sábado, 28 de fevereiro de 2009

Dossiê FSM 2009 - Preparado por ISER ASSESSORIA

Dossiê FSM 2009 - Preparado por ISER ASSESSORIA

Leonardo Boff: 'Obama é um dos frutos do sonho do Fórum Social Mundial. Uma outra política norte americana é possível' - 25-01-2009. 2

FSM está 'atrasado' e precisa de atualização, diz sociólogo - 4

Dom Tomás Balduíno - MST referência para todos os movimentos sociais – 25-01-2009. 4

Crise mundial será o foco das discussões do Fórum Social - 25-01-2009. 8

Hoje, outro mundo é urgente - 25-01-2009. 9

Para onde vai o Fórum? - 24-01-2009. 10

O Fórum como ele é - 28-01-2009. 11

O diverso é único na abertura do Fórum Social Mundial - 27/1/2009. 12

Fórum Social Mundial: Indígenas com uma mensagem e várias reclamações - 29/1/2009. 13

Francisco Whitaker - O FSM não é um movimento, uma entidade que tem um programa próprio - 29/1/2009. 15

Toussaint - Se um outro mundo possível é com Obama, então não há outro mundo - 31/1/2009. 18

Irmã Dorothy é o Anjo da Amazônia - 31/1/2009. 18

Para onde vai e o que quer o Fórum Social Mundial? - 01/02/2009. 20

Egon Dionísio Heck - A volta pras aldeias – 04.02.2009. 20

Assembléia das Assembléias teve pouca força aglutinadora - 02/02/2009. 22

Discriminações e proteção a ativistas são eixos de luta em 2009– 02/02/2009. 23

O mundo mudou e está em crise. E o Fórum Social Mundial? -31/01/2009. 25

Debates do FSM trouxeram propostas para enfrentar crise – 01/02/2009. 27

Por que os presidentes vieram ao Fórum? - 30/01/2009. 28

Boaventura - FSM: O Ano do Futuro - 29/01/2009. 30

Movimentos sociais definem agenda de mobilização para 2009 – 30/01/2009. 31

Não vamos pagar pela crise, que a paguem os ricos - 05.02.09. 32

Próxima edição do Fórum Social Mundial, em 2011, poderá ser na África - 02.02.09. 34

Emir Sader - Balanço do Fórum e do outro mundo possível 35

Ignacio Ramonet - La « verdadera izquierda » y los movimientos sociales 37








Leonardo Boff: 'Obama é um dos frutos do sonho do Fórum Social Mundial. Uma outra política norte americana é possível' - 25-01-2009.

Leonardo Boff afirma que Fórum Social Mundial tem o desafio de pressionar o governo brasileiro para fazer uma política clara e objetiva sobre a Amazônia. "Fundamentalmente o que tem que ser resolvido é a questão fundiária. É necessário um Plano de Aceleração não do crescimento, mas da integração e da preservação da Amazônia. O Fórum Social Mundial tem esse dever", defende.

A reportagem e a entrevista é de Clarissa Pont e publicada pela Agência Carta Maior.

A advertência de Leonardo Boff é taxativa: “Trata-se de um novo padrão civilizatório, nós temos que nos acostumar a consumir menos”.

Ele resume nos três erres da Carta da Terra o novo paradigma sob o qual a humanidade terá que viver para sobreviver: reduzir, reutilizar e reciclar. Além disso, defende que o FSM tem o dever de pressionar o governo brasileiro a melhorar sua política para a preservação da Amazônia, avançando principalmente na questão fundiária.

Eis a entrevista.




Qual a avaliação que o senhor faz sobre a atuação de Joseph Alois Ratzinger, o Papa Bento XVI, e da postura dele em relação à Teologia da Libertação?

Quanto à figura de Ratzinger, seja como mestre, como prefeito da congregação ou como Papa, eu diria que não há mudança substancial entre as opiniões. Ele sempre manteve uma linha teológica de fundo inalterável, isto é, o projeto de construir a Igreja para dentro, reforçar as instituições eclesiásticas e a autoridade do Papa, revalidar o direito canônico, sublinhar uma leitura dogmática da fé cristã. Eu diria que em alguns destes aspectos ele, inclusive, radicalizou no sentido de que a fala de um Papa é muito mais poderosa do que a fala de um prefeito de uma congregação, porque eles têm como objeto as doutrinas, enquanto o Papa tem como destinatário toda a Igreja.

Na medida em que esse Papa insiste enormemente que igreja mesmo é só a Católica e continua repetindo que as demais igrejas não são igrejas e que as demais religiões necessitam de salvação, ele toma para si um fundamentalismo light. Por que fundamentalismo? Porque acentua de tal maneira a própria doutrina que exclui as demais e isso não parece ser a perspectiva do cristianismo originário, nem a perspectiva bíblica. Eu diria ainda que este projeto pastoral não é uma mensagem para a humanidade, mas é para reconverter a Europa. Para nós, do Terceiro Mundo, optar pela Europa é optar pelos ricos e por um projeto de antemão falido porque os europeus não estão interessados em reconversão. Na minha interpretação, isso é ter o cristianismo nas costas e não na frente, é um cristianismo crepuscular e não um cristianismo de rejuvenescimento. A mensagem correta seria colocar no centro da preocupação a vida, porque o mundo não ama mais a vida, sacrifica a vida, faz comércio com a vida.

Neste mundo onde o consumo está além do que o mundo é capaz de produzir e regenerar, qual é a mudança necessária para que a crise não se transforme em tragédia?

Como a crise é global, ela afeta todas as pessoas, todas as instituições, todos os grupos e todas as forças. O bom seria que cada instituição, igreja, universidade, sindicato, cada grupo humano pudesse, a partir do seu capital acumulado, dar uma contribuição no sentido dos três erres empregados pela Carta da Terra. O primeiro erre é reduzir o consumo. Nós podemos viver bem com menos, quase 90% de tudo que é produzido é supérfluo, atende necessidades suscitadas por um tipo de cultura consumista que abafou a ética e que reduziu a política a uma função da economia. Tudo é feito mercadoria, com tudo se faz negócio. Então é reduzir o consumo porque a Terra não agüenta.

Segundo, temos que aprender a reutilizar aquilo que nós usamos e ter a engenhosidade de dar outras utilidades para os produtos que nós usamos. Seja geladeira, roda ou roupa. Enfim, é reduzir, reutilizar e reciclar. Um dos grandes problemas do mundo hoje é o que fazemos com os rejeitos. Porque o que o sistema mundial mais produz hoje não são máquinas ou eletrodomésticos, é lixo. Nova Iorque tem que levar seu lixo a 300 km de distância porque não sabe onde colocá-lo. Se esse não for um caos criativo, será um caos destrutivo. Trata-se de um novo padrão civilizatório, nós temos que nos acostumar a consumir menos. Talvez agora não sintamos tanta urgência porque a máquina produtiva e consumista está funcionando, mas na medida em que a crise deixa as bordas e vai para o centro a sociedade sentirá a necessidade de fazer mudanças. De outra forma, essa crise terá conseqüências funestas.

A Amazônia, tema deste Fórum, também é vítima desta crise...

A Amazônia é o lugar de teste de um novo paradigma. É o patrimônio maior da biodiversidade da humanidade. É a maior reserva de água doce do mundo, 13% de toda água doce do mundo está no Brasil e depois no Canadá. Na Amazônia se dá o equilíbrio dos principais climas de toda a América. Apesar de toda essa luxuriante riqueza, o equilíbrio da Amazônia é extremamente frágil, é um dos solos mais pobres de todo o planeta com terras arenizadas. O húmus de grande parte da Amazônia não passa de 30 ou 40 centímetros. Se não forem feitas políticas muito bem dirigidas para a Amazônia, em função do agronegócio e da expansão da soja e do gado, há o risco que em 30 ou 40 anos haja uma vasta savanização da floresta. A humanidade inteira olha com preocupação para Amazônia.

E como garantir uma perspectiva de futuro pós-crise do capital?

Eu lembro aqui uma frase de Gorbachev na reunião da Carta da Terra, em Amsterdã. Ele disse que o modelo imperante de produção e consumo não tem mais condições de garantir um futuro para a humanidade, nós temos que garantir uma coalizão de forças ao redor de novos valores e de um novo paradigma civilizatório. Não é uma questão de querermos ou não. Nós somos forçados a buscar saídas. Caso contrário, e essa é a tendência um pouco do capitalismo, é suicídio. Marx, no terceiro tomo do Capital, explica a lógica do sistema financeiro. É um dos livros mais lidos do mundo inteiro hoje e lido, especialmente, por aquelas pessoas inteligentes dos mercados que erraram e que se perguntam por quê. Marx diz que a tendência do capital é destruir as duas bases que o sustentam, a força de trabalho e a natureza. Nós temos que buscar saídas numa economia plural, em muitas formas de produção. Talvez a China poderá ser um aceno, embora o modo de produção principal chinês seja capitalista.

Nós vivemos sob o pensamento único do mercado, sob o fundamentalismo do modo de produção capitalista. Esse modo de produção sozinho não conseguirá responder às demandas humanas. Pede-se uma economia política múltipla que exista conforme os ecossistemas. Chico Mendes viu isso na Amazônia com claridade. A nova economia vai nessa direção, se opõe ao globalismo. E cria uma economia regional, onde não há problema de transporte e existe a valorização das tradições culturais.

O Fórum Social Mundial começa em poucos dias, justamente aqui em Belém do Pará. O Brasil vai estar em foco no sentido de que o mundo todo espera um plano específico e claro para o território Amazônico...

Eu creio que o Fórum tem o desafio de pressionar o governo brasileiro para fazer uma política clara, explícita e objetiva sobre a Amazônia. No meu modo de entender, o governo ainda não elaborou nenhum plano singular detalhado sobre a Amazônia. São políticas pontuais para resolver conflitos de terra e para impedir desmatamento em algumas regiões. Fundamentalmente o que tem que ser resolvido é a questão fundiária. É necessário um Plano de Aceleração não do crescimento, mas da integração e da preservação da Amazônia. O Fórum Social Mundial tem esse dever. Quando o presidente Lula vier aqui no dia 29 de janeiro, posso escutar as vozes das nações dos povos que obrigam o governo a assumir responsabilidade para com a humanidade.

A Amazônia é uma região tão complexa, que envolve tantos problemas para os quais nos não temos sequer os meios financeiros suficientes, nem a acumulação de ciência suficiente para podermos sozinhos enfrentar a riqueza e o valor que esse ecossistema tem para a humanidade.

Na perspectiva internacional, a nova presidência dos Estados Unidos também será um tema essencial durante o Fórum. Qual a importância de Barack Obama nestes debates?

Eu pessoalmente considero a eleição do Obama algo providencial e absolutamente surpreendente, porque há 40 anos os negros no sul dos Estados Unidos não podiam votar e hoje um negro assume a presidência do país. Isso é um fato absolutamente inédito, que a gente só pode explicar pelas leis da evolução, por um acúmulo de energia que, sem ninguém esperar, há um salto de qualidade. Em um país que é notoriamente racista, eleger alguém que nem nasceu nos Estados Unidos, que vem de fora do establishment, nem é da tradição branca e protestante americana é incrível. Nem da tradição cristã, porque originalmente ele era muçulmano.

Eu tenderia a ver, como teólogo, um sinal de que Deus tem misericórdia da humanidade. Por outro lado, devemos pensar politicamente e superar a visão da leitura burguesa da história que valoriza apenas indivíduos. Temos que ver é o Governo Obama e quais interesses ele vai representar. O orçamento militar do país, por ano, é de 1,2 trilhão de dólares. Com 20% deste dinheiro, daria para erradicar toda a fome da humanidade. Uma força política que se organiza ao redor da guerra é absolutamente perversa, cruel e sem piedade. Ele prometeu, e isso é de anotar, descentralizar o governo, reforçar aliados e não utilizar a violência, o famoso big stick norte-americano, mas o diálogo.

Ele declarou recentemente que Israel tem direito de se defender, mas que deve aceitar o Estado Palestino. Os palestinos têm direito a ter um estado. É importante que alguém diga isso para não concentrar toda a influência dos Estados Unidos sobre Israel e deixar os palestinos no seu desespero. A Palestina não elaborou uma estratégia de guerra, as ações ali são fruto do desespero e da perspectiva de quem não tem outra arma que não entregar a própria vida para defender a dignidade mínima de um povo. Podemos ter esperança. Eu diria até, de forma simbólica, que Obama é um dos frutos do sonho do Fórum Social Mundial. Uma outra política norte-americana é possível.







FSM está 'atrasado' e precisa de atualização, diz sociólogo - 25-01-2009



Em sua nona edição, o Fórum Social Mundial (FSM) tem como desafio atualizar-se frente à “luta real” contra o neoliberalismo e à nova configuração política da América Latina. É o que espera o cientista social e filósofo Emir Sader, figura importante das edições anteriores do evento. Na avaliação de Sader, o fórum ficou atrasado ao se posicionar apenas como um “espaço de resistência”.

A reportagem é de Amanda Cieglinski e publicada pela Agência Brasil.

“Ele ficou girando em falso na medida em que se colocou apenas como fórum de crítica ao neoliberalismo. Desde que ele se fundou, a luta contra o neoliberalismo passou de resistência à construção de alternativas, do que a América Latina é a melhor expressão”, defende o especialista que durante o evento lançará o livro A Nova Toupeira, sobre as mudanças nos rumos da política latino-americana.

Para Sader, os movimentos sociais do fórum não se reconectaram às mudanças políticas e por isso esvaziaram-se. Ele crítica ainda a falta de participação de políticos, governantes e de outras autoridades no evento, que é essencialmente promovido por entidades da sociedade civil. O filósofo acredita que este é o momento de o fórum romper a barreira do discurso e passar para a apresentação de modelos alternativos de organização social e econômica.

“Antes, o que nos restava era anunciar que um outro mundo era possível. Desde então há alternativas concretas sendo construídas. Se ele [o Fórum] não tiver propostas para a crise do neoliberalismo de hoje, se ele não tiver propostas para a paz no mundo, se ele não tiver propostas de construção de modelos alternativos, ele vai ficar para trás. Espero que não seja apenas como uma análise crítica, mas propostas de uma alternativa”, avalia.

A presença confirmada de cinco presidentes latino-americanos no fórum é vista pelo sociólogo como uma boa chance para o evento se atualizar. “A carta original do FSM falava na participação só de movimentos sociais e expressamente excluía forças políticas. O problema é que as alternativas passam por governos. É preciso rearticular de uma maneira nova a luta social com a luta política”, aponta.






Dom Tomás Balduíno - MST referência para todos os movimentos sociais – 25-01-2009.

Na comemoração dos 25 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o sabor da festa talvez vai ser um pouco agridoce. Sem dúvida, há muito para se comemorar, especialmente em um marco histórico como esse: são 370 mil famílias assentadas em ocupações de terras; 2 mil escolas públicas em acampamentos e assentamentos; acesso à educação garantido a mais de 160 mil crianças e adolescentes; 50 mil adultos e jovens alfabetizados; mais de 4.000 professores formados; mais de 400 associações e cooperativas criadas em assentamentos, dentre muitas outras conquistas.

A festa, no entanto, poderia ser mais completa se o momento histórico do país tivesse sido a realização de um sonho aguardado há tanto tempo – e também alimentado pelo MST: “O nosso líder, preparado pelos movimentos que vieram crescendo durante 30 anos nesse passado, nos frustrou, na pessoa do Lula”, afirma D. Tomás Balduíno.

Criticando também o Partido dos Trabalhadores (PT), “que nunca foi da terra”, e reconhecendo ainda que o MST se tornou mais “ad intra”, Dom Tomás Balduíno, em entrevista especial por telefone à IHU On-Line, celebra as conquistas do Movimento, que “se tornou referência” para todos os movimentos sociais durante esses 25 anos e reflete sobre a importância da terra como “um novo modo de ser”.

Dom Tomás Balduíno, frei dominicano, é bispo emérito de Goiás e, durante muitos anos, foi presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sendo seu atual assessor. Também participou ativamente da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Em 2006, recebeu o Prêmio de Direitos do Homem Dr. João Madeira Cardoso, da Fundação Mariana Seixas, de Portugal, e o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Católica de Goiás por sua luta pela cidadania e direitos humanos. Em 2008, recebeu o prêmio Reflections of Hope, da Oklahoma City National Memorial Foudation, como exemplo de esperança na solução das causas que levam à miséria de tantas pessoas em todo o mundo.

Confira a entrevista.



IHU On-Line – O que significa comemorar 25 anos de luta pela terra e pela reforma agrária?

Dom Tomás Balduíno – Isso tem um significado brasileiro e latino-americano, porque é uma expectativa de todo o continente, dos povos indígenas, dos negros, dos quilombolas e também dos camponeses. E o MST, para a alegria nossa, tornou-se referência para esses diversos movimentos. Tendo nascido em plena ditadura militar, ele se desenvolveu em oposição ao próprio sistema, ao próprio governo, na linha de uma renovação. Sempre o Movimento – assim como as organizações indígenas – desde que começou a se organizar com o apoio da Igreja, numa linha nova, de se tornar sujeitos de sua caminhada, foi muito além das expectativas particulares dos diversos grupos. Eles foram sempre na linha de uma mudança da política global. Um exemplo disso é o Exército Zapatista. Eles mesmos declararam que o interesse deles não era salvar a causa de uns poucos índios, de uns pobres índios, mas sim a causa do cidadão e da cidadã do México em geral; estavam empenhados nisso.

Então, o símbolo, a referência maior é a terra. Mas é uma terra que é mais do que terra. Ou seja, não é apenas o pedaço de chão da sobrevivência, mas é a mudança. É um novo modo de ser. Um Brasil diferente, o Brasil que nós queremos, o Brasil dos nossos sonhos. Mas não é um sonho apenas de lavradores e de índios, mas sim de todo o cidadão e cidadã brasileiros. Tomemos uma organização indígena, por exemplo o Coimi [Comitê Inter-Tribal de Mulheres Indígenas]. Eles visam a esse mesmo objetivo. Não é só defender interesses internos indigenistas, mas se integrar na luta geral em vista de um mundo diferente.

IHU On-Line – Quais são os pontos de maior autocrítica do MST, tanto filosóficos quanto práticos e quais são os valores basilares, que não serão abandonados?

Dom Tomás Balduíno – O que entra nessa autocrítica – eles todos estão sensíveis a isso – é o que acontece em todo o movimento, sobretudo em tempos de mudança. Porque houve uma mudança histórica no Brasil. O ante-Lula, o durante-o-Lula e o pós-Lula. Isso teve uma influência sobre os diversos movimentos. Eu acho que influenciou negativamente no sentido de refluir sobre si mesmos. O Movimento – que tinha uma projeção mais ampla, mais integrada aos diversos movimentos, durante esse tempo, sobretudo o do atual governo – em busca talvez de defender recursos para poder manter as suas frentes de trabalho, de formação, tornou-se mais para dentro, mais "ad intra". Parece ter menos visibilidade na mídia, no sentido do avanço da reforma agrária, e mais no sentido de aprimoramento da própria instituição, dos seus quadros, do estudo universitário, da formação em profundidade e em extensão dos seus integrantes. Isso deve ser revisto na autocrítica. O que faz a força do Movimento e o que acaba formando, muito mais do que uma escola, é a própria luta, a luta em vista da obtenção daquilo que é o clamor da sociedade civil, que acaba sendo desprezado pelo governo, que está em outra perspectiva, completamente diferente.



O PT e a terra

Agora, aquilo que é basilar no Movimento é a referência à terra, no sentido da contradição que acompanha a nossa história, desde a chegada dos portugueses, e que pouco a pouco foi se tornando objeto de reivindicação, de luta, de batalhas, de grupos, de Antônio Conselheiro, de Zumbi dos Palmares, do Contestado, Trombas e Formoso, tudo em torno da terra. E também no sentido ideológico, de busca de entender o que é a reforma agrária, o que pode ser a solução para a democratização da terra; tornar a terra não matéria-prima do grande negócio nacional e multinacional, de exportação ou de exploração, devastação, mas ter uma outra convivência com a terra. Eu acho que essa lição o MST traz.

