, mas mesmo antes de concluir essa discussão, nós vamos colocar o debate na rua. Eu estou pretendendo abrir agora, nos próximos dias, o que chamo de “diálogos culturais”, que é o diálogo em várias capitais do país com os produtores culturais para debater o nosso projeto de Lei Rouanet.



Vermelho: O ministério está realizando inúmeros seminários sobre a Lei Autoral Brasileira. Da maneira como está, quem ganha e quem perde com a Lei?


Juca Ferreira: A maior queixa que a gente recebe aqui dos artistas é a desconfiança da falta de transparência em relação ao processo de arrecadação da distribuição dos direitos autorais no Brasil. A Lei é imperfeita, ela tem distorções grandes, uma delas é a falta de controle social. Em todos os lugares do mundo o processo de arrecadação é acompanhado de mecanismo de controle do processo, aqui não tem e isso é um limitante. Segundo aspecto, a Lei não tem condições de garantir o direito autoral no ambiente contemporâneo que o desenvolvimento tecnológico criou, seja pela facilidade de cópia, seja pela Internet. Todos os países do mundo que têm uma indústria cultural forte, que precisam arrecadar o direito autoral e industrial dos conteúdos para devolver aos devidos proprietários desses direitos, estão modernizando a sua legislação. O Brasil ainda tem uma posição conservadora mantendo uma legislação que não dá conta nem de garantir plenamente o direito à transparência da arrecadação, nem mesmo adaptar a arrecadação do direito autoral a esse ambiente criado com a modernização. É preciso rever isso, porque todo mundo perde com isso.



Vermelho: Um dos temas que gerou muita polêmica na gestão de Gil foi a criação da Ancinav. Você pretende reacender essa idéia? Por quê?

Juca Ferreira: Não pretendo reascender essa idéia, mas foi um erro a reação que tivemos. Naquela época, diziam que a gente queria regular a opinião, mesmo sabendo que isso era uma falácia. Foi uma estratégia de evitar que o ministério levasse a diante uma discussão pública sobre a necessidade de uma nova regulação da economia do audiovisual no país. Veja, uma parte da nossa legislação sobre esse tema é do tempo que nem existia vídeoteipe, outra é do período autoritário, e o que a Constituição prevê até hoje não foi regulamentado por interesses econômicos muito precisos. Hoje, alguns desses que mistificaram, que acusaram o ministério de dirigismo, estão pedindo para a gente intervir em função da novidade do desenvolvimento tecnológico. A digitalização de conteúdos audiovisuais vem integrando a telefonia móvel, o computador, a Internet, a televisão e a radiodifusão, criando um sistema integrado com essas possibilidades de vinculação. Isso atraiu capitais que não são os rádios difusores; por exemplo, as operadoras de telefonia. Isso cria um ambiente econômico que exige uma regulamentação por parte do Estado. É o que dizíamos lá na época, mas a expectativa de quem tinha um certo monopólio no mercado era manter essa posição através da inércia da regulação. Hoje, diante da aproximação de capitais bem mais poderosos, a sensação de ameaça e urgência dessa regulação é enorme, mas ainda não existe um ambiente favorável a uma regulação que beneficie o país, que crie um mercado saudável, disponível para todos, inclusive para a produção independente, e que integre de fato esses diversos investimentos que têm bases em procedimentos e suportes diferentes. Acho que a gente vai penar um pouco porque o ambiente ficou muito poluído com a mistificação que foi feita na época. Eu não diria que estamos assistindo de camarote, porque nos interessa que o Brasil tenha condição de no século 21 ser um grande produtor de conteúdos audiovisuais. Acreditamos que o Brasil precisa proteger o seu mercado, não só da ação predatória externa, mas mesmo dos monopólios internos. Hoje desenvolvemos uma paciência maior porque sabemos que todos esses protagonistas, em algum momento, perceberão que o Estado é fundamental para garantir a saúde desse mercado.



Vermelho: O ministério teve uma ativa participação no debate sobre a TV pública. Como o MinC interfere no desenvolvimento, seja na escolha de conteúdos, seja na construção da programação da TV Brasil?

Juca Ferreira: A TV Brasil é de responsabilidade administrativa da Secom (Secretaria de Comunicação Social). Nós tivemos um papel importante na fase de convencimento do governo de que o Brasil precisava de uma televisão pública forte, que televisão pública não se confundia com uma televisão governamental, e nem com a TV privada, que ela tinha uma missão específica. Neste sentido, o ministério foi muito importante, não só arregimentando todos os que produzem TV pública no país sem diferenciação nenhuma, mas também servindo de instrumento para a materialização de um projeto. Nossa possibilidade de interferência hoje é muito indireta no momento que tem um outro ministério responsável pelo desenvolvimento do projeto.



Vermelho: Alguns artistas criticam o ministério por ter investido prioritariamente nas áreas de música, cinema e literatura em detrimento de outras áreas. Você concorda com essas críticas?

Juca Ferreira: Por exemplo? Teatro?



Vermelho: Sim...



Juca: Os números não indicam isso, o teatro é o terceiro maior investimento na Lei Rouanet, que é uma soma substancial, muitas vezes maior do que a que encontramos aqui.


Vermelho: E artes plásticas...



Juca Ferreira: Artes visuais? Não. Eu diria de outra maneira. O ministério avançou em todas as áreas. Nossos indicadores são muito melhores do que os que encontramos em todas as áreas, mas algumas cresceram mais do que as outras, às vezes, por uma ação mais eficiente dos gestores e, outras, porque o setor estava mais amadurecido para produzir esse desenvolvimento. Nós não fazemos cultura, nós criamos as condições para o desenvolvimento cultural. Às vezes colocam aqui na porta do ministério a conta das dificuldades de setores esquecendo que nós não subimos no palco, não temos a capacidade de gerar o diálogo entre o artista e o público. Tudo isso são construções dos próprios setores, dos artistas, produtores, escritores. Mas eu assumo que nós temos uma certa responsabilidade. Eu tenho dito também que reconheço, e isso é sincero, que o ministério precisa avançar mais nas políticas para as linguagens artísticas e, por conseqüência, avançar na renovação da Funarte, que precisa se tornar uma instituição forte, de atuação nacional, que tenha capacidade de dialogar com os diversos setores que estão sob sua responsabilidade e produzir políticas que contribuam para o desenvolvimento das suas linguagens. Nós estamos muito aquém dessa responsabilidade. A Funarte foi a instituição mais afetada pela reforma feita pelo governo de Fernando Collor na área cultural e nós tivemos um certa dificuldade de compreender que, ao ser a mais afetada, exigia um investimento maior. A Funarte precisa de mais orçamento, mais estrutura, precisa atuar em todo território nacional e com uma metodologia que dialogue permanentemente com os setores do teatro, dança, artes visuais, fotografia, e com isso criar uma dinâmica que seja capaz do Estado dar a sua contribuição para o desenvolvimento destas linguagens. Isso eu vou assumir como uma das prioridades dessa gestão.

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