segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A cultura ainda vive!(?)

fonte: Cultura e Mercado - Da Redação

Cultura Viva é o mais interessante, provocativo e instigante programa de governo que já tivemos na área cultural nos últimos tempos. Sobretudo por trazer consigo todas as contradições do nosso tempo. E, infelizmente, por amargar todas as fragilidades do Poder Público e de sua relação com as outras esferas da sociedade.

A entrevista realizada com Célio Turino por Carlos Minuano para Cultura e Mercado expõe bem essa realidade. Seu discurso, sensato e realista, talvez soe dissonante diante das propostas mirabolantes do Ministério da Cultura, sobretudo das recentes declarações do novo ministro, Juca Ferreira, que toma posse na próxima quinta-feira, na sede do MinC, prometendo realizar oito anos em dois.

Difícil a tarefa de encontrar coerência no discurso do novo ministro, que em vez de assumir as próprias fragilidades diante da Lei, ataca empresas e artistas pelo seu uso inadequado. Mas, por outro lado, atua de braços dados com ela para executar suas ações governamentais.

Em recente apresentação realizada pelo secretário Roberto Nascimento ao Conselho Nacional de Políticas Culturais, as mudanças da Lei trazem o já marcante ímpeto governamental de chamar para si o poder de decidir onde e como devem ser investidos os parcos recursos da nossa cultura.

O fato em si preocupa, mas justifica-se levando em conta algumas (não todas) atitudes do mercado, a começar pela própria Petrobras, que age em seus contratos com produtores e artistas de forma abusiva, obrigando-os a sobrepor as demandas empresariais sobre os empreendimentos e projetos socioculturais, tirando-lhes a autonomia em nome de uma lógica de mercado própria, sequer praticada pela grande maioria das empresas privadas.

Mas a situação se alarma quando o assunto é o programa Cultura Viva. Devemos discutir cada vez mais a relação do Estado com esse programa e lutar para que os Pontos de Cultura consigam efetivar a tão alardeada autonomia em relação ao próprio programa.

A TEIA é o lugar e o espaço adequado para trazer essa discussão à sociedade. De fazer os 200 mil pontos de cultura, mencionados por Chico Simões nessa importante entrevista concedida a Cultura e Mercado, apropriarem-se de vez deste programa que não é do governo, mas de todos nós: críticos, artistas, produtores, ativistas, governistas, direitistas, esquerdistas, cidadãos…

E o momento de propor ao Fórum Nacional dos Pontos de Cultura um espaço para discutir e empreender um programa não para os beneficiários deste programa, mas sim para toda a população brasileira. Pois a responsabilidade de decidir e dirigir o foco do programa para um grupo de privilegiados que apóia as ações deste governo, ou para um universo mais amplo, está nas mãos deste Fórum.

Nesse sentido, a proposta de discussão trazida pelo Laboratório de Políticas Culturais é rica. Badah exercita uma interessante parábola, trazendo a discussão para a diversidade cultural e aplicabilidade das políticas internacionais para a cultura.
http://www.culturaemercado.com.br/post/a-cultura-ainda-vive/#more-4505

26/08/2008
Célio Turino: “o Estado não está preparado”
Cultura e Mercado - Carlos Minuano

Com o tema “Iguais na diferença”, em comemoração aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a TEIA, encontro nacional dos pontos de cultura, será este ano em Brasília, entre 12 e 16 de novembro – atualmente são 850 pontos de cultura espalhados em todo Brasil. Quatro anos à frente do projeto, o secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura (MinC), Célio Turino, se diz com freqüência diante a uma dúvida dialética sobre seu próprio papel: militância ou estado? Eis a questão. “Sou um servidor público”, responde a si próprio. A indagação, segundo ele, é conseqüência das limitações de seu cargo no governo. “Ser governo não significa ser Estado, e por ser apenas uma parte dele, sofremos uma série de amarras”. O caráter do Estado é de servir para a defesa de setores e segmentos sociais. “É um instrumento de dominação de classes”, acrescenta.