O próprio nome, o "T", traz essa marca. Aliás, no nosso país, deveria ter até partido – não só movimento – com referência à terra. Porque o "T" do PT não é terra. Nunca o PT foi da terra, nunca. Ele nunca entendeu a terra. Nunca tivemos um partido ligado ao povo da terra, no sentido dessa luta. É tudo urbano, é tudo na tentativa de alinhamento com o modelo europeu ou norte-americano, esquecendo da mística que é inerente a esses povos que aqui estão, que são considerados atrasados. E hoje, cada vez mais, com a evolução da problemática ecológica, se percebe que é um povo que traz consigo uma grande sabedoria, que não pode ser perdida, e que corre o risco de ser perdida em vista de um mundo sem alma, sem mística, sem inspiração. Porque, nesse sentido, a terra – quando digo “terra” é mais do que terra – é cultura, terra é festa, terra é a inspiração do povo latino-americano, do povo brasileiro. Nesse sentido, o que eu chamo basilar, fundamental no MST, é essa referência definitiva ao elemento telúrico, que dá a eles um rosto novo, de renovação, de capacidade de trazer para a nossa sociedade uma transformação, uma verdadeira revolução. Aliás, as grandes revoluções mundiais vieram por meio do campo.

IHU On-Line – Dados da CPT apontam uma queda nos números do MST, principalmente no número de famílias que ocupam terras (que caiu de 65.552, em 2003 – primeiro ano do governo Lula –, para 49.158, em 2007) e o de novas famílias acampadas (que foi de 59.082 para 6.299 – menos 89,34%). O MST perdeu sua força original? A que se deve essa redução?

Dom Tomás Balduíno – Exatamente, a pressão governamental. A opção do Lula nunca foi terra. Foi no sentido do grande negócio, dos megaprojetos, transposição do Rio São Francisco, etanol, cana [-de-açúcar], e isso incluindo devastação, a própria Amazônia correndo riscos. Felizmente, a pressão internacional veio a tempo de salvar a Amazônia. Não veio a tempo de salvar o bioma Cerrado, que corre o risco de extinção debaixo da engrenagem do agrohidronegócio. Então, há maior pressão no sentido do arrefecimento dos movimentos, até do próprio MST. A ordem do dia do governo Lula é calma, não se precipitar. Na Marcha dos Sem-Terra, que cinco mil marchantes fizeram, 200 km de Goiânia a Brasília, ele dizia: “o apressado come cru”. É uma maneira de acalmar, arrefecer. E aí vem cooptação, vem verbinha daqui, verbinha dacolá, e o pessoal começa então a se ajustar. Além do mais, a grande marcha brasileira, dos pobres, correndo atrás da Bolsa Esmola (Bolsa Família), e achando que isso é solução, achando que isso vai resolver o problema. Isso dispersou as forças, dispersou a própria força no campo. E sobretudo entrou, concomitantemente, a pressão do latifúndio, da necessidade de grandes áreas, porque o etanol precisa de extensões grandes – eles não escondem isso. E o obstáculo são os pequenos produtores, os pequenos proprietários, os que garantem o alimento ao país, 70% do alimento. Esses estão vendo as terras desaparecerem, um pouco porque estão na pobreza e fazem qualquer negócio.



Soberania alimentar

Uma outra coisa que é importante no MST – porque ele acompanha, com sensibilidade, a reflexão internacional, através da Via Campesina, de mobilização das forças camponesas no mundo, em vista da defesa da Mãe Terra – é a preocupação com a soberania alimentar. Acho que é um tema muito atual e muito claro, muito explícito, na linha de política do MST, assim como da Via Campesina, de um enfrentamento do agronegócio como uma força que garante a cultura de cada povo. Eu assisti ao Congresso de Mali, na África, no ano retrasado, com a participação de povos de todos os países do Terceiro Mundo, naquele país mais pobre da África, com muita clarividência, com muita garra e certeza de ganhar a luta, ganhar o processo da garantia da soberania alimentar. Porque não é simplesmente a segurança alimentar como muitas vezes as próprias empresas genéticas, de transgênicos, como a Monsanto e outras, acenam para garantir o alimento em grande abundância para todo o mundo. É diferente, é completa e diametralmente oposto àquilo que se propõem os camponeses das diversas partes do mundo, no sentido do respeito à cultura de cada povo, ao modo de fazer, ao modo de se relacionar com a terra, da convivência com a terra, ao invés de forçar de uma maneira brutal. Como a própria transposição do Rio São Francisco: é uma violência brutal contra uma região dita semi-árida e carente de água. Na realidade, é uma região rica. Dentro dos semi-áridos do mundo, é o mais beneficiado com chuvas. Então, o caminho adotado pelo agronegócio, que visa às grandes empresas, visa ao lucro, é brutal, é de destruição, de devastação para introduzir a chamada revolução verde, que acaba sendo um deserto verde.

Pois bem, ao lado disso, já há experiências pequenas, mas muito florescentes, de camponeses, de indígenas, de quilombolas na convivência com o semi-árido. Trata-se de descobrir as formações milenares que vieram se formando, assim como produção de alimento, produção de animais adaptados àquela região, no sentido de um futuro sustentável, autosustentável, que é a proposta da soberania alimentar e uma das maiores bandeiras do MST.

IHU On-Line – As pastorais e a Igreja católica tiveram um importante papel para o nascimento do MST. Como a Igreja se posiciona hoje frente às lutas do MST e as questões da terra?

Dom Tomás Balduíno – Preciso dizer que o MST existe porque houve, por parte da Igreja, a abertura para o mundo: o mundo negro, indígena, popular do Brasil, na linha do Vaticano II de abertura para o mundo. Aqui, quando os bispos tentaram aplicar as conclusões do Concílio Vaticano, a pedido do papa Paulo VI, à nossa realidade, na grande assembléia de Medellín, fizeram a opção pelo pobre, porque o mundo aqui é majoritariamente pobre: é negro, é índio, é povo da rua, é camponês sem-terra, é gente lascada. Isso ficou muito patente. Foi uma assembléia que fez a opção preferencial pelos pobres.

Essa opção pelos pobres mudou, porque a Igreja sempre se relacionou com os pobres no passado: as obras de misericórdia, os orfanatos etc. Mas desta vez, no pós-Concílio, a experiência do bispo Leônidas Proaño, no Equador, com os povos indígenas, viu no pobre daqui, no índio, um sujeito de sua caminhada, de sua história, não um objeto da nossa ação caritativa de Igreja, como eram as missões indígenas e os movimentos populares. Houve experiências de bispos que quiseram fazer de organizações camponesas verdadeiras confrarias católicas. Agora não. Autonomia! Eles são sujeitos, autores e destinatários de sua própria luta, do seu próprio futuro. Essa foi a grande mudança.

Esses movimentos começaram a se organizar, independentemente da Igreja. Mas em comunhão sempre. Nós [a CPT] estamos ligados ao MST. E era um tempo em que a Igreja tinha essa abertura para o mundo. Hoje, mudou. Graças a Deus, o MST segue no seu caminho, e na Igreja ainda tem a CPT e o Cimi que continuam, a duras penas, nessa mesma inspiração, de uma opção por esse povo, de futuro do nosso continente, do nosso país. Para dizer a verdade, houve um retrocesso da Igreja, no plano social, justamente no papado de João Paulo II, e a Igreja ainda vive isso numa forma de mais se voltar para a sua identidade clerical e suas funções de culto, do que de profecia no mundo, de ser sal, luz e fermento no meio de um mundo que sofre, como caído à beira do caminho. A Igreja não está mais exercendo aquele papel de samaritana como foi no passado.

IHU On-Line – As comemorações em Sarandi (RS) podem marcar uma ruptura histórica do movimento com o PT e o governo federal, que não foi convidado para o evento. João Paulo Rodrigues, da liderança nacional do MST, afirmou que Lula é “amigo dos nossos inimigos”. Como será a posição do MST frente ao governo Lula e ao PT, tendo em vista as futuras eleições presidenciais?

Dom Tomás Balduíno – Essa é uma estratégia e uma tática próprias do Movimento. Nós sempre respeitamos isso e damos todo o apoio. Sempre demos apoio ao Movimento nas horas, por exemplo, de ocupação de terra. Nunca faltou apoio da CPT. Pode não haver de outras partes da Igreja, que, como eu disse, não estão entendendo mais essa luta social. Agora, muito mais apoiaremos no sentido de buscar corrigir os grandes desvios da política acontecidos nesse governo. Eu acho que é uma missão do MST. Se eles entrarem nisso, vão cumprir uma tarefa que é uma verdadeira expectativa, não só do Brasil, mas do continente latino-americano. Veja os países como Venezuela, Bolívia, Equador e, sobretudo, Paraguai, recentemente. Então, o horizonte é outro. O horizonte não é dos grandes negócios, dos grandes bancos, de sustentar as grandes empresas. Não é isso o que a massa popular espera. É outra coisa. Nesse sentido, se o MST tiver essa inspiração, só poderemos aplaudir.

IHU On-Line – Aproveitando a frase histórica de Barack Obama, “o mundo mudou, e nós precisamos mudar com ele”, frente às mudanças do Brasil com a era Lula, qual será o horizonte do MST com relação ao futuro?

Dom Tomás Balduíno – Sociedade civil. Já houve um tempo em que se pensava num Messias, não em um Moisés, mais do que isso, em um Messias para encabeçar uma mudança. E isso nos levou a uma grande frustração, porque o nosso líder, preparado pelos movimentos que vieram crescendo durante 30 anos nesse passado, nos frustrou, na pessoa do Lula. Não é totalmente ruim. Não podemos igualá-lo a [Geraldo] Alckmin, a [José] Serra, ou a Fernando Henrique Cardoso, mas é decepcionante com relação à expectativa daqueles que o colocaram no poder. Então, acho que hoje o grande sonho, a grande expectativa é fortalecer a sociedade civil não-organizada a partir das bases.

Porque tudo virou corporação, gueto nos partidos. Tudo em torno do poder, prostituição em geral – incluindo o PT –, em busca da riqueza, da dominação, de estar bem com os que estão em cima, com os grandes, e se tornar grande com eles. Ao passo que a sociedade civil, muitas vezes, esquece a sua força, sendo que ela é o sujeito de direito, sujeito do poder. A própria Lei maior fala nesses termos. Então, acho que estamos em um momento especial desses diversos movimentos se unirem. Já estiveram desunidos, até em conflito mútuo, como os povos indígenas antigamente, que viviam se hostilizando e depois se resolveram, se reuniram em assembléia e se tornaram uma força. Imagina a força que será o Brasil, não unificando todos os movimentos, mas todos eles procurando esquecer as próprias idiossincrasias, no sentido de caminhar e criar um horizonte pátrio que seja como que um consenso, ou, mais do que um consenso, um engajamento no sentido da mudança. É nesse sentido que eu acho que eles se situam, no concreto, se opondo a Lula. Eles já foram oposição no tempo de Fernando Henrique Cardoso. Não era o PT a oposição, mas era o MST. E agora eles podem ser oposição a qualquer governo que abuse do seu poder contra as expectativas populares.





Crise mundial será o foco das discussões do Fórum Social - 25-01-2009.

Depois de três edições debatendo rachas internos e buscando novos formatos, o Fórum Social Mundial, cuja nona edição começa nesta terça-feira, em Belém (PA), vai ter como principal foco a crise financeira mundial. A edição deste ano terá menos atividades ligadas a autocríticas e mais discussões relacionadas à crise.

A reportagem é de João Carlos Magalhães e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo.

"Esta é a edição mais importante depois da primeira, em 2001", afirma Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo e idealizador do evento. Grajew diz que o colapso financeiro confirmou as previsões que o Fórum fazia. "É só recuperar toda a nossa história. Sempre falamos isso. Mas a gente não fica feliz e contente com a crise. Queremos é um mundo com qualidade de vida."

Para ele, a eleição de Barack Obama nos EUA e a ofensiva de Israel em Gaza também aproximam o contexto internacional de assuntos que sempre estiveram no foco do fórum.

"A crise nos deu razão, mas criou uma urgência. Ela nos impõe uma agenda", diz outro fundador do encontro, Cândido Grzybowski, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Para ele, as discussões se voltarão mais à falência do que chamou de "economia-cassino" e menos à autoanálise.

Mas o debate sobre métodos e rumos do encontro continua sendo essencial, diz Grajew. "O fórum é muito novo. Estamos navegando por mares nunca antes navegados. Ele demanda uma permanente avaliação."

Desde 2005, quando foi realizado pela última vez em Porto Alegre (RS), o evento tentou formatos e sedes diferentes.

Em 2006, aconteceu em três países: Mali, Venezuela e Paquistão. Em 2007, foi para Nairóbi (Quênia), onde houve problemas de organização, como o preço da inscrições.

No ano passado, em vez de promover uma semana de debates, houve um dia de manifestações em 80 países.

Essas mudanças ecoavam incertezas e divisões internas da organização. Nos encontros, discutia-se a capacidade do evento de provocar transformações reais - crítica comum ao fórum. Nos bastidores, parte de seu Conselho Internacional lutava para que o fórum se filiasse a governos que consideram "progressistas", como o de Hugo Chávez (Venezuela).

Segundo a ala ligada aos brasileiros, isso era contrário à carta de princípios da organização.

Um dos membros do conselho, o sociólogo filipino Walden Bello, escreveu em artigo de 2007 que o fórum estava em uma "encruzilhada" e devia ceder espaço a "novos modos" de "resistência e transformação".

"Mas mesmo as reuniões do conselho estão hoje mais tranquilas", afirma Chico Whitaker, outro idealizador do fórum. Ele, Grajew e Grzybowski afirmaram que o tema deste ano, a Amazônia, se encaixa na busca de soluções para a crise.

Para o sociólogo Chico de Oliveira, no entanto, os organizadores deveriam ter escolhido os EUA como local do encontro, para conseguir retomar a antiga visibilidade.





Hoje, outro mundo é urgente - 25-01-2009.

Um dos idealizadores do Fórum Social Mundial (FSM), o presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, faz um balanço político dos nove anos do movimento, que se consagrou como o principal contraponto ao neoliberalismo e ao Fórum Econômico Mundial, de Davos (Suíça).

Grajew avalia que a maioria dos governantes eleitos na América Latina, como Lula, Evo Morales (Bolívia) e Fernando Lugo (Paraguai), são frutos da nova cultura política articulada pelo FSM.

A entrevista é de Soraya Aggege e publicada pelo jornal O Globo.

Eis a entrevista.

Nove anos depois da criação do FSM, em plena crise global, outro mundo ainda é possível?

Quando começamos, o lema era esse. Hoje, outro mundo é também urgente. Há cientistas dizendo que, se não houver uma mudança radical em cinco anos, o processo poderá se tornar irreversível. Quando falamos de outro mundo possível, falamos de outras estruturas políticas, ambientais, econômicas, de governança global. O desastre financeiro que vemos é só um prenúncio do ambiental.

Como o senhor resume o processo desses nove anos?

Era o neoliberalismo e o livre mercado quando começamos. Hoje é muito difícil você achar alguém que se diga neoliberal. O mapa político também era muito diferente. Acho que o Fórum ajudou a eleger o presidente Lula, a mudar vários governos na América Latina. Não vou dizer que o Fórum foi o responsável pela eleição do (Barack) Obama, mas percebemos que houve um movimento forte do Fórum. Nas edições do FSM, temos notado uma participação muito crescente da sociedade civil dos Estados Unidos. E a vitória do Obama passou pelos movimentos da sociedade civil dos EUA. Mas nem o Fórum nem a humanidade conseguiram equacionar o desenvolvimento sustentável.

O FSM ajudou a mudar a forma de as esquerdas clássicas fazerem política?

Definir esquerda é difícil hoje, mas penso que o Fórum influenciou a sociedade civil, porque a esquerda não é só partido político. Como os partidos estão dominados pelo poder econômico, há uma descrença neles. O que há hoje é uma perda de credibilidade nos partidos e governantes e um aumento do papel da sociedade civil.

Obama seria bem recebido em um FSM?

Quem sabe? O Fórum é um espaço aberto e os governantes vêm se quiserem. É preciso ver se, depois do discurso de campanha, ele implementará as propostas que foram discutidas nos FSMs, como o multilateralismo, a mudança das raízes energéticas, as questões de raça e gênero.





Para onde vai o Fórum? - 24-01-2009

O Fórum de Belém ocorre em meio a três acontecimentos de primeira grandeza: o avanço da crise econômica, o massacre promovido por Israel em Gaza e a posse de Obama. Se estes temas não estiverem no centro do debate, o encontro dificilmente alcançará a relevância política que teve em suas primeiras versões. O artigo é de Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado pela Agência Carta Maior.

Eis o artigo.

O Fórum Social Mundial chega à sua oitava edição, em Belém, dois anos após sua última reunião, em Nairóbi, no Quênia. Tendo começado como uma saudável reação à globalização dos fundamentalistas do mercado, o Fórum tornou-se de imediato uma fresta para a entrada de ar fresco em um ambiente mundial contaminado pelos mantras da ortodoxia financeira.

Cada edição teve suas particularidades e seu momento histórico. O primeiro valeu pelo contraponto ao Fórum de Davos e por conseguir juntar organizações, turmas, tribos e gente dispersa ao redor do mundo. Todos tinham algo em comum: a não-adaptação ao modelo vigente. A segunda edição, em 2002, ocorreu ainda sob a névoa dos atentados de 11 de setembro. Havia uma difusa acusação por parte da direita mundial de que os participantes do encontro de Porto Alegre flertavam com os autores do ataque. A edição seguinte foi marcante por seu caráter eminentemente político: aconteceu pouco depois da posse do primeiro governo Lula, no Brasil e recebeu a inesperada visita do presidente venezuelano Hugo Chávez, que enfrentava um locaute petroleiro de dois meses, que quase o tirou do governo.

Contra a guerra

Em 2005, o FSM foi precedido pelas maiores manifestações pacifistas ocorridas no mundo desde a guerra do Vietnã. O objetivo era protestar contra a invasão do Iraque pelos EUA. Ao mesmo tempo, duas vertentes dissonantes começavam a ganhar peso na organização dos encontros. A primeira advogava que o Fórum seria um evento em si, longe da política e articulado ao redor de organizações não governamentais (ONGs). Seu objetivo seria apenas o de possibilitar encontros. Outra orientação defendia que, apesar de assembléias tão dispares quanto as dos Fóruns, consignas mínimas poderiam ser definidas, como o repúdio às guerras, o combate ao imperialismo e às medidas concretas dos governos liberais, como a privatização do Estado.

O Fórum, de início, repelia a participação de partidos políticos e a presença de chefes de Estado, apesar de ser basicamente patrocinado por verbas públicas. Logo a decisão foi suplantada pela realidade, pois o evento foi tomado por organizações políticas, para desgosto dos integrantes do autodenominado “terceiro setor”.

Apesar do risco de se autonomizar das disputas políticas reais em curso nos diversos países, a maioria das dezenas de milhares de participantes das várias edições estiveram nas lutas que resultaram na eleição de vários presidentes de centro e de esquerda na América Latina.

De 2001 para cá, boa parte do continente claramente pendeu para a negação de governos liberais. Ao mesmo tempo, a Europa inclinou-se para a direita, com a eleição de administrações direitistas na França, na Itália e na Alemanha e pela tendência conservadora de administrações teoricamente à esquerda, como as da Espanha e da Inglaterra.

Peso político

O Fórum Social Mundial aparentemente perdeu peso no contexto mundial. As lutas políticas reais, que resultaram na eleição de governos com plataformas mudancistas de várias nuances, assumiram o centro da cena.

O Fórum de Belém ocorre concomitantemente a três acontecimentos de primeira grandeza no mundo. O primeiro é o avanço da crise econômica mundial, ainda longe de qualquer previsibilidade quanto ao seu desfecho. O segundo é o brutal genocídio cometido por Israel sobre o povo palestino. E o terceiro é a posse de Barack Obama como presidente dos EUA.

Seguramente o país não deixará de lado sua hegemonia internacional. Desde o início de 2009, o país não tem, pelo menos na aparência, um falcão da direita na Casa Branca. Barack Obama encarna uma espécie de "imperialismo de fala mansa", diante do qual a luta política será forçada a se sofisticar.

A crise pode ter efeitos devastadores na região. Apesar da eleição de governos embalados em campanhas opostas às chamadas reformas neoliberais, a partir de 1998, o fato é que nenhum deles mudou radicalmente os modelos de desenvolvimento vigentes. Alguns exemplos são claros. Soja, cana, carne e minérios in natura ainda dominam a pauta de exportações brasileira, carne e trigo definem as vendas da Argentina ao exterior, gás e soja ordenam o comércio boliviano com outros países, cobre e pescados ainda são o que o Chile tem de melhor para comercializar e a economia venezuelana segue dependente das exportações de petróleo.

A saída de capitais e o naufrágio da especulação em commodities tiveram seu efeito mais espetacular na queda dos preços do petróleo. A tradução prática é que haverá menos dinheiro para os programas sociais, responsáveis em grande medida por alavancar nos últimos três anos a popularidade de governantes como Hugo Chávez, Evo Morales, o casal Kirchner, Rafael Correa e mesmo Lula, embora a economia brasileira seja a maior e mais sólida do continente.

Estas três questões, acima de todas as outras, precisam estar no centro dos debates do Fórum. Se não estiverem, o encontro dificilmente alcançará a relevância política que teve em suas primeiras versões.





O Fórum como ele é - 28-01-2009
Se tivermos uma métrica elástica, podemos dizer que o plebiscito do último fim de semana na Bolívia integra-se ao mesmo curso das orientações pelas quais se bate a maioria dos ativistas de Belém. O artigo é de Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP)e publicado pela Agência Carta Maior.

Eis o artigo.

O Fórum Social Mundial são dois. Um deles - o principal - é o processo cotidiano de enfrentamento teórico e prático empreendido pelas correntes de opinião contrárias ao modelo neoliberal. Se tivermos uma métrica elástica, podemos dizer que o plebiscito do último fim de semana na Bolívia integra-se ao mesmo curso das orientações pelas quais se bate a maioria dos ativistas de Belém.

Tanto é verdade, que Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chávez, Fernando Lugo e Lula devem ser as principais atrações deste encontro no norte do Brasil. De certa maneira, todos compartilham algumas das bandeiras discutidas à exaustão há oito anos.

Há Fórum onde há luta. O espírito geral dos seus participantes parece ser o mesmo externado por Tom Joad, personagem central de "As vinhas da ira", de John Steinbeck, publicado há exatas sete décadas. Protagonista de uma epopéia social, que levou centenas de milhares de camponeses pobres a migrarem do sul dos Estados Unidos para a Califórnia, por conta da Grande Depressão e de uma seca inédita, Joad torna-se, ao término da narrativa, um ativista foragido. Era acusado de assassinato e de fazer agitação social. Sua fala, ao se despedir para sempre da mãe, é um dos momentos luminosos da literatura do século XX:

"Eu estarei nos cantos escuros. Estarei em todo lugar. Onde quer que olhe. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E, quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu também estarei lá."

Pode-se adaptar a fala. Onde existir injustiça, lá estarão as consignas do Fórum, onde houver intolerância, é lá que ele se multiplica. "Here, there and everywhere", como na canção dos Beatles.

Festa e celebração

Mas o Fórum também é evento, é festa, é celebração, é reunião, é planejamento e é coisa concreta. É bagunça e organização. O Fórum são 60 mil marchando sob a chuva, nas ruas de Belém, cidade em que "Quando não chove todo dia, chove o dia todo", segundo seus moradores bem humorados. O Fórum é um evento alicerçado no esforço prévio de muitos, que emprega gente, lota hotéis, bares e restaurantes, ativa a economia local e serve de divulgação internacional para as cidades que o sediam. É grife, com logotipos estampados em bolsas, camisetas e sandálias. É vitrine para quem quer se mostrar e se fazer ouvir.

O Fórum concreto acontece em meio a um ostensivo policiamento da Guarda Nacional para evitar situações de violência nas quais as grandes cidades latinoamericanas são pródigas. Sua abertura ocorre com a presença pouco sutil da tropa de choque da Polícia Militar em frente à sede de um dos maiores jornais do Pará. O Fórum é a deixa para delegados da Polícia Civil entrarem em greve, reivindicando melhores salários, esperando repercutir suas demandas para além das divisas do Estado. É também palco para que professores cobrem a convocação dos aprovados em um concurso. É a deixa para que participantes e não participantes falem bem e mal do governo que o patrocina. É também o jeito para que camelôs e ambulantes ganhem em uma semana o que não tiram em um mês.

Em suma, para conseguir realizar suas reuniões, palestras, assembléias, oficinas e encontros nas quais se busca outro mundo possível, o Fórum tem de se materializar no mundo como ele é. O Fórum existe no mundo das mercadorias e das palavras de ordem.

A aparente disjuntiva entre evento e processo só se resolve de uma maneira: quando o Fórum adentra na seara da política, quando se fundem pensamento, ação e disputa pelo poder.

É bem possível que passasse coisa assim pela cabeça de Tom Joad...




O diverso é único na abertura do Fórum Social Mundial - 27/1/2009.
Grupo de indígenas cruzou, hoje à tarde, a marcha de abertura do Fórum Social Mundial 2009 (FSM), nesta capital, em marcha acelerada, como que querendo marcar, com suas passadas firmes, os verdadeiros donos da terra.

A reportagem é de Marcelo Schneider e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação - ALC.

Eram cerca de 17h na capital do Pará e a marcha de abertura seguia em ritmo cadenciado pelas ruas da cidade, embalada pelos tambores, ritmos e gritos dos mais diversos grupos presentes, quando o grupo indígena entrou em cena.

Menos de duas horas antes, a celebração inter-religiosa acabava em abraços de hospitalidade para um futuro melhor e em bonita confraternização com dança.

A abertura do FSM não foi marcada pela presença de muitas autoridades ou pelas palavras dos representantes da sociedade civil organizada que tiveram a oportunidade de falar em São Brás, ponto de chegada da marcha.

Em Belém, as cores, os cheiros e o toque evidenciam que a maior riqueza do Fórum não é a oferta de uma metodologia capaz de resolver os dilemas da injustiça, mas a diversidade de clamores que, em uma só voz, apontam para a mesma dor.

Convidados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), dezenas de tribos indígenas foram trazidas para as áreas onde acontecem as atividades do FSM, como se demarcassem eticamente a agenda contextual que se escolheu ao eleger Belém como sede do evento.

De acordo com o corpo de bombeiros, a marcha reuniu cerca de 35 mil pessoas. Alguns sentiram falta de mais política, outros de mais objetividade e outros, ainda, de mais tempo.

A principal característica desta oitava edição do FSM não é diferente das outras: desabafo. Tantos clamores reunidos às portas da Amazônia, no entanto, já parecem convergir para uma agenda verde que, não por ultimo, também se debruça sobre os problemas da crise financeira mundial.

“Paz através do diálogo”, pedia uma das faixas do grupo inter-religioso local, que foi o timoneiro também da participação ecumênica neste momento de abertura.

Nas palavras da ex-ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, presente em diversos eventos preliminares ao FSM “é preciso amar a Amazônia para poder preservá-la. Amar não significa apenas nos extasiarmos com suas belezas, mas também percebermos a dor que vem com o desmatamento, a poluição e a ocupação clandestina.”

Espera-se que Belém ensine o amor dos dois lados da floresta e dê pistas para uma Terra sem menos males. Hoje, como em todos os dias nesta época do ano, choveu à tarde. Um banho que parecia lavar antigas e novas feridas ao longo da caminhada.





Não somos folclore da humanidade - 28-01-2009.

Povos originários das Américas Latina e Central e da África reafirmam suas culturas e identidades no dia dedicado à Pan-Amazônia no Fórum Social Mundial 2009. Uma das principais preocupações dos povos originários é fazer a humanidade compreender que o indígena é um sujeito de direitos, um ator político que precisa ser ouvido em função de sua autoridade originária, e não um ornamento a mais na grande festa da democracia que é o FSM.

A reportagem é de Marcelo da Silva Duarte e publicada pela Agência Carta Maior, “Nossa autoridade é originária”, cantaram em uníssono as vozes dos povos originários da América Latina e da América Central na manhã de hoje, dentro da programação do “Dia da Pan-Amazônia” no Fórum Social Mundial 2009.

Toda esta quarta-feira, 28 de janeiro, segundo dia do FSM 2009, foi dedicada ao “Dia da Pan-Amazônia”, que tem como tema “500 anos de resistência, conquistas e perspectivas afro-indígena e popular”. A decisão de dedicar um dia exclusivo à temática da região, que abriga Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além da Guiana Francesa, e é a verdadeira protagonista do evento, partiu do Conselho Internacional (CI) do Fórum Social Mundial.

Três palcos, dois na UFPA e um na UFRA, foram montados para os povos dos noves países da Pan-Amazônia dialogarem política e culturalmente com o mundo, no esforço por uma aliança planetária para a preservação não apenas da região, mas de toda a humanidade.

No palco montado na Universidade Rural do Pará, o tema “Identidade”, integrante do painel “Terra e Território, Identidade, Soberania Nacional e Soberania Popular e Integração Regional”, mobilizou povos originários da região Pan-Amazônica, da América Central e da África.


“Nem guardiões, nem caseiros”

Para os representantes dos grupos Caiapós, da região de Altamira, no Pará, e Guajarás, da margem oriental da Amazônia, os povos originários da região pan-amazônica não são nem guardiões e nem caseiros dos interesses do homem branco. A relação estabelecida entre eles e a floresta é de sobrevivência, garantia histórica de sua preservação.

A interferência branca e seu conceito de desenvolvimento, segundo Caiapós e Guajarás, modificaram o equilíbrio da região, estabelecido por séculos de convivência harmônica entre os povos originários, seus verdadeiros donos, e a floresta. O conceito branco de desenvolvimento produz bens que acabam não retornando às comunidades de onde os recursos naturais são retirados.


“Não somos folclore da humanidade”

Para os povos herdeiros das culturas inca e maia presentes na manifestação, nem liberalismo ou socialismo são a solução para os problemas dos povos originários, uma vez que os paradigmas econômico-financeiros ocidentais têm como foco o indivíduo, o que acabou conduzindo a humanidade ao individualismo capitalista.




Fórum Social Mundial: Indígenas com uma mensagem e várias reclamações - 29/1/2009.
Enquanto os indígenas bolivianos comemoram o Estado plurinacional estabelecido pela nova Constituição, os brasileiros ainda enfrentam restrições para disporem de suas terras. Uns e outros têm uma comum mensagem ambientalista para o mundo. Centenas de nativos ocuparam na manhã de ontem uma área da Universidade Federal Rural da Amazônia, em Belém do Pará, para formar com seus corpos a frase “Salve a Amazônia”, depois transformada em “SOS Amazônia”.

A reportagem é de Mario Osava e publicada por Envolverde/IPS, 28-01-2009.

“Não se trata de salvar as florestas, mas também os povos amazônicos, sua tradição, sua cultura”, explicou David Kaiapó, cacique do grupo étnico mais numeroso na manifestação e no Fórum Social Mundial que foi aberto algumas horas depois com uma marcha de milhares de pessoas, sob chuva, no centro da capital paraense. Usando pintura de guerra, “em defesa da Amazônia”, mais de 180 kaiapós estão presentes no FSM. A etnia soma cerca de 15 mil pessoas e se concentra no sul do Pará, informou o cacique.

O FSM, que vai até domingo, é o maior encontro de organizações e movimentos contrários ao modelo capitalista imperante e que reclamam outro tipo de globalização. Esta edição do Fórum Social Mundial em uma cidade amazônica é a oportunidade para que “povos ignorados e atropelados em seus direitos se expressem” com uma mensagem ao mundo, disse à IPS o boliviano Egberto Tabo, do povo caribeño e representante da Coordenadora das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). “Somos os únicos protetores da natureza”, combatendo o desmatamento causado pela monocultura e pelos grandes projetos energéticos, de mineração, petrolíferos, em uma luta que agora se reconhece coincidindo com o interesse de toda a humanidade, diante da ameaça da mudança climática, afirmou.

Com um indígena na presidência do país, Evo Morales, os bolivianos avançaram em algo ainda impensável em nações vizinhas como o Brasil, uma Constituição que garante um Estado plurinacional, status que outro país de numerosa população aborígine, o Equador, também alcançou. Dessa forma se garante um governo próprio, incorporam-se direitos e o sistema jurídico de cada um dos 36 diferentes povos indígenas que compõem 70% da população boliviana, afirmou Tabo. A nova Constituição, ratificada em um referendo nacional no domingo, reconhece o exercício da justiça comunitária étnica, que somente envia casos à justiça comum quando considera ser mais adequado, explicou. Isso “sempre” foi a prática, mas agora se consolida formalmente, ressaltou.

No Brasil é “muito difícil, mas não impossível” alcançar essa conquista, afirmou Marcos Apurinã, líder de um povo do interior profundo da Amazônia. Se um operário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou à Presidência, não se pode descartar que um indígena assuma esse cargo, especialmente depois de Barack Obama chegar à Presidência dos Estados Unidos, acrescentou. Porém, “este momento é para buscar sustentabilidade nas terras indígenas” do Brasil, já demarcadas, mas ainda ameaçadas pela invasão da soja, dos mineiros, do agronegócio e dos grandes projetos que fazem parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo, somados às iniciativas de integração física da América do Sul, que incluem grandes estradas e centrais hidrelétricas.

É hora do diálogo, de fazer propostas, pois “já lutamos muito”, reconheceu o líder Apurinã, defendendo as negociações com o governo e alianças com outras forças sociais para a “construção conjunta da Casa Grande”, um país que respeite a diversidade dos povos. Mas, é outra a realidade vivida pelos indígenas da reserva Raposa Serra do Sol, de 1,7 milhão de hectares no Estado de Roraima, fronteiriço com Venezuela e Guiana. Ali vivem cerca de 20 mil pessoas de cinco grupos étnicos que lutam por sua reserva há mais de 30 anos. A terra foi demarcada e homologada pelo presidente Lula há mais de três anos, mas o processo está pendente de um processo no Supremo Tribunal Federal, que deve concluir em fevereiro.

Uma votação parcial dos magistrados do STF assegurou em dezembro uma maioria a favor de manter a integridade territorial da reserva, sem excluir partes ocupadas por fazendeiros, com pretendiam alguns demandantes, produtores locais de arroz. Mas os juizes aprovaram por maioria 18 condições, algumas “inconstitucionais” e que restringem direitos tanto dos indígenas da Raposa Serra do Sol como do resto do País, disse à IPS a advogada Joenia de Carvalho, mais conhecida como Wapicahana, que é o nome de seu povo.

Uma dessas condições permite que os militares, os projetos como centrais hidrelétricas e outras atividades sejam implantadas na reserva sem consulta previa aos indígenas, imposição que também viola o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho. Outra restrição que os magistrados querem impor vai além da reserva, porque proíbe a revisão de terras indígenas já demarcadas, quando se sabe que há numerosas reservas em processo de revisão, porque sua demarcação não reconheceu áreas que eram tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e que lhes cabe pela Constituição, argumentou a advogada.

Os indígenas, na maioria guaranis, que vivem no Mato Grosso do Sul, sobrevivem em áreas insuficientes para sua população e estão na expectativa de sua ampliação, em um processo de nova demarcação iniciado pela Fundação Nacional do Índio, órgão encarregado da política para as populações autóctones. Os indígenas presentes ao Fórum Social Mundial tentarão discutir e expor seus direitos neste encontro. Sua histórica defesa da natureza ganhou força pela crise ambiental que a humanidade enfrenta. Mas os problemas da terra e da sobrevivência são muito diferentes de país para país e de etnia para etnia.





Francisco Whitaker - O FSM não é um movimento, uma entidade que tem um programa próprio - 29/1/2009.
“A última crise financeira que se deu agora, além da ecológica que já vinha acontecendo e que já tinha sido alvo de denúncias muito graves, está aumentando a consciência da sociedade de que o sistema neoliberal capitalista globalizado só leva a injustiças, guerras e a destruição da natureza”. Essa é uma das percepções que Francisco Whitaker está tendo do Fórum Social Mundial que acontece em Belém (PA) até o próximo domingo, dia 01/02. Em entrevista exclusiva concedida por telefone à IHU On-Line, no meio de suas atividades no evento, Whitaker destaca que o Fórum Social Mundial é um processo que permite a “união das entidades e organizações da sociedade civil que acham que o mundo tem que ser mudado”. Ao defender a importância e a força do evento, ele lembra que “a Alca morreu por causa da pressão das organizações da sociedade civil, pressão essa que foi articulada a partir de reuniões do Fórum”. E quando explica a razão de realizar o evento na região amazônica, esclarece que ela “constitui, efetivamente, hoje, o ponto focal de uma das maiores crises que o mundo está vivendo, que é essa crise que pode levar à destruição do planeta”.

O paulista Francisco Whitaker é membro do Secretariado internacional do Fórum Social Mundial e representa no evento a Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi presidente da Juventude Universitária Católica – JUC, em 1953-1954, assessor da CNBB no 1° Plano Pastoral de Conjunto em 1965-1966, e assessor da Arquidiocese de São Paulo e da CNBB de 1982 a 1988. É sócio-fundador da Associação Transparência Brasil e foi professor no Instituto de Formação para o Desenvolvimento, de Paris, e no Instituto Latino-Americano de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ilpes/ONU).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a principal função do Fórum Social Mundial? Ele tem cumprido seu papel?

Francisco Whitaker – A principal função do Fórum é criar um espaço de encontro para o reconhecimento mútuo das muitas organizações da sociedade civil que trabalham para mudar o mundo e que, nesse espaço, elas possam se reconhecer e se descobrir, além de aprender umas com as outras, intercambiar experiências, encontrar convergências e montar novas articulações para novas ações que possam fazer em conjunto. Essa é uma função que se dá tanto nos fóruns mundiais, como regionalmente, nacionalmente ou mesmo localmente. O Fórum é um processo que permite esse reforço, essa união das entidades e organizações da sociedade civil que acham que o mundo tem que ser mudado.

IHU On-Line – E o senhor pensa que isso tem se efetivado, na prática?

Francisco Whitaker – Sim, porque os encontros mundiais têm tido uma adesão cada vez maior. Esse aqui, de Belém, é muito significativo nesse sentido. Além disso, têm se multiplicado os encontros em outros níveis. Ao mesmo tempo, tem crescido a articulação entre movimentos sociais, ONGs, sindicatos e outras organizações da sociedade civil, o que inexistia antes. Montaram-se novas plataformas de lutas, com novos objetivos, que estão permitindo, de um lado, que se pressione mais os governos, no sentido de mudar o que precisa ser mudado, mas também, de outro, em relação ao cidadão, para que assuma maiores responsabilidades e iniciativas desde o seu comportamento pessoal até o seu comportamento coletivo, para que ocorram as mudanças necessárias.

IHU On-Line – O senhor compartilha do pensamento de Emir Sader quando ele afirma que o FSM se esvaziou, resumindo-se a uma crítica do neoliberalismo, sem propostas e sem conexão com as mudanças sociais? O senhor concorda com a necessidade de uma revisão no método do evento?

Francisco Whitaker – Não, não concordo. Nessa crítica que ele faz, ele afirma algo que não é exato, que o fórum se esvaziou. O número de propostas que nasceu no evento é preciso ser lembrado. Por exemplo, o debate que surgiu no Fórum sobre a ALCA levou a que o Brasil não assinasse o acordo. A ALCA morreu por causa da pressão das organizações da sociedade civil, pressão essa que foi articulada a partir de reuniões do Fórum. Ao contrário do que Emir Sader diz, o Fórum não é um movimento, uma entidade que tem seu programa próprio e suas campanhas. Quem tem isso são os movimentos que participam do Fórum. Temos que contar com esse espaço que a sociedade civil não tinha disponível até o fórum aparecer. Os partidos e o governo podiam se articular, mas a sociedade civil não. E cada um continuava trabalhando paralelamente e, muitas vezes, até competindo na mesma área de atuação, ao invés de cooperar entre si. O Fórum é um espaço que cria essa possibilidade. Ele tem que continuar existindo, porque estamos longe ainda de ter a força necessária para mudar efetivamente a lógica do sistema. A última crise financeira que se deu agora, além da ecológica que já vinha acontecendo e que já tinha sido alvo de denúncias muito graves, está aumentando a consciência da sociedade de que o sistema neoliberal capitalista globalizado só leva a injustiças, guerras e a destruição da natureza. Essa consciência está aumentando exatamente porque está existindo a possibilidade desses temas serem apresentados e discutidos.