Para o secretário, a partir do governo Lula, ocorre um processo peculiar de disputa e de novas experimentações, um cenário novo em que o povo vai se amalgamando com o Estado e ocupando novos espaços. No horizonte do programa Cultura Viva, Turino aponta mudanças e números otimistas. Com a descentralização do programa, R$ 9,5 milhões deverão sair de cofres estaduais; enquanto o Governo Federal destinará R$ 141 milhões para os editais de 2008. Confira à seguir, trechos de uma entrevista concedida a este repórter, durante encontro da Rede Mocambos, realizada em agosto, na Casa de Cultura Tainã, em Campinas, SP.

Carlos Minuano - Como superar os obstáculos impostos por entraves do estado?

Célio Turino - Acredito que a saída não seja pelo governo, mas por fora dele. As iniciativas populares precisam ser mais incentivadas e fortalecidas, acho que neste momento uma solução seria a criação de duas leis, uma que reconheça o protagonismo sociocultural do povo brasileiro, uma ação que vá por esse caminho dos pontos de cultura, mas que não se limite só aos pontos de cultura, porque o protagonismo a que me refiro está presente em políticas de saúde, de meio ambiente, e em outras. Neste sentido poderia ser a Lei Cultura Viva. Outra lei deveria contemplar as particularidades dos saberes dos mestres do conhecimento tradicional, e de como fazer esse reconhecimento sincero, dentro de um processo educativo. Poderia ser a Lei Griô, ou outro nome, desde que reconheça essa sabedoria que está sendo expropriada, de botânica dos pajés e das rezadeiras.

CM - Qual o volume de investimentos para novos editais de pontos de cultura em 2008?

CT - Estamos concretizando algumas mudanças, por exemplo, a descentralização do chamamento dos pontos. Conseguimos firmar 21 editais estaduais. Há mudanças também na proporção dos investimentos, de dois por um, ou seja, o MinC entra com R$ 2 e estados com R$ 1. Bahia já lançou edital, inclusive até já encerrou a inscrição. Estão abertos editais para 120 pontos em Pernambuco e 24 em Tocantins. Governo Federal destinará R$ 141 milhões, contrapartida de investimento dos estados é de R$ 60 milhões, R$ 9,5 milhões sairão dos cofres estaduais, no total são aproximadamente R$ 200 milhões, sendo que R$ 49 milhões já depositados na conta dos estados para garantir os editais. É um investimento absurdo, ignorado pela imprensa. Isso abre mais 3.000 pontos de cultura em um período de três anos.

CM - Pode falar um pouco mais sobre essa “descentralização”?

CT - Nossa intenção é que, dentro de um prazo de dois anos, pontos de cultura tenham convênios via redes municipais, estaduais ou consórcios intermunicipais, com isso o MinC sai do convênio direto. Isso é necessário porque a rede de pontos já está muito grande, são 850 pontos e a capacidade de gestão é limitada. Não faz sentido, por exemplo, fazermos a gestão de um ponto de cultura em Marechal Taumaturgo na fronteira com o Peru. É melhor que o governo do estado do Acre faça isso. O MinC fica com os pontões de articulação nacional e as redes e, eventualmente, com algum ponto de cultura em estado de incubação, como algumas idéias que estão sendo estudadas de pontos de cultura de catadores de materiais recicláveis, em presídios, entre outros. Mas ainda são apenas idéias.

CM - Outras mudanças ou novidades a caminho?