IHU On-Line - Considerando o evento como um espaço aberto de encontro, como o senhor avalia o Fórum Mundial de Teologia e Libertação?

Francisco Whitaker – É uma demonstração de que o Fórum Social Mundial estimula diferentes setores sociais a realizarem fóruns próprios previamente ao FSM. Assim como houve o Fórum de Teologia e Libertação, houve também o Fórum Mundial de Juízes, o Fórum de Saúde, o Fórum Mundial de Educação, o Fórum Mídia Livre. São todas iniciativas que permitem uma articulação maior entre aqueles que consideram que é preciso mudar o mundo.

IHU On-Line - Qual a importância social, ambiental e política de promover o Fórum na região amazônica?

Francisco Whitaker – A região amazônica constitui, efetivamente, hoje, o ponto focal de uma das maiores crises que o mundo está vivendo, que é essa crise que pode levar à destruição do planeta. Fazer o Fórum aqui no Amazonas torna a região um ponto de atenção para todas as partes do mundo. Assim como Porto Alegre se tornou muito mais conhecida com os primeiros fóruns que se realizaram lá, e com ele, todas as propostas de orçamento participativo que eram experimentadas naquela cidade, aqui no Amazonas os problemas não são apenas locais, são problemas do mundo, pois dizem respeito à natureza. E agora eles vão ganhar uma visibilidade muito maior, porque todos estão com os olhos voltados para essa região do planeta que se chama Amazônia.

IHU On-Line - Como tem aparecido entre os participantes do FSM a relação entre as crises econômica, ambiental e de alimentos?

Francisco Whitaker – Os participantes estão nitidamente interligando essas crises. Há várias oficinas e seminários que estão exatamente em torno da temática do que eles estão chamando de “crise de civilização”. Evidentemente, são seminários que vão sendo feitos paralelamente com outros, porque há 100 mil pessoas aqui e o número dos que participam desses debates é muito menor. Mas essas idéias estão sendo divulgadas, expandidas entre as pessoas e depois do Fórum o processo continua. O Fórum não é um evento que termina em si mesmo. Ele continua com um processo de articulação e de ação cada vez maior.

IHU On-Line - Como o senhor vê hoje a esquerda brasileira e mundial? Os participantes do FSM têm demonstrado interesse em discutir uma possível crise na esquerda?

Francisco Whitaker – Esse tema também é objeto de vários seminários aqui. Objetivamente, o que o Fórum coloca como proposta é uma superação dos métodos tradicionais da política, que reduziram sua ação a ação de partidos e governos, quando a sociedade civil também é um ator político. Toda a ação política também é de cada cidadão. Cada vez mais tem se partido não apenas para uma democracia participativa no funcionamento da sociedade, mas também na própria maneira de fazer e decidir a sua política. Essa crise da esquerda no mundo vem um pouco da perplexidade. Por exemplo, há muitos países no mundo que têm uma esquerda fortalecida e que perdem eleições de uma maneira impressionante. Os casos da França e da Itália são muito característicos nesse sentido.

IHU On-Line - Qual tem sido o peso da participação de movimentos sociais no Fórum?

Francisco Whitaker – O Fórum é composto por três tipos de participantes: os que vêm de ONGs; os que vêm de movimentos sociais, que estão em lutas específicas ou causas determinadas; e os participantes que vêm se sindicatos e uniões de trabalhadores de diferentes tipos. Todos eles têm espaço aberto e têm importância. Tudo depende de que eles mesmos considerem que vale a pena vir aqui para aprender uns com os outros, para trocar experiências e para fazer novas articulações entre si. Está sendo crescente essa participação. A marcha de ontem (terça-feira, dia 27/01) mostrou bem a diversidade de lutas que estão presentes aqui no Fórum.

IHU On-Line – No entanto, alguns teóricos e analistas sociais identificam um descenso nos movimentos sociais. Isso não aparece no Fórum?

Francisco Whitaker – Na verdade, está havendo no Brasil esse descenso, porque o governo atual foi eleito praticamente pelos movimentos sociais e pelas organizações de base da sociedade. E esse governo, além de não atingir as aspirações para as quais foi eleito, está conseguindo desmobilizar muito a sociedade civil organizada por um processo de cooptação, chamando gente para participar do governo. Por outro lado, muitos movimentos sociais brasileiros estão com as mãos um pouco amarradas, sem possibilidade de criticar livremente o governo, porque são dependentes dele, em certo sentido. Eles são mais aliados do governo do que a sociedade civil autônoma. E isso criou efetivamente um descenso. E muitas das nossas lutas sociais perderam o impacto porque, em princípio, o governo seria aliado delas. Mas, na verdade, acaba não realizando o que elas esperam.

IHU On-Line - Qual o significado de realizar o Fórum Econômico Mundial, em Davos, nesse momento de crise financeira? O que muda em relação aos anos anteriores?

Francisco Whitaker – Eles estão em um ambiente de muito derrotismo de suas defesas. Os que estão reunidos lá são os responsáveis por essa crise financeira. São os que sempre disseram que o mercado resolve tudo. E estão vivendo o seu momento de risco, enquanto que aqui no FSM estamos no grande momento da oportunidade.

IHU On-Line - O senhor acha importante o reconhecimento dos participantes de Davos de que erraram em relação ao capitalismo e aos mercados auto-regulados, sem intervenção do Estado?

Francisco Whitaker – É positivo para eles que reconheçam esse erro, porque precisam ser realistas. O próprio presidente do Federal Reserve Bank, dos Estados Unidos, Alan Greenspan, fez declarações inacreditáveis, dizendo que ele nunca imaginava que os bancos pudessem se comportar da forma como se comportaram. Ele sempre achou que o mercado resolveria tudo. E constatou, com essa crise, que não é bem assim, que eles são conduzidos muito mais pela busca de dinheiro, pela ganância, do que pela busca de soluções para os problemas. Para que eles sobrevivam, precisam mudar suas práticas e sua maneira de trabalhar.

IHU On-Line – Considerando o pensamento de Renato Janine Ribeiro, que afirma: “o que deu força ao capitalismo é que apostou em paixões fáceis de seguir. As alternativas a ele exigem mais de nós. O capitalismo é confortável. Não pede uma alta moralidade. Lida com os homens "como eles são". Uma sociedade cristã, socialista ou amiga da natureza demandaria muito mais de todos nós. Será que nos dispomos a pagar o preço da moral? Estaremos dispostos a incluir o heroísmo, talvez até o martírio, em nosso rol de experiências possíveis? Se não, a destruição periódica que o capitalismo efetua pode continuar sendo mais conveniente para nós. Mesmo que, um dia, o planeta acabe.”, o senhor acredita em uma crise do capitalismo?

Francisco Whitaker – A posição que ele coloca nos mostra que o ser humano tende ao egoísmo, ao individualismo, e, portanto, só pensa em si mesmo. Qualquer alternativa mais cooperativa custa mais para as pessoas. Nisso ele tem toda a razão, porque é verdade. Só que aceitar que isso aconteça dessa forma, é aceitar que não possa haver transformação do ser humano, que ele não possa crescer como pessoa humana. O que ele está descobrindo agora com a ecologia, especialmente, é que uma das regras básicas da natureza é exatamente a inter-relação e a cooperação. Isso nós temos que viver, entre os seres humanos, ou nos transformaremos em inimigos e o homem vira lobo do homem. A sociedade de convívio que queremos construir exige mais força.

Mas o que está acontecendo é que esse egoísmo não acontece de forma automática. Há um instinto de sobrevivência que faz com que, quando a sociedade sente que as coisas estão mudando, é preciso fazer um esforço. Há muitos momentos históricos de sociedades inteiras que se levantaram para fazer frente a desafios maiores que acabaram sendo superados. Dizer que o capitalismo pode levar à destruição do planeta terra é uma visão muito pessimista. É uma visão que não acredita na capacidade do ser humano de se superar a si mesmo. E, ao mesmo tempo, não é preciso chegar a um heroísmo, nem ao martírio. Podemos, perfeitamente, ir mudando nossos comportamentos cotidianos, por exemplo, descobrindo que o ser nos deixa mais felizes do que o ter. No Fórum, vejo aquela juventude e percebo que há cada vez mais gente disposta a se superar, para fazer a mudança que o mundo exige. Nós não estamos condenados a destruir o planeta terra. O ser humano tem capacidade de superar tudo isso.



Toussaint - Se um outro mundo possível é com Obama, então não há outro mundo - 31/1/2009.
Presente na mesa "A convergência das crises e a crise de civilização", o sociólogo belga Eric Toussaint discordou de um dos criadores do FSM, Oded Grajew, que declarou a um jornal do Pará que o presidente estadunidense Barack Obama poderia participar do Fórum e seria bem vindo.

A reportagem é de Glauco Faria e publicada no Brasil de Fato.

“Parece que existe uma confusão total sobre a caracterização do governo Obama, do tipo de crise que enfrentamos e da solução que a humanidade precisa”, pondera. “Se um outro mundo possível é com Barack Obama, então não há outro mundo. É necessário uma ruptura com o sistema capitalista, um retorno a mais regulação do Estado na economia é o que pretende quem quer salvar o capitalismo”, completa.

A atual crise econômica resultará em uma saída socialista ou bastará uma maior intervenção do Estado para resolvê-la? Para o sociólogo belga Eric Toussaint, o momento atual exige uma resposta rápida da esquerda mundial.“É uma crise do sistema capitalista, não do modo neoliberal capitalista. E identificar isso é um ponto fundamental para definir uma estratégia de ação, que é um debate crescente no FSM”, argumenta.

O sociólogo também criticou o fato da crise alimentar iniciada em 2007 ter tido tão pouco destaque de parte da mídia em relação à crise financeira. “Nos meios de comunicação do norte é a crise financeira que tem prioridade, mas para a maioria dos povos do sul é a alimentar, já que a maioria da população mundial gasta 70% de seu salário para se alimentar. Passaram de 800 milhões para mais de 960 milhões sofrendo fome no mundo e essa crise é ligada ao sistema capitalista”, esclarece.



Irmã Dorothy é o Anjo da Amazônia - 31/1/2009.
Entrevista especial com o procurador da República Felício Pontes Junior.

Ao relembrar sua participação no Fórum Mundial de Teologia e Libertação, realizado em Belém do Pará de 21 a 24 de janeiro últimos, o procurador da República, Felício Pontes Junior, afirma que “causou enorme comoção o depoimento de defensores dos direitos humanos que estão ameaçados de morte no Pará. No total são 204 pessoas. Todos por defenderem os povos da floresta, como índios, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos. Eles temem ter o mesmo fim que Irmã Dorothy”. Felício esteve ao lado de Marina Silva e Leonardo Boff no referido debate e, na entrevista que concedeu por e-mail para a IHU On-Line, fala sobre a importância destas duas pessoas em sua vida: “Eu agradeço a Deus simplesmente por Ele ter criado Leonardo Boff e Marina Silva”.

Ao refletir sobre a importância da missionária Dorothy Stang, assassinada a tiros, em 2005, no Pará, o procurador declara: “tudo que ela tentou estabelecer foi o desenvolvimento integral dos povos da floresta. Isso implica também na relação do homem com a natureza. Ela trouxe para a prática a Teologia da Libertação em pleno século XXI, mostrando que ainda é o caminho a ser seguido”.

Felício Pontes Junior é procurador da República junto ao Ministério Público Federal em Belém com atuação na área indígena, ambiental e ribeirinha, e é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual sua avaliação geral do Fórum Mundial de Teologia e Libertação e como vê que estão caminhando as atividades no Fórum Social Mundial? Quais têm sido os temas mais recorrentes?

Felício Pontes Junior - O FMTL foi mais do que um congraçamento de religiões. Houve discussões sobre a crise econômica, o aquecimento global e a violação de direitos humanos que devem causar profunda reflexão no modo de agir de teólogos, religiosos, professores e acadêmicos - público do Fórum. Pude perceber um grande interesse desses temas que colocam a Amazônia no centro das discussões. Talvez, por isso, tenha sido tão importante escolher Belém do Pará para sediar o Fórum. Os participantes puderam ter uma experiência única com a realidade da Amazônia e sua grande importância para o planeta.

IHU On-Line - Como foi o debate sobre Direitos Humanos no FMTL? Quais os principais entraves discutidos nessa mesa?

Felício Pontes Junior - Causou enorme comoção o depoimento de defensores dos direitos humanos que estão ameaçados de morte no Pará. No total são 204 pessoas. Todos por defenderem os povos da floresta, como índios, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos... Eles temem ter o mesmo fim que Irmã Dorothy. A solidariedade foi tão forte que foi emitida uma Moção de Apoio ao trabalho dessas pessoas. Quando aos entraves, o mais citado foi a passividade de algumas religiões que se omitem na defesa dos direitos básicos do ser humano, o que infelizmente, ainda é uma realidade, sobretudo nos países violadores de direitos humanos.

IHU On-Line - Para o senhor, como tem sido a participação de movimentos sociais e populares no FSM?

Felício Pontes Junior - Fantástica. Tive a oportunidade de participar de outras edições do FSM e posso testemunhar que a diversidade social continua crescente. Por ser na Amazônia, o Fórum conseguiu congregar o que acho que é o maior encontro de etnias indígenas já ocorrido. As redes de relacionamento que estão sendo estabelecidas levarão a uma aliança mais forte desses povos. Também noto uma presença fortíssima dos jovens. Imagine a cena de trabalhadores rurais dando seu depoimento de violação de direitos, como trabalho escravo, e jovens acadêmicos de todos os continentes assistindo-o. O efeito disso será fantástico na vida desses jovens, o que certamente contribuirá para um novo mundo possível.

IHU On-Line - Qual sua avaliação da mesa com Marina Silva e Leonardo Boff? Qual a importância dessas duas personalidades em relação ao meio ambiente e à fé para o Brasil de hoje?

Felício Pontes Junior - Aqui sou suspeito para falar. São duas pessoas que influenciam diretamente na minha vida. Imagine alguém que trabalha com a missão de garantir os direitos ambientais e dos povos da floresta na Amazônia. Para não desistir diante de tantos obstáculos e amigos mortos somente com muita informação e formação. E esses dois seres humanos atuam em mim, sem saberem, decisivamente, nesses dois aspectos. Foi um presente que organização do Fórum Mundial de Teologia e Libertação me deu e que jamais vou esquecer. Eu agradeço a Deus simplesmente por Ele ter criado Leonardo Boff e Marina Silva.

IHU On-Line - Como tem se debatido o caso da Irmã Dorothy em relação à sua luta?

Felício Pontes Junior - Irmã Dorothy é o Anjo da Amazônia. Tudo que ela tentou estabelecer foi o desenvolvimento integral dos povos da floresta. Isso implica também na relação do homem com a natureza. Ela trouxe para a prática a Teologia da Libertação em pleno século XXI, mostrando que ainda é o caminho a ser seguido. Em duas de muitas de suas frases marcantes, ela disse coisas que retratam bem seu pensamento e modo de agir: "Precisamos de muito esforço para salvar o planeta. A Terra não tem mais condição de nos prover. A água e o ar estão poluídos, e o solo está morrendo pelo uso excessivo de produtos químicos. Devemos ajudar as pessoas a restabelecer a relação com a Mãe-Terra, que é carinhosa e amável". "Não vou fugir nem abandonar a luta desses trabalhadores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor, numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar."

IHU On-Line - Qual o significado político da prisão de Reginaldo Pereira Galvão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da missionária?

Felício Pontes Junior - A prisão de Reginaldo Pereira Galvão é um marco contra a impunidade. Ele é um fazendeiro poderoso na região. Sua prisão deve ter o efeito didático de anunciar que nós não vamos desistir enquanto não estiverem condenados todos os grileiros, fazendeiros e madeireiros que exploram os recursos naturais e escravizam o povo da floresta.

IHU On-Line - Pode nos dar um panorama de como anda a questão da violência no Pará, principalmente em relação aos povos indígenas? Quais os principais casos de injustiça que lá ocorrem e o senhor gostaria de destacar?

Felício Pontes Junior - Além da violência dessa elite econômica da Amazônia ocorre também a violência dos projetos governamentais. Por exemplo, o Governo Federal tem previsto construir mais de 50 hidrelétricas na Amazônia. Isso atinge diretamente várias etnias indígenas. O caso de maior perigo no Pará é o de Belo Monte, no Rio Xingu. O Governo propaga que a usina vai gerar 11.000 megawatts, enquanto que os estudos de universidades brasileiras dizem que haverá a produção de mais ou menos 1.600 megawatts apenas. Será uma catástrofe. Três das maiores construtoras deste país fizeram um consórcio e atuam com forte lobby. Uma delas está também entre os grandes doadores da campanha de reeleição do presidente da República.

IHU On-Line - Qual a relação que podemos estabelecer entre os assassinatos e massacres no Pará e a destruição da floresta amazônica, considerando que ocorrem na mesma área geográfica?

Felício Pontes Junior - Toda. Um estudo de uma ONG de pesquisa da Amazônia chamada IMAZON mostrou que o mapa da destruição ambiental coincide com o mapa da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre os assassinatos e sobre o trabalho escravo na Amazônia. Portanto, quando se combate a destruição da floresta também se está combatendo a violência na Amazônia.



Para onde vai e o que quer o Fórum Social Mundial? - 01/02/2009
A volta da América Latina como sede revigorou o Fórum Social Mundial, mas nem a proximidade dos governos antineoliberais nem a crise econômica resolveram a dúvida que atormenta parte de seus organizadores: para onde vai e o que quer o Fórum Social Mundial?

A reportagem é de Ana Flora e publicada na Folha de S.Paulo.

Nascido em 2001 em Porto Alegre para buscar uma alternativa à globalização e como um espaço de oposição ao Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), o FSM ganhou fôlego nesta oitava edição, em Belém, pelo "enfraquecimento do capitalismo" trazido pela crise e pela presença de cinco presidentes latino-americanos - Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo o francês Bernard Cassen, um dos pais do FSM, a importância não foi só a presença política, mas o fato de os presidentes - com exceção de Lula, diz - levarem adiante políticas para romper com o neoliberalismo. "Esses presidentes mostram, inclusive para a Europa, que para colocar em prática o que o fórum prega precisa-se só de vontade política."

Mas a força trazida pelo viés político-partidário - ao qual o FSM nunca quis se vincular - e pela crise do maior inimigo do evento, o "capitalismo selvagem", apenas esconde o que Cassen define como "um cansaço" no modelo do FSM: ser um espaço aberto a todos os movimentos e organizações que buscam "um outro mundo possível", sem deixar que tal abertura seja comprometida por decisões políticas.

Segundo seu Conselho Internacional, o FSM é uma nebulosa de movimentos sociais, sem posições unificadas. Cassen, assim como Emir Sader, outro organizador do FSM, e o intelectual português Boaventura de Souza Santos, defendem que haja posições comuns. "É um dilema essencial do fórum a decisão de permanecer na intranscendência do intercâmbio de experiências a cada ano ou dois anos ou avançar na construção de alternativas", afirma Sader.

Para Boaventura, a consequência da falta de um consenso no FSM o fez deixar de ter a influência ou exercido a pressão que se desejaria sobre as decisões políticas. "Se o mundo não puder conhecer a posição do FSM [sobre questões como o conflito em Gaza ou as saídas para a crise global] é de prever que o FSM corra o risco de se tornar irrelevante", diz.

Já Cassen propõe que o FSM siga como um espaço de discussão, "mas é preciso que, ao lado dele, movimentos sociais, governos e partidos políticos definam ações concretas". Do outro lado - o que defende que o FSM é o que precisa ser, um espaço para discussão - está outro pai do evento, Oded Grajew. "Já vi muita coisa acabar por causa disso", diz ele, referindo-se à tentativa de forçar posições comuns.



Egon Dionísio Heck - A volta pras aldeias – 04.02.2009
Adital - Egon Dionísio Heck é assessor do Conselho Indigenista (CIMI) de Mato Grosso do Sul.

Um dos destaques da nona edição do Fórum Social Mundial, realizado em Belém de 27 de janeiro a 1 de fevereiro de 2009, foram os povos indígenas. Não apenas pela exuberância e beleza de cores, ritmos, indumentária, instrumentos, propiciando uma rara harmonia e sintonia de vozes e línguas.

Mas não foi apenas essa a forte erupção da realidade indígena nos diversos espaços do Fórum e nas ruas de Belém. Foi principalmente o intenso recado das lutas, resistência e propostas de sociedade que os povos indígenas estão construindo com outros segmentos sociais, em especial na América do Sul. Se o caráter celebrativo e cultural dos povos amazônicos sobressaiu, no cômputo geral das atividades, é bem verdade que a contribuição com os temas políticos cruciais para a humanidade hoje, como a mudança climática, descolonização do saber e do poder, estados plurinacionais, pluralidade jurídica e o bem viver foram os temas trazidos para o debate pelos povos indígenas, especialmente os andinos e América Central.

Neste Fórum Social Mundial uma questão teve quase total convergência: o atual modelo neoliberal está levando à destruição acelerada do Planeta Terra. É urgente superar esse modelo e sua lógica de acumulação, destruição e morte. E neste cenário a sabedoria, as formas de vida e valores dos povos indígenas são elemento não do passado, mas do presente e do futuro da humanidade.

Quanto à realidade da Amazônia, uma das questões que emergiu com mais força foi o posicionamento firme contra os grandes projetos que estão impactando e destruindo a Amazônia, especialmente os projetos de hidrelétricas e mineração, exploração madeireira e agronegócio, como plantação de cana e soja. As manifestações contra a hidrelética de Belo Monte foram exaustivas, diariamente nos diferentes espaços de debate.

Do Ministro da Justiça e presidente da Funai receberam o compromisso do empenho para que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados conforme garante a Constituiçao brasileira e diversas leis internacionais ratificadas pelo Brasil. O Ministro da Justiça Tarso Genro, chegou a afirmar que caso venham pressões que tentem inviabilizar os direitos indígenas ele e o presidente da Funai deixariam seus cargos.

Esse foi o Fórum Social Mundial em que os povos indígenas estiveram não apenas presentes em número expressivo, mais de mil e quinhentos representantes de 120 povos nativos do mundo inteiro. O mais importante é que pela primeira vez tiveram uma comissão indígena atuando junto à coordenação do FSM, para desta forma viabilizar uma visibilidade política ampla e consistente, não apenas na Tenda dos Povos Indígenas, mas em outros espaços temáticos.

Tabatinga. Momento de avaliação, de socializar a riqueza vivenciada, curtir a saudade dos novos amigos e aliados da causa. Estamos avançando rio acima, um tanto cansados, mas com a certeza de que as forças e energias acumuladas nos levarão a participar ativamente na construção de um mundo novo, plural, com os povos indígenas.



Muita água e luta pela frente

Oaki Mayoruna(Matse) olhou calmamente para o mar de água dizendo conformado. "Muito dia ainda pra chegar na aldeia minha, chama Lobo, no Javari. De Atalaia pra chega là leva 8 dia" Se a essa distância subindo o rio Javari acrescentarmos os seis dias subindo o Solimões de Manaus a Atalaia do Norte e ainda os dois dias e meio de Santarém a Manaus teremos mais de duas semanas de viagem. Mais os seis dias em Belém e teremos bem mais de um mês fora da aldeia para participar desse grande acontecimento mundial, e que talvez seja único para muitos. Mas valeu a pena todo esse tempo investido para dizer ao mundo a grave ameaça por que passam as aldeias do Javari com uma população de 3.700 pessoas. Destas, conforme a própria Funasa 80% estão afetados com o vírus da hepatite. Destes grande parte é do tipo B e Delta, que são na maioria das vezes fatais. Oaki Mayoruna, com olhar entristecido. Lá na minha aldeia morreu muitos. Assim barriga fica grande, cuspir sangue, e morrer".

Entregaram uma moção de apoio com muitas assinaturas, a autoridades e imprensa do mundo inteiro. Saíram em cadeia de noticiário nacional no dia 31 e na capa de jornais, como o Liberal de Belém, no dia seguinte. Dra. Débora Duprat, Procuradora da Republica, da Sexta Câmara, em Brasília, disse, ao falar no lançamento do mapa Guarani Reta "me comprometi com os companheiros indígenas do Vale do Javari de encaminhar o mais amplamente possível a gravíssima situação para que sejam tomadas providencia urgentes".

"Raposa Serra do Sol, sem ressalvas" esse foi um slogan repetido e assumido por diversos públicos e tendas temáticas. A delegação de Roraima esteve em inúmeros painéis, seminários, rodas de diálogo e conferencias. Espera-se que esse clamor chegue aos espaços do Supremo Tribunal Federal e aos corações dos Ministros.

Na avaliação da delegação de aproximadamente 21 povos vindos desde a tríplice fronteira Brasil, Colômbia, Peru, no alto Solimões, o que mais ficou destacado foi o protagonismo dos povos indígenas, que deram seu recado quanto à Amazônia preservada com os povos que nela habitam, a rejeição a todos os grandes projetos destruidores, como hidrelétricas, mineração e outros... Finalmente disseram ao mundo que estão vivos, cuidaram da Amazônia durante milênios e estão aí para ajudar a construir as alternativas de vida com dignidade nessa região e no Brasil.

Voltando para as aldeias muito terão que contar para seus povos que ficaram nas aldeias. O formigueiro, onde por vezes se sentiram um tanto perdidos, deixou muitas impressões e lições importantes, que durante dias e noites serão socializadas na extensa floresta amazônica e nas beiras dos milhares de rios e igarapés.

Enquanto o barco vai subindo Amazonas acima, se alternando a calmaria e banzeiros com tempestade, vamos socializando essas impressões, desde Santarém.

Rio Amazonas, 4 de fevereiro de 2009





Assembléia das Assembléias teve pouca força aglutinadora - 02/02/2009
Agência Carta Maior

Esvaziado, o encerramento do FSM 2009 foi uma sucessão de monólogos sobre as mais diversas causas discutidas no Fórum, mas pouco teve de força aglutinadora. Chamada para ação global no final de março será prova de fogo para a capacidade de articulação do movimento altermundista.

Verena Glass (fotos: Verena Glass)

BELÉM - O Fórum Social Mundial 2009, que começou com chuva e festa na marcha de abertura do dia 27 de janeiro, terminou com chuva e uma certa melancolia no dia 1 de fevereiro. Muito poucos dos 133 mil inscritos neste FSM participaram efetivamente do que deveria ser a articulação final e o compromisso com a continuidade dos debates e ações surgidos no Fórum, apresentados por representantes de movimentos e organizações sociais e não governamentais na chamada Assembléia das Assembléias.

Reservada à sistematização das propostas dos diversos setores que participaram do evento, a manhã do domingo, dia 1º, deveria ter tido 22 assembléias temáticas - Justiça Climática em Copenhagen, Assembléia de direitos humanos, Assembléia dos Direitos Coletivos dos Povos, Assembléia "Crise Civilizatória, Bem Viver e Direitos Coletivos”, Assembléia Geral contra a guerra, bases militares, militarismo e armas nucleares, Assembléia Pan-Amazônica, assembléia Diante da crise, desenvolver o Fórum Social como um processo permanente a partir das propostas, Assembléia Ciêncas e Democracia, Assembléia de Negras e Negros no FSM 2009, Assembléia de Mulheres, assembléia Por um mundo sem dívida: Auditoria e Reparações Já!, assembléia Rede de intercomunicação e de boas experiências, assembléia Globalizar a declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígena, Assembléia mundial da rede internacional unidas de direitos humanos, assembléia Luta contra a corrupção e a impunidade, assembléia Justiça para a Amazônia, assembléia Fórum Mundial da Educação, assembléia Alternativas às políticas migratórias securitárias, assembléia Uma resposta global contra a crise financeira, assembléia Cultura e educação transformadora, assembléia Alternativas para proteção dos ecossistemas Amazônicos, e assembléia O trabalho na crise global.

Por falta de organização interna, muitas assembléias não ocorreram. Outras adotaram um tom generalista de denúncias e posicionamentos políticos, e poucas foram as que de fato apontaram agendas e propostas de ação concretas, o que fez da Assembléia das Assembléias, ocorrida no período da tarde, uma longa sucessão de enunciados sem muito entusiasmo ou participação.

Quanto à nova agenda do FSM 2009, a linha havia sido dada na assembléia dos movimentos sociais, ocorrida no dia 30. Ou seja, um chamamento mundial para protestos contra o capital e a guerra entre os dia 28 de março e 4 de abril, um dia de solidariedade à Palestina no dia 30 de março, as mobilizações em datas significativas (dia da mulher, dia do trabalhador rural, etc) e durante eventos multilaterais (Cúpula do G8, Cúpula Climática, etc), além de um dia de ação global por justiça climática (12 de dezembro) e outros encontros temáticos e regionais.

Quanto a propostas mais concretas, algumas assembléias avançaram um pouco, mas há que se avaliar ainda a força de mobilização dos setores e as possibilidades de implementação. O Fórum Social Panamazônico, que este ano teve sua quarta edição no dia 28, chamou uma nova reunião das organizações dos países panamazônicos e dos organizadores dos chamados encontros sem fronteira para Belém no dia 15 de junho. A idéia é avançar em campanhas como a abertura das fronteiras da região para as comunidades indígenas e tradicionais, o combate aos crimes ambientais e aos massacres de movimentos sociais e comunidade (como indígenas e agricultores da Colômbia, alvos do governo, de paramilitares e das guerrilhas), e preparar o 5º Fórum Social Panamazônico, ainda sem data definida.

Já os povos indígenas da América Latina, que indicaram o dia 12 de outubro como dia internacional de luta contra a colonização, propuseram um Fórum Social temático sobre os processos colonizadores e as formas de resistência e retomada dos direitos fundamentais das populações tradicionais, a ser melhor discutido em uma cúpula indígena nos dias 27 a 31 de maio.

O movimento de solidariedade ao povo palestino reforçou o apelo pela ampliação das campanhas de boicote aos produtos e empresas israelenses, aos acordos de livre comércio e tratamentos preferenciais com Israel e pressões para que o país seja processado por crimes de guerra e contra a humanidade em tribunais internacionais. O último ponto foi apresentado também pela assembléia dos movimentos anti-guerra, que propuseram campanhas globais pelo fim da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte, que em 2009 ano completa 60 anos) e do Africom (United States Africa Command), força militar americana sediada na Alemanha e criada em outubro de 2008 para combater supostas forças terroristas no continente.

Os movimentos de defesa dos direitos dos migrantes propuseram ações nacionais e pressões sobre os governos para que a migração seja considerada um direito – como consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos - e não um crime, demandando a regularização de imigrantes indocumentados, marcos regulatórios neste sentido na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na ONU e o reconhecimento dos refugiados ambientais como migrantes climáticos. Também propuseram 17 de maio como um dia internacional de ação contra as políticas de migração da União Européia.

Por fim, as organizações que discutiram a crise global do ponto de vista macroeconômico, como ATTAC, Action Aid e Fórum Mundial das Alternativas, entre outros, foram as que elaboram termos mais concretos para uma nova ordem econômica mundial, sem, no entanto, apontar estratégias de viabilização. Entre as propostas deste grupo, constam uma reforma radical da Organização das Nações Unidas, que, como está, já teria perdido seu propósito frente à hegemonia estadunidense, a dissolução de instituições multilaterais como o FMI e o Banco mundial, o desmantelamento dos paraísos fiscais e o fim do dólar como moeda de referência das reservas mundiais.

Como alternativa, propõem a criação de novos sistemas financeiros e de uma nova moeda base em substituição ao dólar, a criação de um mecanismo global de controle público das instituições financeiras e dos bancos, outro mecanismo fiscal de combate à evasão de divisas, e a criação de taxas globais para financiar bens públicos mundiais.

Longe de ser a tão sonhada convergência final do FSM 2009, a Assembléia das Assembléias acabou se tornando mais um pedido de ajuda dos vários segmentos, um pedido de adesão às suas causas, do que uma articulação de forças. Foram longos monólogos que tiveram aceitação geral, mas que pouco despertaram o entusiasmo das grandes campanhas do FSM dos primórdios, como o movimento anti-guerra de 2003. A chuva que gerou alegria na marcha de abertura só criou poças e lama no encerramento. Agora, é preciso esperar no que resultará a convocação da semana de mobilização do 28 de março ao 4 de abril, única convergência de fato das forças do FSM. Será uma prova de fogo para o movimento altermundista e seu futuro enquanto processo de construção de um novo mundo.



Discriminações e proteção a ativistas são eixos de luta em 2009– 02/02/2009
Agência Carta Maior

Em assembléia realizada no último dia do Fórum Social Mundial 2009, em Belém, organizações de defesa dos direitos humanos construíram linhas de ações comuns para o ano. Combate a todas as formas de discriminação e proteção aos defensores de direitos humanos estão no centro da pauta.

Bia Barbosa

BELÉM – Sem dúvida, esta foi uma das atividades mais simbólicas em termos da representação da diversidade característica do Fórum Social Mundial. De um lado, grupos de ativistas indianos, defendendo os direitos dos dalits, a chamada casta intocável. De outro, mulheres do Congo vítimas da guerra que assola o país. Ao centro, organizações da Etiópia criticando governos africanos que violam o direito de associação da sociedade civil. Mais a frente, missionários religiosos brasileiros, daqui do Pará, cujas vidas seguem ameaçadas por defenderem outro modelo de desenvolvimento pra região. Ao centro, franceses, holandeses, costa riquenhos...

Todos os povos e todas as lutas tiveram espaço para se manifestar na Assembléia dos Direitos Humanos, que aconteceu neste domingo (1), último dia do Fórum Social Mundial. Pensada para facilitar e estimular a construção de convergências e ações conjuntas entre as organizações de defesa dos direitos humanos presentes em Belém, a Assembléia dos Direitos Humanos apontou quatro grandes eixos para a mobilização global do setor ao longo de 2009, confirmando que o Fórum é, sim, um espaço para o desenvolvimento de ações concretas rumo a um outro mundo possível.

O primeiro deles é a proteção dos defensores de direitos humanos, que sofrem globalmente uma política de criminalização por parte dos Estados e também das empresas transnacionais. “A cada dia cresce a criminalização dos protestos sociais e de quem está a frente deles. Estamos observando esses casos para levá-los a fóruns internacionais, investigando e denunciando países”, contou Elin Wrzoncki, da Federação Internacional de Direitos Humanos.

“É preciso esclarecer a sociedade sobre as relações de interesses em jogo. Os defensores de direitos humanos são criminalizados na medida em que se colocam contra o modelo de desenvolvimento atual. Temos que criar formas de proteção legal para que possam seguir a luta”, acrescentou Rosa Correa, da Sociedade Paraense de Direitos Humanos.



Ainda dentro deste eixo, as organizações pretendem trabalhar o direito à memória e à verdade do período das ditaduras da América Latina, com a abertura de arquivos e a alteração de interpretações equivocadas de leis de anistia, como ocorre no momento no Brasil.

Uma segunda prioridade de lutas será dada ao combate a todas as formas de discriminação: contra os povos indígenas, minorias, praticantes de todas as crenças religiosas, pessoas com deficiência etc. Neste sentido, a organização do Fórum Social Mundial foi criticada por não garantir nenhuma estrutura de apoio e acesso aos espaços para as pessoas com deficiência, tornando-as ainda mais invisíveis no seio do FSM.

Deste eixo de lutas sai o terceiro, que deve se concentrar nas violações de direitos humanos relacionadas às questões de gênero. As mulheres hoje, maioria do planeta, são as principais vítimas da violência em todas as suas formas, tornado necessário, na avaliação dos movimentos, um eixo exclusivo para trabalhar essas questões.

Por fim, 2009 também será um ano de batalhar a implementação e respeito aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). Ameaçados de forma ampla e transversal pelo atual modelo de desenvolvimento capitalista, tais direitos vêm sendo cada vez mais violados diante do impacto de decisões irresponsáveis das transnacionais.

“As corporações internacionais e os grandes conglomerados têm violado diversos direitos , agindo sozinhas ou apoiando a ação de Estados. Precisamos fazer uma campanha para cobrar a responsabilidade dessas companhias”, acredita Elin Wrzoncki. Para Salomão Ximenes, da Plataforma Dhesca Brasil, o processo de desenvolvimento atual está tão pouco preocupado com impacto que suas ações terão nos direitos humanos que as violações estão aumentando. “ A questão do modelo energético, por exemplo, perpassa diversos pontos, como as barragens no Rio Madeira e em Belo Monte, a transposição do São Francisco e os canaviais no interior de São Paulo, que têm levado ao trabalho escravo”, explicou.

A Plataforma Dhesca Brasil trabalhará este ano pela ratificação do protocolo alternativo do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais Culturais e Ambientais, ainda não assinado pelo Brasil. O protocolo, aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 10 de dezembro de 2008 – aniversário de 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos –, permite a apresentação de casos individuais de violação de tais direitos diante do sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

”O grande desafio do FSM é agregar diferentes vertentes. Este ano trabalhamos com um formato privilegiado, que amarrou discussões para que fossem elaboradas estratégias específicas por temática”, explicou Rosa Correa. “Com todos os revezes na organização, nossa avaliação é positiva em termos de tirar da invisibilidade os problemas que ocorrem na América Latina. Acredito que o que sai daqui pode contribuir de forma efetiva nas políticas públicas dos países. Este é um dos resultados positivos concretos do Fórum”, concluiu Rosa.

A Assembléia dos Direitos Humanos também apoiou uma moção de solidariedade ao povo Palestino e organizações de diversos países se comprometeram em participar da mobilização global acerca dos ataques de Israel que ocorrerá no dia 30 de março de 2009. O ano está só começando.



O mundo mudou e está em crise. E o Fórum Social Mundial? -31/01/2009
Clarissa Pont - Agência Carta Maior.

O slogan "outro mundo possível" define a agenda do Fórum Social Mundial e a crise econômica mundial apontada por todos como um terremoto cujas ondas provocarão pesados estragos interroga-a agora frontalmente. Em um debate que reuniu Emir Sader, Michael Löwy e Luis Hernández Navarro, uma advertência se repetiu com diferentes matizes: o próprio FSM não está livre dessas ondas. Ou define uma estratégia de luta política que leva em conta o que pode ocorrer nos próximos meses, ou corre o risco de ser soterrado pelos escombros do mundo atual.

BELÉM - Em encontro promovido pela Revista Margem Esquerda, da Editora Boitempo, neste sábado (31), o sociólogo Emir Sader, o pesquisador do Centre National des Recherches Scientifiques (CNRS), Michael Löwy, e o jornalista Luis Hernandéz Navarro, do La Jornada, analisaram a situação atual do FSM e avançaram perspectivas para um público que lotou o Auditório Setorial Básico da Universidade Federal do Pára.

"O mundo está em crise. Lucien Goldmann disse que uma das características do capitalismo é a sua indiferença axiológica, sua indiferença ética e moral. Ele é perfeitamente compatível com a democracia, com a guerra, com a barbárie, com o fascismo. Essa é a indiferença ética do capitalismo. Temos três crises. A econômica, a alimentar e a ecológica. As conseqüências da crise ecológica devem ser dramáticas. Infelizmente não temos outro planeta para mudar no universo. Para enfrentar essas três crises nós temos que pensar em alternativas que sejam radicais, ou seja, que arranquem o mal pela raiz”, iniciou Michael Löwy, depois de devolver a agenda e o casaco de Boaventura Souza Santos. O sociólogo português, que participara de mesa pela manhã no mesmo local, havia esquecido seus pertences na mesa.

“Não vamos esperar que essa crise acabe com o capitalismo. Walter Benjamim, que é um pensador que eu respeito muito, dizia que o capitalismo nunca vai morrer de morte natural. Por mais que ele tenha crises, sempre dá a volta por cima. A não ser que a gente dê cabo dele. A solução não é uma versão mais verde, mais civilizada, mais ética e regulada do modo de produção capitalista. Nós temos que pensar em uma alternativa revolucionária”, completou Löwy. Segundo ele, a Amazônia é o local perfeito para a realização desta nona edição do FSM, já que os debates em torno da questão ambiental foram um dos eixos principais do encontro. Escolhido com antecedência de quase dois anos, o tema da Amazônia e de seu papel no equilíbrio ambiental do planeta deveria inicialmente ser o central de todo o evento, mas ficou circunscrito ao primeiro dia de atividades (na quarta, 28, aconteceu o Dia Pan Amazônico) e diluído em outros dez eixos escolhidos pelo Conselho Internacional para os demais dias. O tema da crise e da guerra na Palestina acabaram recebendo tanta ou mais atenção nesses dias que passaram.