CT - Temos outras ações confirmadas, uma é o prêmio de interação estética, que conta com R$ 2 milhões aportados com a Funarte para lançamento de edital junto ao MinC voltado ao desenvolvimento de produtos culturais. Neste caso, buscamos o resultado artístico, não há realização de oficinas, pode ser um espetáculo, uma intervenção de arte contemporânea. Durante seis meses o artista desenvolverá o trabalho junto ao ponto de cultura. Quem recebe o recurso é o artista, mas já conectado a um ponto. Serão vários prêmios. Cinco deles no valor de R$ 100 mil, dez de R$ 50 mil, 20 de R$ 25 mil, além de trinta prêmios de R$ 15 mil pra jovens artistas. Isso é importante, porque os pontos começaram na periferia, não só do ponto de vista geográfico, mas também artístico. No início ficou a idéia de que o programa Cultura Viva era uma ação cultural socioeducativa, mas não é só isso, é uma proposta de construção de uma autonomia sociocultural do povo. Pra TEIA, por exemplo, vamos levar ópera feita por pontos de cultura, uma delas de Campinas, em São Paulo, sobre o seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes. Esse prêmio inaugura uma fase de aproximação com os artistas. E o outro edital é o de cultura em rede, “Cultura – Ponto a Ponto”, pra intercâmbio entre os pontos de estados diferentes, que farão residências para troca de experiências entre si. Serão selecionados 200 pontos para 100 trocas. Por exemplo, a Casa Tainã, de Campinas propõe fazer uma residência em um ponto no Ceará, e este ponto vem pra Tainã. Queremos alinhavar mais este sentido de rede, caracterizar os processos de gestão dos pontos de cultura como processo de gestão em rede.

CM - E a sustentabilidade dos pontos de cultura, após o final do governo?

CT - Esse é um programa que começou de forma muita tímida, não era um nem um eixo do programa do governo Lula, inicialmente a idéia era construir centros culturais. Quando o ministro Gil me convidou é que começamos a construir esse outro caminho. Mas não é fácil, porque o Estado não está preparado pra esse tipo de diálogo que o programa Cultura Viva propõe, muito menos pra assumir de forma radical essa idéia de que a autonomia e o protagonismo das entidades têm que ser preservado respeitado, que o convênio tem que ser feito sem intermediários. Seria mais fácil chamar dez, vinte ONGs muito bem estruturadas, mas isso iria contra o objetivo, que é fomentar o protagonismo do hip-hop, dos quilombolas, dos índios. O convênio com o ponto do Xingu, quem assina é o cacique Aritana, do Instituto dos Povos do Alto do Xingu. Claro que não e fácil, tem as dificuldades de infa-estrura, algumas aldeias não tem telefone, e pesa ainda a questão da comunicação, o estado também não sabe conversar com esses povos. As dificuldades são grandes, e a solução que temos encontrado é estimular a gestão em rede. O Sistema Nacional de Cultura está nascendo via ponto de cultura, e a primeira ação prática deste sistema são os editais estaduais. Assim, os pontos de cultura deixam de ser política de governo pra ser política de estado, podendo atravessar a atual gestão, independente de próximos governos decidirem continuar ou não com o programa.

Relação de pontos de cultura por regiões a partir de novos editais


Rondônia – 30

Acre – 15

Amazonas – 30

Pará – 60

Amapá – 15

Maranhão – 60

Piauí – 80

Ceará – 100

Rio Grande do Norte – 53

Paraíba – 30

Pernambuco – 120

Alagoas – 20

Sergipe – 30 (em processo de publicação)

Bahia – 150

Espirito Santo – 30 (Em processo de publicação)

Rio de Janeiro – 150

Minas Gerais – 100

Santa Catarina – 60

Mato Grosso do Sul – 30

Mato Grosso – 30

Tocantins – 24

Distrito Federal – 20

Goiás – 40

Paraná – (não entrou)

Curitiba – 30

Rio Grande do Sul – (não entrou por problemas de inadimplência, alternativas estão sendo estudadas)

São Paulo – foi oferecido R$ 12 milhões anuais ao governo do estado, segundo o secretário Célio Turino, mas proposta foi recusada, recursos foram redistribuídos para outros estados. Após eleições municipais, prefeituras de cidades maiores e consórcios municipais serão procurados para garantir que São Paulo não fique fora da rede.

Fonte: Célio Turino, secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura (MinC).

http://www.culturaemercado.com.br/post/celio-turino-o-estado-nao-esta-preparado/#more-4502

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