E onde está o outro mundo possível, depois do encontro na Amazônia, para Löwy? “A resposta, como diz a canção, está no vento. Em particular, nos ventos da América Latina. A solução radical e revolucionária já está sendo discutida pelos movimentos sociais, por alguns governos, e é o que está se chamando de o socialismo do século XXI. É o nome dessa alternativa, é essa a resposta, é um outro paradigma de civilização. Esse socialismo se reclama de José Carlos Mariátegui, de Ernesto Che Guevara, de Farabundo Martí e se reclama de alguém como Chico Mendes”, respondeu.

Nesta edição, experiências importantes na América Latina em particular mostram que outro mundo continua sendo possível, principalmente pela experiência dos movimentos sociais e governos progressistas e de esquerda no continente. “Começou um período novo, é fundamental entender o momento em que os movimentos sociais elegeram seus próprios governos, como aconteceu na Bolívia. Agora se estabelece uma relação nova com a política e passa-se a disputar a hegemonia de outra forma. Digo isso não para tornar o Fórum governamental ou estatal, nada disso. Mas o Evo Morales não devia ter vindo fazer dois discursos. Devia ter trazido as experiências dele aqui”, disse Emir Sader.

Para ele, existe “uma espécie de pecado original do Fórum. Ele surgiu dirigido por um secretariado de oito organizações brasileiras, o problema é que seis são ONGs e duas são movimentos sociais, MST e CUT. Imagina a desproporção. MST e CUT têm a existência inquestionável, votam as suas decisões, elegem seus representantes. Apesar de algumas ONGs serem conhecidas, como o Ibase, outras são tão desconhecidas que dois de seus representantes mudaram sua representação, eles continuam lá, mas mudaram a representação da organização onde eles supostamente estão. Elegeu-se um secretariado amplo, mas formado por entidades de vários países que tem dificuldade de se estruturar, então eles continuam existindo como Comitê Facilitador”.

A tensão sobre os rumos do fórum vem desde Porto Alegre. Nos primeiros anos, houve quem negasse a luta política, quem fizesse cara feia diante da participação dos partidos e dos chamados movimentos sociais tradicionais (sindicatos, entidades estudantis e outros) e quem rejeitasse a idéia da força das ONGs na construção do processo do Fórum. Segundo Emir Sader, “as ONGs não podem ser o paradigma político de um outro mundo possível. Nós teremos que construir isso. Elas têm lugar aqui, no entanto, o protagonismo tem que ser dos movimentos sociais”. Luiz Hernandez Navarro, acredita que “isso gera uma contradição cada vez mais insustentável, que são as duas contradições principais do Fórum nos dias de hoje: entre a dinâmica e a lógica de funcionamento das ONGs e, por outro lado, o tipo de relação que é necessário estabelecer com a política institucional e com as mobilizações sociais e os governos progressistas”.

O jornalista mexicano ainda remontou uma parte da história do movimento altermundista: “O historiador inglês Eric Hobsbawm fala que o século XX começou com a Revolução Russa de 1917 e terminou com a queda do Muro de Berlim em 1989. Há quem afirme que o século XXI começou com o 1º de janeiro de 1994, a partir do levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional, ou no final de 1999 com os protestos contra a OMC em Seattle, que apresentam o que depois viria a ser o movimento altermundista. É quando se começa a plantar a semente de um novo sujeito político social alternativo que o escritor Manuel Vasques Montalbán, já falecido, chamou de os globalizados. O novo século, então, começa com a revolta dos globalizados que seriam, na lógica dele, o equivalente ao proletariado nos primeiros anos do capitalismo. Que isso nos valha como uma descrição do que hoje estamos vivendo: a emergência deste novo ator que possui distintas características em todo o mundo, um ator constituído no marco da globalização capitalista”.

Navarro apresentou a seguinte análise sobre esse tema:

“Na tradição da esquerda, as internacionais eram tradicionalmente de origem operária. Eram os grandes sindicatos que serviam de coluna vertebral. Isso não existe mais, o movimento sindical está aí, é uma cor a mais no conjunto do Fórum, mas está muito longe de hegemonizar. Estamos falando aqui de algo que mescla três atores fundamentais: por um lado, ONGs e fundações internacionais, muitas das quais se apresentam como representantes da sociedade civil sem que seja correto falar assim, porque a sociedade civil por definição não tem representação. Não há quem possa falar pela sociedade civil. O segundo ator são claramente os movimentos sociais e o terceiro são os intelectuais e acadêmicos. Todos desempenham um papel dentro fórum muito complexo e difícil de definir".

"Depois de Nairóbi, em que até empresas privadas financiaram o Fórum, teve quem falasse de que a frase ‘outro mundo é possível’ deveria ser trocada para ‘outro turismo é possível’. Não estou exagerando. Dava impressão de que o modelo nascido em Porto Alegre encontrava seu esgotamento. Mas o Fórum hoje me parece três coisas. Primeiro, ele existe, não é uma invenção, não é uma quimera. O Fórum influi na tomada de decisões políticas de estados, influi em partidos e em movimentos sociais. O Fórum é a única organização multi-setorial internacional com um projeto emergente”.

Enfim, por onde anda o outro mundo possível quando diversas possibilidades não são mais utopia? Em Belém, em Porto Alegre? Em Seattle, nas primeiras manifestações contra a Organização Mundial do Comércio? Em Washington, Sidney ou Gênova, onde elas prosseguiram? No Equador, nas manifestações contra o Tratado de Livre Comércio Andino? Nos governos progressistas da América Latina? Na luta contra Davos, Guantánamo, e o massacre na Faixa de Gaza?

O slogan "outro mundo possível" define a agenda do Fórum Social Mundial e a crise econômica mundial apontada por todos como um terremoto cujas ondas provocarão pesados estragos interroga-a agora frontalmente. Seguindo as análises de Sader, Löwy e Navarro, o próprio FSM não está livre dessas ondas. Ou define uma estratégia de luta política que leva em conta o que ocorrerá no mundo nos próximos meses, ou corre o risco de ser soterrado pelos escombros do mundo atual.



Debates do FSM trouxeram propostas para enfrentar crise – 01/02/2009
Agência Carta Maior
A maioria dos debatedores que participou de atividades sobre a crise no FSM 2009, em maior ou menor grau, defende como iniciativas imediatas a elevação do salário mínimo, a ampliação de políticas de proteção social, a defesa do serviço e dos bens públicos, o fim da independência do Banco Central e a nacionalização dos bancos privados.
Denise Lobato Gentil e Gilberto Maringoni

BELÉM - Um espectro rondou o Fórum Social Mundial. O fantasma da crise econômica esteve presente em centenas de debates e oficinas nestes dias chuvosos em Belém.

Mesmo os debates focados em temas aparentemente distintos, como comunicação, ecologia ou direitos das minorias acabaram por se referir ao cataclismo econômico. O encontro acabou por se transformar na "primeira manifestação popular global contra a crise", de acordo com François Sabado, dirigente da Liga Comunista Revolucionária, da França.

A multiplicidade de intervenções e análises feitas por economistas, cientistas políticos, historiadores, sociólogos e pesquisadores de várias correntes de opinião apresenta diferenças quanto aos objetivos e algumas convergências em algumas medidas imediatas a serem tomadas. O Fórum não se propõe a grandes sínteses, o que é um problema. Mas pode-se, arbitrariamente, tentar estabelecer alguns fios de continuidade entre o muito que foi falado em diversas mesas.

Pelo próprio caráter do evento, a grande maioria dos expositores situa-se no espectro que vai do centro à esquerda. Entre eles, poderíamos dizer que há duas grandes vertentes, os que buscam superar a fase neoliberal recuperando um desenvolvimentismo regulado pela ação estatal e os defensores de uma ruptura socialista. Mas, aparentemente, ambos concordam que as ações de curto prazo devem ser anticíclicas, tendo o Estado como protagonista. O objetivo é conter o desemprego e as conseqüências sociais do desastre.




Crise de civilização

No debate "A crise econômica mundial e os desafios para a esquerda", François Sábado fez uma observação preliminar: "Esta é a primeira crise profunda do capitalismo globalizado. Não tem por origem problemas nas finanças, mas na esfera produtiva, na essência do capitalismo global". Segundo o dirigente francês, a turbulência atual possui dimensões econômicas, sociais, políticas, energéticas, climáticas e alimentares. "Uma crise de civilização", em resumo. Sua feição mais visível revela uma profunda derrota das políticas neoliberais.

Sábado avalia que se a esquerda e as forças populares não conseguirem encontrar um programa mínimo comum para agir, corre-se o risco da disputa pela superação da crise ficar entre "os neoliberais e aqueles que desejam reformar o capitalismo". O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), aponta uma orientação geral, sintetizada na consigna "os trabalhadores não podem pagar a conta da crise".

A Central dos Trabalhadores do Brasil, vinculada ao PCdoB, defende, por exemplo, empresas que recebam financiamento público não possam demitir trabalhadores. A CUT vai pela mesma linha e exige a queda imediata da taxa de juros. O PSOL pede ainda estatização do sistema financeiro e o controle dos fluxos de capitais, como iniciativas de curto prazo. São tópicos complementares entre si.



Diferente das anteriores

O presidente do IPEA, Marcio Pochmann, no debate "Energia, Soberania e trabalho", lembrou que a crise atual se diferencia das anteriores em vários aspectos, "alguns deles positivos para o seu enfrentamento". De acordo com o economista, antes quem propunha e impunha saídas para a crise era o FMI. Hoje, os Estados nacionais tendem a assumir o comando. Com isso, as políticas de proteção ao trabalho são decisivas. "Na fase em que o FMI ditava as regras de recuperação, as preocupações eram menos Estado, mais mercado, privatizações, abertura comercial e financeira", afirmou o economista. Desta vez, o Estado é tomado como o único agente capaz de refazer o capitalismo, diz ele.

O sociólogo alemão Elmar Altvater acrescentou, no debate "Crise global e alternativas do sul" que "Em outros tempos, as propostas de recuperação não tratavam de problemas climáticos". Nos dias que correm, segundo ele, um novo paradigma energético e ecológico é tido como urgente e parte indissociável da superação dos problemas.

Para o ex-diretor da Petrobras, Ildo Sauer, é necessário reprogramar a estrutura produtiva dos paises periféricos, muito dependentes de empresas multinacionais. A remessa de lucros para o exterior, em períodos críticos, provoca desequilíbrios nas contas nacionais, diz o especialista. "O predomínio de commodities na pauta de exportações fragiliza as economias quando o valor desses bens sofre profundas oscilações".

Uma idéia geral, ventilada, entre outros, por Pochmann, é a de que a crise reavivou a noção de que o Brasil e os demais paises da periferia são profundamente dependentes dos fluxos de capitais externos. Seria necessário, por isso, refazer e fortalecer o sistema de crédito interno para reduzir impactos das crises externas. Bancos de investimento como o BNDES, são fundamentais para proteger a região da propagação interna e financiar setores estratégicos.

Laís Abramo, representante da OIT no Brasil advoga a necessidade do aumento da cobertura do seguro-desemprego, de políticas de qualificação dos trabalhadores e de atenção aos setores mais fragilizados do mercado, como pequenas e micro empresas, mulheres, negros etc.



Auditoria da dívida

Uma das mesas mais concorridas, com cerca de 500 pessoas, reuniu o deputado Ivan Valente (PSOL), o belga Eric Toussaint e Maria Lucia Fatorelli, da Unafisco, em torno do tema do endividamento público, tema, segundo ele, central a ser enfrentado no debate sobre a desaceleração econômica. O parlamentar acaba de obter a aprovação para a instalação na Câmara federal da CPI da dívida pública.

Foi unânime entre os participantes a necessidade de uma auditoria da dívida pública interna e externa. "As elevadas taxas de juros e a carga tributária regressiva são os principais instrumentos de concentração de renda e de poder pelo mercado financeiro", diz Valente. "Lula faz o trabalhador pagar pela crise: dá dinheiro para as empresas que patrocinam ondas de demissões". Em suas palavras, mexer na dívida significa mexer no modelo neoliberal. O deputado recomenda o fim do superávit primário, uma imposição do mercado financeiro, para que haja mais dinheiro para investimentos.



Disputas políticas

A maioria dos debatedores sobre a crise, em maior ou menor grau, defende como iniciativas imediatas a elevação do salário mínimo, a ampliação de políticas de proteção social, a defesa do serviço e dos bens públicos, o fim da independência do Banco Central e a nacionalização dos bancos privados.

Ainda é difícil dizer qual a direção que as disputas políticas pela solução da crise tomarão. Talvez as futuras reformas se limitem à superfície do sistema e a algumas regiões do planeta. É possível também que o poder imperial norte-americano, longe de se enfraquecer, se fortaleça e volte a impor suas diretrizes políticas, econômicas e bélicas sobre o resto do mundo. Tudo dependerá da luta política, da consciência popular e da correlação de forças nos embates pela reforma ou pela superação do capitalismo. (Colaborou Bia Barbosa)



Por que os presidentes vieram ao Fórum? - 30/01/2009
Gilberto Maringoni - Agência Carta Maior

O encontro de cinco presidentes marca um dos pontos mais altos de todas as edições do FSM. Todos se legitimam e legitimam o evento, que torna-se definitivamente parte da agenda política mundial. Lula, que esteve duas vezes em Davos, decidiu não subir aos alpes suíços neste ano.

BELÉM - A quinta feira, 29, foi o principal dia do Fórum Social Mundial de 2009. Em um evento tradicionalmente fragmentado, difícil de ser coberto jornalisticamente, tal a multiplicidade de debates e encontros de qualidade, a síntese foi feita pela política. Pela grande política.

Três iniciativas de envergadura marcaram o dia e tornaram o encontro de Belém um marco da agenda política internacional. O primeiro foi a assembléia realizada à tarde entre os movimentos sociais e os presidentes da Venezuela, da Bolívia, do Paraguai e do Equador. O segundo, simultâneo, marcou a presença da ministra Dilma Rousseff e de várias dirigentes políticas do Brasil e do exterior. E a apoteose aconteceu no ato para 12 mil pessoas, com a presença de Lula e um bis de Hugo Chávez, Evo Morales, Fernando Lugo e Rafael Correa. Entre os dois atos com os chefes de Estado, aconteceu uma rápida reunião fechada entre eles, uma mini cúpula latinoamericana. É algo inédito no âmbito de um encontro de movimentos sociais de todo o planeta. Até mesmo a ex-candidata à presidente da França, Ségolène Royal, marcou presença em terras amazônicas. Veio para ouvir, ressaltou.



Melhores momentos

Foi um dos melhores momentos de todas as oito edições do FSM. Lula, que participou de quatro das iniciativas em Porto Alegre e marcou presença por duas vezes em Davos, decidiu não subir aos montes suíços neste ano. Mais do que ninguém, ele sabe do possível desgaste em associar sua imagem à parte dos financistas responsáveis pela crise econômica internacional.

Chávez, por sua vez, reconhece há muito a importância do evento ao qual compareceu por três vezes. Em 2003, acossado por um locaute petroleiro de dois meses que quase o derrubou, decidiu vir ao Fórum com o objetivo de ganhar legitimidade internacional para seu enfrentamento.

O que leva chefes de executivo a abrirem espaço em suas agendas para comparecerem a um encontro dessa natureza? Certamente votos é o que não vêm buscar. Mas procuram solidificar ou recompor vínculos objetivos e simbólicos com setores da sociedade que alicerçaram suas trajetórias e, em última análise, sustentam suas administrações. O caminho não é de mão única. O encontro ganha peso e densidade política internacional com isso.

Certas divergências organizativas ficaram para trás. Não se questiona mais uma suposta autonomia entre Estado e Fórum Social, em uma clara indicação que o debate em seu interior mudou de patamar, para melhor.



Disputa

Nem tudo é tranquilo, no entanto. As duas atividades desta quinta com os chefes de Estado envolveram uma disputa, estabelecida entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o governo Lula. Descontentes com o que avaliam serem os poucos avanços da reforma agrária, os dirigentes do movimento decidiram não convidar o presidente brasileiro para a atividade do período da tarde.

Sua própria realização por pouco não fica comprometida pela absoluta falta de lugares disponíveis na capital paraense, nesses dias de grandes e pequenas plenárias. A saída foi buscar o auxílio do PSOL, que havia obtido a cessão de um ginásio universitário para uma plenária sindical. O partido abreviou suas atividades e com isso, cerca de 1,2 mil ativistas puderam participar de um encontro que expressa "um momento mágico da América Latina", segundo as palavras de Rafael Correa.



Diálogo

Em um diálogo inédito, os quatro mandatários ouviram previamente demandas de representantes dos movimentos, o que levou Morales a lembrar que "somos presidentes originários das lutas sociais continentais". O líder boliviano era o mais entusiasmado de todos. Acabara de vencer o plebiscito que aprovou por larga maioria a nova constituição do país, reduzindo o espaço institucional da oposição de direita.

Em sua intervenção, Fernando Lugo decidiu radicalizar. Afirmando desejar unificar as lutas regionais, ressaltou que isso não implica "abrir mão de nossos direitos". E emendou sua principal reivindicação: "Queremos o preço justo e a possibilidade de dispormos livremente de nossa energia. Lula não pode dizer não, pois o tratado foi firmado entre duas ditaduras".

O ex-bispo referia-se ao tratado de Itaipu, firmado em 1973 entre Brasil e Paraguai, que dá preferência ao primeiro na compra e na fixação dos preços do excedente energético paraguaio. "Queremos voltar conquistar a nossa dignidade e negociar de igual para igual. Enquanto não alcançarmos isso, nossa alma não terá paz". Mais tarde, na presença de Lula, Lugo faria um discurso mais moderado, não entrando em maiores polêmicas.



O encontro com Lula

À noite, cerca de 12 mil pessoas aglomeraram-se no Hangar, imenso salão de convenções, em atividade promovida pelo Ibase, pelo Instituto Paulo Freire e pela Central Única dos Trabalhadores. Telões ampliavam as imagens dos cinco dirigentes. As falas foram curtas e mais objetivas.

Chávez, que se estendera por 53 minutos à tarde, discursou por apenas 15. As ovações ao anúncio de seu nome só foram suplantadas quando Lula tomou a palavra para um discurso iniciado com uma homenagem aos mortos nas lutas pela democracia no continente. Pedindo a unidade das forças populares contra a crise, o brasileiro não buscou esconder diferenças. "É melhor ter divergências e sentar para conversar em torno de uma mesa do que fazer de conta que tudo está indo bem. Agora o jogo é o da verdade".




Eleições

João Pedro Stédile chegou a falar, no encontro com os movimentos populares, que as eleições não resolvem os problemas da região. "Se fosse assim, a Itália estaria muito bem", disse ele. Não é bem assim. Todos os mandatários latinoamericanos foram eleitos, reeleitos e referendados em seguidas consultas populares. Se a democracia real não conseguiu resolver os problemas, as soluções devem ser buscadas nas combinações de demandas sociais com o alargamento dos espaços institucionais. O próprio Fórum Social Mundial não existiria se governos democráticos não tivessem sido eleitos e investido dinheiro e estrutura em iniciativas desse tipo.

Nos tórridos dias de Belém, muitos se queixam de falhas na organização. É natural, mas tudo acaba se articulando. Davos, por sua vez, aparenta funcionar com a precisão dos outrora famosos relógios suíços. Mas a desorganização que suas diretrizes provocaram no mundo tem poucos paralelos na história recente...



Boaventura - FSM: O Ano do Futuro - 29/01/2009
Boaventura de Sousa Santos - Agência Carta Maior

Os acontecimentos que marcam o início de 2009 são de tal modo importantes que se o mundo não puder conhecer a posição do Fórum Social Mundial sobre eles é possível prever que o FSM corre o risco de se tornar irrelevante.

A grande mídia divulgou à saciedade o diagnóstico da situação mundial feita pelo Forum Econômico Mundial (FEM) na sua reunião deste ano. É um diagnóstico sombrio que coincide em muitos pontos com os diagnósticos feitos pelo Fórum Social Mundial (FSM) em suas sucessivas edições desde 2001. Não interessa saber se o FSM teve razão antes do tempo ou se o FEM tem razão tarde de mais. Interessa, sim, refletir sobre o fato de o FSM não ter tido a influência ou exercido a pressão que se desejaria sobre os decisores políticos. Em parte, isso deve-se a uma opção do FSM: ser um espaço aberto a todos os movimentos e organizações que lutam de forma pacífica por um outro mundo possível, sem deixar que tal abertura seja comprometida por decisões políticas, nunca possíveis de obter por consenso.

Sempre defendi que esta opção, sendo acertada, não devia ser assumida de forma dogmática. Deveria ser possível identificar, em cada momento histórico, um pequeno conjunto de temas sobre os quais fosse possível identificar ou gerar um grande consenso. Sobre eles, o FSM, enquanto tal, deveria tomar uma posição que seria assumida por todos os movimentos e organizações que participam no FSM, dando assim origem a agendas parciais mas consistentes de políticas nacionais- globais. Os acontecimentos que marcam o início de 2009 parecem dar razão a esta posição. Eles são de tal modo importantes que se o mundo não puder conhecer a posição do FSM sobre eles é de prever que o FSM corra o risco de se tornar irrelevante. Passo a mencionar alguns desses acontecimentos.

A tragédia de Gaza. Está demonstrado que foram cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante a mais recente invasão israelita da faixa de Gaza. Que consequências retira o FSM deste fato? Que medidas propõe para que estes crimes não fiquem impunes?

China ou Suma Kawsay? É verdade que o neoliberalismo não foi morto pelo ativismo do FSM. Cometeu suicídio. Isso está patente nas pseudo-soluções que se apontam para o desastre. Uma coisa é certa: os cidadãos do mundo sabem como os Estados protegem os bancos; só não sabem como protegem as pessoas. Sobre as muitas dimensões da crise o FSM tem uma reflexão consistente. Qual a posição do FSM? De um lado, as economias centrais imploram à China que “forcem” os seus cidadãos a consumir, mesmo sabendo que se os níveis de consumo atingissem os da Europa e da América do Norte seriam precisos três planetas para garantir a sustentabilidade do único planeta que temos.

Do outro lado, e bem nos antípodas desta proposta, o notável protagonismo dos povos indígenas do continente americano tornou possível que as suas concepções de desenvolvimento em harmonia com a natureza fossem consagradas nas Constituições da Bolívia e do Equador. Trata-se do princípio de “viver bem”, o Suma Kawsay dos Quechuas ou o Suma Qamana dos Aymaras. De que lado está o FSM?

Cuba: cinquenta anos de futuro? A Revolução Cubana celebra este ano o seu cinquentenário. A Europa e a América do Norte podiam ser o que são hoje sem a revolução cubana, mas o mesmo não se pode dizer da América Latina, África e Ásia, ou seja, das regiões onde vive 85% da população mundial. Cuba deseja a solidariedade crítica do mundo progressista para superar uma situação que, a não mudar, é inviável enquanto solução socialista. Onde está a solidariedade do FSM? Onde está a crítica?

O Comando Africano (AFRICOM). Começou a ser visível a interferência do Comando Africano, recentemente criado pelo Departamento de Defesa dos EUA, na política de vários países africanos. É de prever e temer a crescente tensão militar no continente. Será este um tema em que o FSM pode ter razão a tempo e dar a conhecer ao mundo a sua posição?

O fim do 11 de Setembro. Que há de comum entre a decisão do Presidente Obama de encerrar a prisão de Guantánamo e suspender os julgamentos e a decisão do Ministro Tarso Genro de conceder asilo ao ex-militante esquerdista Cesare Battisti? São duas decisões corajosas dos governos de dois países importantes (o primeiro em declínio, o segundo em ascensão), assinalando ao mundo que a vertigem securitária que assolou o mundo depois do 11 de Setembro chegou ao fim. A melhor segurança cidadã é a que decorre do primado do direito e do aprofundamento da democracia. A justiça de exceção está para a justiça como a música militar (sem ofensa) está para a música clássica. O mundo tem direito a saber que medidas vai tomar o FSM para apoiar estas decisões, que, como é de esperar, terão os seus detractores.

Nota da Redação: O livro mais recente de Boaventura de Sousa Santos se intitula Vozes do Mundo, publicado pela Civilização Brasileira.

* Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).


Movimentos sociais definem agenda de mobilização para 2009 – 30/01/2009
Verena Glass - Agência Carta Maior

Criação de G8 ampliado e comemoração de 60 anos da OTAN serão alvos de protestos. Foi proposta uma semana de protestos contra o capital e a guerra entre os dias 28 de março e 4 de abril, período no qual, segundo as organizações européias, será criada uma nova articulação de países ricos que, além dos oito do G8, incluirão as demais 12 nações mais ricas do mundo.



BELEM – Um pouco adiantados no cronograma do FSM, os movimentos sociais realizaram nesta sexta (30) - e não no último dia do Fórum, como de costume - a assembléia geral que define os focos de ação e as agendas de luta internacionais unificadas.

Mais esvaziada do que nas edições anteriores- muitos movimentos estavam realizando atividades no Fórum -, a articulação, que reuniu principalmente organizações da América Latina e da Europa, fez uma avaliação contundente da crise global do capitalismo e seus aspectos econômico, alimentar, climático, energético e político. De acordo com os movimentos, as soluções à crise apontadas até agora pelos governos buscam apenas socializar os prejuízos, ao mesmo tempo que tendem a transferir os recursos da periferia para o centro do poder econômico.

Como contraponto a este quadro, a assembléia apontou algumas prioridades de luta, como um novo paradigma produtivo baseado na sustentabilidade do uso dos recursos naturais, a inclusão dos direitos econômicos, sociais e culturais em todas as agendas reivindicatórias em nível multilateral, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, o direito aos territórios para as comunidades indígenas e tradicionais, e um investimento massivo no trabalho de formação política das bases sociais, entre outros. Avaliou-se também que as dificuldades enfrentadas com o colapso do modelo neoliberal poderá ajudar na organização de um novo patamar de lutas sociais.

Em relação à agenda de mobilizações, além das datas tradicionais como os dias internacionais da mulher e dos trabalhadores rurais, e da cúpula do G8, em julho, da Cúpula das Américas, em abril, e do Clima, em dezembro, foi proposta uma semana de protestos contra o capital e a guerra entre os dias 28 de março e 4 de abril, período no qual, segundo as organizações européias, será criada uma nova articulação de países ricos que, além dos oito do G8, incluirão as demais 12 nações mais ricas do mundo.

Segundo os movimentos europeus, que convocaram grandes mobilizações contra a iniciativa, este seria um mecanismo definitivo de controle, por parte de poucos, de todo o sistema econômico e produtivo mundial. Outro evento que deve gerar grandes protestos será a comemoração dos 60 anos da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no dia 4 de abril em Estrasburgo, na França.

Para este evento, os movimentos tentarão reeditar os grandes protestos de rua que antecederam a invasão americana do Iraque em 2003. Por último, o dia 30 de março deverá ser uma data unificada de ações de apoio à Palestina e contra os crimes de guerra cometidos por Israel nesta última ofensiva contra Gaza.





Não vamos pagar pela crise, que a paguem os ricos - 05.02.09
Adital - Declaração da Assembléia dos Movimentos Sociais

Para fazer frente à crise são necessárias alternativas anticapitalistas, antiracistas, antiimperialistas, feministas, ecológicas e socialistas.

Os movimentos sociais do mundo nos reunimos por ocasião da celebração do 9º Fórum Social Mundial (FSM), em Belém, na Amazônia, onde os povos resistem à usurpação da natureza, de seus territórios e de sua cultura.

Estamos na América latina, onde, nas últimas décadas tem se dado o reencontro entre os movimentos sociais e os movimentos indígenas que, a partir de sua cosmovisão, questionam radicalmente o sistema capitalista; e nos últimos anos conheceu lutas sociais muito radicais que conduziram ao derrocamento de governos neoliberais e com o surgimento de governos que têm levado a cabo reformas positivas, como a nacionalização de setores vitais da economia e reformas constitucionais democráticas.

Nesse contexto, os movimentos sociais da América Latina têm atuado de forma acertada: apoiar as medidas positivas que adotam esses governos, mantendo sua independência e sua capacidade de crítica em relação a eles. Essas experiências nos ajudarão a reforçar a firme resistência dos povos contra a política dos governos, das grandes empresas e dos banqueiros que estão descarregando os efeitos dessa crise sobre as costas das/os oprimidas/os.

Atualmente, os movimentos sociais em âmbito planetário enfrentamos um desafio de alcance histórico. A crise capitalista internacional que causa impacto na humanidade se expressa em vários planos: é uma crise alimentar, financeira, econômica, climática, energética, migratória..., de civilização, que vem conjuntamente com a crise da ordem e das estruturas políticas internacionais.

Estamos diante de uma crise global provocada pelo capitalismo que não tem saída dentro desse sistema. Todas as medidas adotadas para sair da crise somente buscam socializar as perdas para assegurar a sobrevivência de um sistema baseado na privatização de setores estratégicos da economia, dos serviços públicos, dos recursos naturais e energéticos, da mercantilização da vida e da exploração do trabalho e da natureza, bem como a transferência de recursos da periferia para o centro e dos trabalhadores/rãs para a classe capitalista.

Esse sistema se rege pela exploração, pela competição exacerbada, pela promoção do interesse privado individual em detrimento do coletivo e pela acumulação frenética de riqueza por parte de um punhado de poderosos. Gera guerras sangrentas, alimenta a xenofobia, o racismo e os extremismos religiosos; agudiza a opressão das mulheres e incrementa a criminalização dos movimentos sociais. No quadro dessa crise, os direitos dos povos são sistematicamente negados.

A selvagem agressão do governo de Israel contra o povo palestino, violando o direito internacional, constitui um crime de guerra, um crime contra a humanidade e um símbolo dessa negação sofrida também por outros povos do mundo.

Para fazer frente a essa crise é necessário ir á raiz dos problemas e avançar o mais rapidamente possível para a construção de uma alternativa radical que erradique o sistema capitalista e a dominação patriarcal.

É necessário construir uma sociedade baseada na satisfação das necessidades sociais e o respeito dos direitos da natureza, bem como na participação popular em um contexto de plenas liberdades políticas. É necessário garantir a vigência de todos os tratados internacionais sobre os direitos civis, políticos, sociais e culturais (individuais e coletivos), que são indivisíveis.



Nesse caminho, temos que lutar, impulsionando a mais ampla mobilização popular por uma série de medidas urgentes, tais como:
* A nacionalização dos bancos sem indenização e sob controle social;
* Redução do tempo de trabalho, sem redução do salário;
* Medidas para garantir a soberania alimentar e energética;
* Por fim às guerras, retirar as tropas de ocupação e desmantelar as bases militares estrangeiras;
* Reconhecer a soberania e a autonomia dos povos, garantindo o direito à autodeterminação;
* Garantir o direito à terra, território, trabalho, educação e saúde para todas/os;
* Democratizar os meios de comunicação e de informação.



O processo de emancipação social perseguido pelo projeto ecologista, socialista e feminista do século XXI aspira a libertar a sociedade da dominação exercida pelos capitalistas sobre os grandes meios de produção, comunicação e serviços, apoiando formas de propriedade de interesse social: pequena propriedade territorial familiar, propriedade pública, propriedade cooperativa, propriedade comunitária e coletiva...

Essa alternativa deve ser feminista porque resulta impossível construir uma sociedade baseada na justiça social e na igualdade de direitos se a metade da humanidade é oprimida e explorada.

Por último, nos comprometemos a enriquecer o processo da construção da sociedade baseada no "bom viver", reconhecendo o protagonismo e a contribuição dos povos indígenas.

Os movimentos sociais estamos diante de uma ocasião histórica para desenvolver iniciativas de emancipação em âmbito internacional. Somente a luta social de massas pode tirar o povo da crise. Para impulsioná-la é necessário desenvolver um trabalho de base de conscientização e mobilização.

O desafio para os movimentos sociais é conseguir a convergência das mobilizações globais em âmbito planetário e reforçar nossa capacidade de ação, favorecendo a convergência de todos os movimentos que buscam resistir a todas as formas de opressão e exploração.



Para isso, nos comprometemos a:

Desenvolver uma semana de ação global contra o capitalismo e a guerra, de 28 de março a 4 de abril de 2009:
- Mobilização contra o G-20 no dia 28 de março;
- Mobilização contra a guerra e a crise, no dia 30 de março;
- Dia de solidariedade com o povo palestino, impulsionando o boicote, os desinvestimentos e sanções contra Israel, no dia 30 de março;
- Mobilização contra a OTAN em seu 60 aniversário no dia 4 de abril;
- etc.



* Fortalecer as mobilizações que desenvolvemos anualmente:
- 8 de março: Dia Internacional da Mulher
- 17 de abril: Dia Internacional pela Soberania Alimentar
- 1 de maio: Dia Internacional das/os trabalhadoras/res
- 12 de outubro: Mobilização global de luta pela Madre Terra contra a colonização e a mercantilização da Vida.



* Impulsionar as agendas de resistência contra a cúpula do G-8, em Cerdeña; a cúpula climática, em Copenhague; a cúpula das Américas, em Trinidad Tobago...

Respondamos à crise com soluções radicais e iniciativas emancipatórias.

Essa vergonhosa impunidade deve terminar. Os movimentos sociais reafirmam aqui sua participação ativa na luta do povo palestino, bem como todas as ações dos povos do mundo contra a opressão.

Os Participantes



Próxima edição do Fórum Social Mundial, em 2011, poderá ser na África - 02.02.09
Em entrevista à Adital, Salete Valesan, do Comitê Executivo do Fórum Social Mundial, faz uma avaliação sobre os resultados dos eventos ocorridos até hoje. Ela afirma que o FSM 2009 mantém seu espírito transformador e que problemas de estrutura não podem ser obstáculos para isso.

O Comitê Executivo se reúne hoje (2) para discutir o próximo lugar onde será realizado o evento. De acordo com Salete, tudo caminha para que seja novamente na África.

O FSM 2009 aconteceu de 27 de janeiro a 1º de fevereiro em Belém, no estado amazônico do Pará.



Adital - Você acredita que o Fórum se mantém como contraponto a Davos, que ele mantém o espírito transformador do início?
Salete Valesan - O nosso objetivo se mantém o mesmo porque ninguém pode se iludir nesse momento de crise que a gente está vivendo e que está todo mundo com esperança de que conseguiu dar um salto do sistema do capital, pela queda de parte do imperialismo. Por ser apenas parte que caiu é que a gente tem que estar alerta. Então o enfraquecimento hoje do G-8 não significa que amanhã a gente não possa ter uma outra força inclusive muito mais prepotente e perigosa do que nós tivemos até agora. O nosso objetivo continua. Estamos sempre em alerta, vamos continuar nos organizando e organizando esse espaço para que ele seja um espaço de resistência, de proposta e de alternativas. As alternativas que a gente tem ainda não são alternativas que possam ser aplicadas globalmente, mas nós estamos caminhando para buscar essas questões.

Adital - De 2001 a 2009, o que podemos dizer sobre essas alternativas? Elas existem, foram aplicadas?
Salete Valesan - Sim, acho que até na questão do Fórum, de como ele vem se revendo a cada ano, renovando sua metodologia e seus espaços. Em todo lugar onde ele vai, deixa um tipo de ação e alternativa diferenciada porque a cultura, a geografia, a população são diversas. Nós temos aí vários avanços. E um significativamente aqui na América Latina é a questão da economia solidária que é toda uma concepção que hoje é real. Temos também a luta pela questão das águas. A gente conseguiu ter uma campanha, fóruns de água. É muito forte também a questão da comunicação, com a comunicação compartilhada, fortalecimento das mídias livres, toda essa luta pela legalização e espaços para essas mídias. E as políticas públicas, especialmente na América Latina, por conta do contexto político dos governos que são eleitos, que a gente consegue transformar um pouco essas políticas numa força maior para as demandas sociais e humanas.

Adital - Essa edição conseguiu reunir cinco presidentes da América Latina. Que dimensão tem isso para o Fórum?
Salete Valesan - Primeiro mostra que o Fórum, juntamente com suas entidades, seus movimentos, suas campanhas, e a América Latina, todos e todas, estão dando um recado para o mundo de que nós estamos criando aqui uma potência política. Uma potência de alternativa, mostrando que a América Latina tem condições de decidir o que ela quer e o que é melhor para ela. E a gente está definitivamente se organizando para resistir a um sistema impositivo. Nós não queremos mais que o imperialismo venha nos dizer como a América Latina precisa resolver suas questões ou gerar suas alternativas. O protagonismo tem que ser nosso.

Adital - Do ponto de vista de estrutura dos Fóruns. O que a gente pode dizer deste de Belém? Há muitas queixas em relação a isso.
Salete Valesan - Nós tivemos na questão estrutural, no que diz respeito ao território do Fórum, duas grandes universidades. Foram praticamente dois eventos. Ninguém consegue circular pelos dois locais no mesmo dia. Então essa questão da estrutura foi bastante importante, foi bem. A gente teve uma dificuldade que já era prevista que foi a questão de alojamento, de hospedagem, mais dos hotéis, mais da hospedagem tradicional do que as outras. Então fomos superando essa dificuldade. Infelizmente a negociação com as empresas aéreas não é muito tranquila. Eles querem garantia de quantos virão de avião, de onde, a que horas, em qual data... O Fórum não está para controlar as pessoas. Então tivemos essa dificuldade de conseguir vagas em vôos. Isso atrapalhou um pouco. Mas não vai ser isso que vai fazer a gente desistir de lugares como o Quênia, Índia ou a Amazônia, como estamos fazendo agora. Muito pelo contrário. A gente tem que estar nestes lugares para que as pessoas possam ter direitos e acessos às informações que não são possibilitadas ainda a essa população.

Adital - O conselho executivo se reúne para decidir onde será o próximo Fórum. Já há alguma indicação? Quais os encaminhamentos finais?
Salete Valesan - Teremos 18 assembléias temáticas trazendo o que foi debatido naquele tema durante estes dias todos e criando propostas, seja de execução ou de articulação política, a partir do que cada grupo decidir. No período da tarde acontece a Assembléia das assembléias para dizer o que foi tirado e para que os participantes conheçam esses resultados. No dia 2, nós estaremos reunindo o conselho internacional do Fórum, que é na verdade o primeiro encontro do conselho que vai discutir e potencializar a decisão de, em 2011, fazer na África, que é o que mais ou menos está encaminhado. Mas ainda temos que ouvir os companheiros africanos para saber se eles se mantêm na proposta de fazer em 2011 lá. Em 2010 teremos a metodologia das jornadas de mobilização.





Erro! Vínculo não válido. - Balanço do Fórum e do outro mundo possível
Os que acreditam que o fim do Fórum Social Mundial é o intercâmbio de experiências devem estar contentes. Para os que chegaram a Belém angustiados com a necessidade de respostas urgentes aos grandes problemas que o mundo enfrenta, ficou a frustração, o sentimento de que a forma atual do FSM está esgotada, que se o FSM não quer se diluir na intranscendência, tem que mudar de forma e passar a direção para os movimentos sociais. A análise é de Emir Sader.



Um balanço do FSM de Belém não deve ser feito em função de si mesmo. Ele não nasceu como um fim em si mesmo, mas como um instrumento de luta para a construção do “outro mundo possível”. Nesse sentido, qual o balanço que pode ser feito do FSM de Belém, do ponto de vista da construção desse “outro mundo”, que não é outro senão o de superação do neoliberalismo, de um mundo pósneoliberal?

Duas fotos são significativas dos dilemas do FSM: uma, a dos 5 presidentes que compareceram ao FSM – Evo, Rafael Correa, Hugo Chavez, Lugo e Lula -, de mãos dadas no alto; a outra, a fria e burocrática de representantes de ONGs brasileiras em entrevista anunciando o FSM. Na primeira, governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.

Na outra, ONGs, entidades cuja natureza é fortemente questionada, pelo seu caráter ambíguo de “não-governamentais”, pelo caráter nem sempre transparente dos seus financiamentos, das suas “parcerias”, dos mecanismos de ingresso e de escolha dos seus dirigentes – a ponto que, em países como a Bolivia e a Venezuela, entre outros, as ONGs se agrupam majoritamente na oposição de direita aos governos. Sua própria atuação no espaço que definem como “sociedade civil” só aumenta essas ambigüidades. Entidades que tiveram um papel importante no inicio do FSM, mas que monopolizaram sua direção, constituindo-se, de forma totalmente não democrática, como maioria no Secretariado original, deixando os movimentos sociais, amplamente representativos, como a CUT e o MST, em minoria.

A partir do momento em que a luta antineoliberal passou de sua fase defensiva à de disputa de hegemonia e construção de alternativas de governo, o FSM passou enfrentar o desafio de se manter ainda sob a direção de ONGs ou passar finalmente ao protagonismo dos movimentos sociais. No FSM de Belém tivemos a primeira alternativa, no momento daquela fria e burocrática entrevista coletiva das ONGs. E tivemos, como contrapartida, sua formidável cara real, com os povos indígenas e o Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, com os sindicatos e o Mundo do Trabalho, com os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens – com estes confirmando que são a grande maioria dos protagonistas do FSM.

O FSM transcorreu entre os dois, entre a riqueza, a diversidade e a liberdade dos seus espaços de debate, e as marcas das ONGS, refletidas na atomização absoluta dos temas, na inexistência de prioridades – terra, água, energia, regulação do capital financeiro, guerra e paz, papel do Estado, democratização da mídia, por exemplo. À questão: o que o FSM tem a dizer e a propor de alternativas diante da crise econômica global e diante dos epicentros de guerra – Palestina, Iraque, Afeganistão, Colômbia -, que propostas de construção de um modelo superados do neoliberalismo e de alternativas políticas e de paz para os conflitos, a resposta é um grande silêncio. Houve várias mesas sobre a crise, nem sequer articuladas entre si. As atividades, “autogestionadas”, significam que os que detêm recursos – ONGs normalmente entre eles – conseguem programar suas atividades, enquanto os movimentos sociais se vêem tolhidos de fazer na dimensão que poderiam fazê-lo, para projetar-se definitivamente como os protagonistas fundamentais do FSM.

Para os que acreditam que o fim do FSM é o intercâmbio de experiências, devem estar contentes. Para os que chegaram angustiados com a necessidade de respostas urgentes aos grandes problemas que o mundo enfrenta, a frustração, o sentimento de que a forma atual do FSM está esgotada, que se o FSM não quer se diluir na intranscendência, tem que mudar de forma e passar a direção para os movimentos sociais.

Surpreendente a quantidade e a diversidade de origem dos participantes, notáveis as participações dos movimentos indígenas e dos jovens, em particular, momento mais importante do FSM a presença dos presidentes – cujas políticas deveriam ter sido objeto de exposição e debate com os movimentos sociais de maneira muito mais ampla e profunda. Triste que todo esse caudal não fosse ouvido, nem sequer por internet, a respeito do próprio FSM, das duas formas de funcionamento, da sua continuidade – outro sintoma do envelhecimento das conduções burocráticas dadas ao FSM. No dia seguinte ao final do FSM, reuniu-se o Conselho Internacional, de maneira fria e desconectada do que foi efetivamente o FSM, em que cada um – seja desconhecida ONG ou importante movimento social – tinha direito a dois minutos para intervir.

O “Outro mundo possível” vai bem, obrigado. Enfrenta enormes desafios diante dos efeitos da crise, gestada no centro do capitalismo e para a qual se defendem bastante melhor os que participam dos processos de integração regional do que os que assinaram Tratados de Livre Comercio. Enfrentam a hegemonia do capital financeiro, a reorganização da direita na região, tendo no monopólio da mídia privada sua direção política e ideológica. Mas avança e deve-se se estender, sempre na América Latina, para El Salvado, com a provável vitória de Mauricio Funes, candidato favorito, da Frente Farabundo Marti à presidência, em 15 de março próximo.

Já não se pode dizer o mesmo do FSM, que parece girar em falso, não se colocar à altura da construção das alternativas com que se enfrentam governos latinoamericanos e da luta de outras forças para passar da resistência à disputa hegemônica. Para isso as ONGs e seus representantes tem, definitivamente, que passar a um papel menos protagônico no FSM, deixando que os movimentos sociais dêem e tônica. Que nunca mais existam conferências como aquela de Belém, que nunca mais ONGs se pronunciem em nome do FSM, que os movimentos sociais – trata-se do Forum Social Mundial – assumam a direção formal e real do FSM, para que a luta antineoliberal trilhe os caminhos da luta efetiva por “outro mundo possivel” – de que a América Latina é o berço privilegiado.





Ignacio Ramonet - La « verdadera izquierda » y los movimientos sociales
En el Gimnasio de la Universidad del Estado de Pará, Avenida Almirante Barroso, en Belém, el jueves 29 de enero de 2009, a las dos de la tarde, más de mil personas, militantes y representantes de los movimientos sociales y de los movimientos populares de toda América Latina, con banderas, pancartas y gritos de alegría, se apiñaban para escuchar a los « verdaderos presidentes de la izquierda latinoamericana ». El presidente Lula de Brasil no ha sido invitado. Asisten también al acto varios obispos brasileños pertenecientes a la teologia de la liberación ; personalidades como Aleyda Guevara, hija del Che ; y miembros del Consejo Internacional del Foro Social Mundial como Bernard Cassen, François Houtart, Emir Sader y Eric Toussaint.

Un grupo de una veintena de importantes movimientos sociales1 - los cuales constituyen uno de los pilares fundamentales del Foro -, decidieron invitar a un « dialogo sobre la integración popular de nuestra América » a cuatro Presidentes suramericanos considerados como « el bloque de la verdadera izquierda suramericana » y que se distinguen por el proceso de transformación social impulsado en sus paises. Se trata de : Hugo Chávez de Venezuela, Evo Morales de Bolivia, Rafael Correa de Ecuador y Fernando Lugo de Paraguay.

El primero en llegar es Rafael Correa ; minutos después hace su entrada Fernando Lugo, los dos con camisas blancas tradicionales de sus paises, y ambos acogidos por un diluvio de aplausos. Mientras esperan la llegada de Chávez y Morales, unos musicos interpretan canciones populares latinoamericanas. Correa, muy distendido, toma un micrófono y se pone también a cantar, mostrando reales talentos musicales y un conocimiento sorprendente de las letras de muchas canciones. En particular, interpreta, junto con Marcial Congo, uno de los asesores de Fernando Lugo, la célebre Yolanda de Pablo Milanés y, con el proprio Lugo, Hasta siempre Comandante de Carlos Puebla, coreadas con entusiasmo por la sala.

Llegan juntos Hugo Chávez y Evo Morales, el primero vistiendo camisa color verde olivo de estilo militar (pero sin ningún distintivo castrense) y el segundo de camisa blanca, vitoreados por los asistentes en pie. Todos se instalan en la mesa colocada en un entramado que domina el Gimnasio. La mesa está decorada con un gran mantel de fondo azul sobre el que resaltan bellas flores multicolores de la Amazonia. Detrás, ocupando toda la anchura del muro del fondo, un gran letrero con el lema del acto : « Solidaridad internacional ».

Los eventos organizados por el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) empiezan siempre por lo que ellos llaman una mistica, o sea un momento cultural de representación escénica muy simbolica, de inspiración brechtiana, con cantos, poesías y expresiones políticas. Entra así en escena un grupo de mujeres y hombres, ataviados de campesinos, con banderas rojas y verdes cantando El pueblo unido jamás será vencido y coreando la consigna : La revolución sólo la hace un pueblo unido y organizado . Luego, cambiando totalmente de rítmo, con una energía contagiosa de ira y protesta, un grupo neopunk interpreta unos raps revolucionarios e insurgentes.

Después de este preludio cultural, empieza la parte política.

Dos representantes de los movimientos sociales toman la palabra para exponer su analisis de la situación en América latina, y plantear preguntas a los cuatro Presidentes.

Habla, en primer lugar, Camille Chalmers, de Haiti, de la organización Jubileo Sur. Relata toda la historia de los acontecimientos – resistencia al neoliberalismo, auge de los movimientos sociales, lucha contra el ALCA - que han permitido llegar a la situación actual y a esta ola de gobiernos populares que estan transformando América latina. Interviene luego Magdalena León, de Ecuador, de la organización REMTE, que recuerda la importancia de la lucha de las mujeres y su gran contribución a los cambios actuales. Ambos representantes de los movimientos sociales piden a los Presidentes que les garanticen su apoyo a las reivindicaciones del movimiento popular y que se mantengan fieles a las promesas de sus programas y a las esperanzas depositadas en ellos por los pueblos.

1) Rafael Correa, Ecuador :

« Más que una época de cambios, estamos viviendo un cambio de época. Quién iba a imaginar, en 2001, cuando se iniciaron los Foros, que cuatro Presidentes participarían en el Foro Social Mundial del 2009. En diez años, América latina ha vivido un cambio profundo. Ahora hay muchos gobiernos progresistas. Mientras que, en 2001, sólo estaba Chávez, como un « llanero solitario » ( The Lone Ranger ).

Nosotros, los nuevos Presidentes, somos el reflejo de los cambios de los pueblos de América Latina. Nosotros nos nutrimos de los Foros Sociales. Y nos nutrimos también de nuestras luchas, de las luchas de nuestros próceres desde Martí hasta Fidel, pasando por tantos otros, entre ellos Alfaro.

Estamos viviendo nuestra Segunda Independencia. Y ésta coincide con la grave crisis mundial del neoliberalismo, con el colapso del neoliberalismo de Davos. No se trata solamente de una crisis economica, es el resultado de la codicia, del egoismo y del individualismo erigidos en norma de vida por la ideologia neoliberal. Es una ideologia disfrazada de ciencia.

Es el momento de oponer, al neoliberalismo, el Socialismo del Siglo XXI.

Qué es el Socialismo del siglo XXI ? Una serie de compromisos: Intervención del Estado en la economía;

Planificación ; Supremacía del trabajo humano sobre el capital ; El valor de uso, más importante que el valor de cambio;

La deuda ecológica;

La equidad de género ;

La equidad para los pueblos originarios;

La autocritica;

La convicción de que no hay recetas;

La convicción de que el Socialismo del Siglo XXI no es único, ni estático;

No creemos en dogmas, ni en fundamentalismos;

Proponerse un «vivir mejor», con un objetivo: un mayor bienestar para los más pobres del planeta;

Una nueva concepción del desarrollo.



Pero, para realizar el Socialismo del Siglo XXI, tenemos que ahondar más algunas de nuestras iniciativas y avanzar en nuestra integración : el Banco del Sur, el Fondo del Sur, PetroSur, UNASUR. Crear una moneda regional, el SUCRE.

Más integración es más garantia para nuestros procesos de cambio y de progreso.

Hay que sustituir definitivamente la Organización de Estados Americanos (OEA), cuya sede se halla en Washington ! No excluyó al Chile de Pinochet, pero expulsó a la Cuba de Fidel Castro. Ya es hora de cambiar la OEA.

El neoliberalismo ha entrado en colapso, y muchas instituciones internacionales también han colapsado con él, entre ellas la OEA.

El Foro social mundial es parte de la solución que el mundo necesita. »

2) Fernando Lugo, Paraguay

« América Latina está cambiando. Y ese cambio nos ha cambiado a nosotros también. Hemos aprendido de los movimientos sociales. Yo recuerdo las jornadas en omnibus para ir desde Paraguay al Foro Social Mundial de Porto Alegre, y más tarde al Foro que se celebró en Caracas. Fuimos a aprender, a escuchar, a impregnarnos de las experiencias de los demás. Nosotros somos hoy la expresión de la voluntad de cambio del movimiento popular, del movimiento social, del movimiento capesino y del movimiento indigena. Gracias al movimiento social, América Latina está viviendo estos momentos de cambio.

Esta época nos exige un esfuerzo creativo para construir una sociedad más justa y más fraterna. Nuestros países deben integrarse más para defender las decisiones que estamos tomando en favor de nuestros pueblos.

Y yo no me iría de Belém tranquilo si no dijese aquí que debemos encontrar una solución justa, con Brasil, sobre la cuestión de la presa de Itaipú. No creemos que un tratado leonino, firmado cuando había dictaduras en nuestros dos países, pueda seguir vigente. Nuestros amigos brasileños no pueden decir que no son justas nuestras reivindicaciones de cambios en el tratado. Tiene que ser un tratado de igual a igual. No puede ser desigual. Es la concepción de la integración que nosotros tenemos.

Yo les pido a ustedes que trabajen también en la integración de los movimientos sociales de Suramérica. Para que cesen algunas injusticias históricas. Por ejemplo, yo creo que es injusto que Bolivia no tenga derecho a un acceso al mar. Y lo mismo digo para Paraguay, nosotros también tenemos derecho a un acceso al mar.

La integración, repito, es creatividad en las iniciativas para construir una Suramérica más justa, más solidaria y en la que encuentren fin viejas injusticias.

A veces me dicen que hay que tener paciencia. Yo digo que en América Latina, después de tanto tiempo de sufrimiento y de injusticias, lo que debemos tener es impaciencia. Porque estamos impacientes de edificar por fin la América Latina que queremos.

Necesitamos el apoyo de los movimientos sociales y de toda la izquierda mundial aqui representada en el Foro Social Mundial. Y queremos agracecerle al Foro todo lo que nos ha aportado, porque aqui hemos bebido de las ideas, de los programas, de los analisis para proponer el cambio en nuestro país. »

3) Evo Morales, Bolivia

« Yo llegué a pensar que ustedes se habían olvidado de mi. Porque aquí, al Foro Social Mundial, yo había venido y me habían invitado ; pero desde que estoy de Presidente, ya no me invitaron. Y yo pensaba que ya no les interesaba. Asi que les agradezco esta invitación, porque llevo años esperándola.

Aquí están mis profesores. En los Foros, yo he aprendido y he comprendido. Si nosotros hemos llegado a Presidente es, en parte, gracias al Foro Social Mundial. Porque de aquí sacamos ideas, establecimos contactos y redes. Así que les agradezco y quiero solidarizarme con el Movimiento de los Sin-Tierra y con el movimiento indigena de Brasil, de la Amazonia y de toda América.

Y yo pido también el apoyo de los movimientos de izquierda a nuestro proceso. Nosotros podemos cometer errores, y estamos dispuestos a rectificar y a debatir para mejorar nuestro proceso de progreso. Pero la derecha quiere derrocar este proceso, quiere interrumpirlo. En Bolivia, hay grupos que no aceptan nuestra eleción y los cambios que estamos impulsando ; grupos racistas. Pero con el apoyo de los movimientos sociales bolivianos hemos podido avanzar.

No solo la prensa de derechas nos ataca, también la Iglesia Católica, en todo caso la jerarquía de la Iglesia.

Pero nosotros decimos que los servicios públicos no son negociables ; decimos que la defensa de la vida y la lucha por la paz no es negociable ; la defensa del medio ambiente y del planeta Tierra no es negociable.

Pedimos cambios. Y les pedimos que nos apoyen para avanzar en esos cambios. Pero también decimos que que para cambiar la sociedad, cada uno de nosotros tiene que empezar a cambiar, empezando por sí mismo. Si cada uno de nosotros cambia, toda la socieda habrá cambiado.

4) Hugo Chávez, Venezuela

« Quisiera empezar citando a Fidel Castro, quién es como el padre de todos nosotros. Hablando, ya por 2001, de este Foro Social Mundial, Fidel dijo que « este Foro es como la expresión de las generaciones emergentes ». Y el Sub-Comandante Marcos, que además de revolucionario es poeta, ha dicho que « el Foro es como un nido de sueños ».

Cuando estos Foros comenzaron, en 2001, yo ya era presidente desde hacía dos años, desde el 2 de febrero de 1999 exactamente, dentro de unos días se cumplen los diez años de aquella elección. Diez años que han marcado el nacimiento de una época. Ya el pueblo venezolano se había alzado, en 1989, contra el neoliberalismo. Fue uno de los primeros pueblos que derramó su sangre para impedir la imposición de ese nefasto modelo neoliberal.

La vida del Foro, hasta ahora, ha coincidido casi exactamente con los dos mandatos del presidente de Estados Unidos, George W. Bush. Un personaje abominable que debería ser juzgado por un Tribunal Penal Internacional por crímenes de guerra y crímenes contra la humanidad.

Con el nuevo presidente de EE.UU, Barack Obama, estaremos a la espera, observando su actuación, la de su gobierno, que por el momento tiene un grave problema interno con la crisis económica y financiera. Una crisis de la que solo se puede salir por la vía del socialismo. Aqui, con ocasion de un precedente Foro al que yo fui invitado en Porto Alegre, declaré por primera vez el caracter socialista de la revolución bolivariana. Es socialismo es la única vía para salir de esta crisis, de este « crack perfecto », y construir una economía más justa y solidaria.

A Obama le pedimos respeto. Porque él ya ha empezado mal, haciendo declaraciones y diciendo que « Chávez es un obstáculo ». Pero, repito, estamos a la espera ; a ver como actúa. Sin prejuicios por nuestra parte. Aplaudimos al cierre del penal de Guantánamo ; pero podría hacer más, devolver el territorio de la base a Cuba y a su pueblo ; o por lo menos, empezar a retirar las tropas de la base, desmilitarizarla. Sería un signo positivo. Una señal de buena vecindad hacia toda América Latina.

Aqui, un mundo nuevo está naciendo. El que tenga ojos que venga y lo vea. La Utopía de Tomás Moro – lo decía ya Bolívar – está aquí, en América Latina ; la utopía de un mundo mejor, de un nuevo mundo está naciendo aquí. Pero es como un bebé, necesita protección y apoyo. Y Venezuela está dispuesta a aportar todo su apoyo a los procesos de transformación social en curso. Y a trabajar en la consolidación de todos los procesos de integración de Suramérica. Porque solo la integración de los países, de los pueblos y de los movimientos sociales nos hará más fuertes, más resistentes y más progresistas. »

A modo de conclusión:
Joao Pedro Stedile, del Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST)

« Los gobiernos de la izquierda latinoamericana aquí representados deben hacer más cambios estructurales que es lo que necesitan los pueblos. Hablar de « transformación social » y de « procesos de cambio » está muy bien, pero no deben ser solo discursos. Hay que hacer cambios estructurales. Para que no haya marcha atrás.

Hay que nacionalizar la banca. El Estado debe tomar el control de todos los mecanismos financieros.

Hay que construir una moneda suramericana, que nosotros proponemos que se llame « maíz », porque es el símbolo de la sobaranía alimentaria historica de los pueblos originarios.

Hay que hacer una verdadera reforma agraria para garantizar la soberana alimentaria de nustros pueblos con una agricultura de nuevo tipo respetuosa del medio ambiente, y no orientada exclusivamente a la exportación.

Hay que construir un nuevo modelo económico.

Hay que democratizar los medios de comunicación.

Los movimientos sociales siempre apoyarán a los gobiernos de la verdadera izquierda suramericana que se compremtan y avancen en la realización de estos cambios estructurales indispensables para construir el socialismo del Siglo XXI que todos necesitamos.



Nota:

1. Los principales movimientos sociales invitantes eran :

por Brasil :Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST, perteneciente a la red planetaria Via Campesina) ; CUT (Central Unitaria de los Trabajadores) ; Federación de los Metalurgistas de Rio Grande do Sul ; Confederación de Trabajadores de la educación ; Central de Trabajadores de Brasil ; Asociación Latibnoamericana de Juristas ; Grito de los excluidos ; Movimiento de los Afectados por las represas ; Movimiento Nacional de Lucha por la vivienda ;

Por el resto de Suramérica : Via Campesina ; Marcha Mundial de las Mujeres ; Confederación andina de las organizaciones indigenas (CAOI) ; Minga de las comunicaciones alternativas ; CLACSO ; Organización de estudiantes laninoamericanos (OCLAI) ; Convergencia de movimientos de los pueblos de América (COMPA)

Alianza Social Continental ; Red Latinoamericana de mujeres trabajando en la economía (REMTE) ; ALAI ; Confederación Latinoamericana de organizaciones del Campo (CLOC) y

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