quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Cultura por aí (RJ) Cultura é a Nossa Arma.


Corrupção é responsável por manutenção de conflitos em favelas cariocas, afirma Damian Platt, autor do livro Cultura é a Nossa Arma.
fonte: www.culturaemercado.com.br

Cerca de dois milhões de pessoas vivem nas favelas cariocas. Áreas controladas por grupos armados, que agonizam em permanente conflito. Um problema complexo com contornos cada vez mais semelhantes ao de uma guerra. Os ingredientes são variados: desigualdade social, tráfico de drogas, violência. Acrescente a lista, armas, policiais, políticos, juízes, advogados e grandes somas de dinheiro e o resultado é uma mistura explosiva que põe milhares de inocentes em risco diariamente. Nesse ambiente de soluções cada vez mais improváveis, a cultura tem se revelado uma poderosa alternativa. Algumas dessas experiências, em especial as ações do grupo cultural AfroReggae nas favelas do Rio, tocaram os ingleses Damian Platt e Patrick Neate, autores do livro recém-lançado Cultura é a Nossa Arma (editora Civilização Brasileira, 242 págs., R$ 28), sobre a trajetória da ONG. Por oito anos, Platt trabalhou como pesquisador na Anistia Internacional para o Brasil, parte desse período pesquisando os direitos humanos no Brasil. Exemplos de violação desses direitos não faltavam. Entretanto, um caso em especial chamou a atenção: a chacina de Vigário Geral, zona norte do Rio de Janeiro, em 1993, onde 21 pessoas foram assassinadas pela polícia.

O pesquisador esteve lá pela primeira vez em 2001, dois anos depois começou a escrever um relatório sobre violência policial no país, focando os dez anos da chacina. Um trabalho pesado, segundo Damian, que envolvia uma rotina, que lhe parecia interminável, escutando depoimentos dos familiares das vítimas mortas pela polícia. Ou seja, dias inteiros ouvindo histórias de tragédias. Ele conta que se encontrava deprimido quando conheceu a AfroReggae e José Junior, coordenador- executivo da instituição, que mantém mais de 70 projetos nas favelas cariocas. O encontro mudaria o rumo de sua vida. “Depois de uma visita de cerca de três horas ao grupo, voltei a ter esperança, por meio da cultura e instalados dentro da comunidade, estavam conseguindo mudanças efetivas”, diz. O pesquisador inglês, Damian Platt, que vive atualmente no Rio e cuida das relações internacionais do AfroReggae, esteve em São Paulo para o lançamento de seu livro, em outubro, durante a terceira edição do evento Antídoto, no Instituto Itaú Cultural. Veja a seguir trechos da entrevista cedida ao blog do Observatório Itaú Cultural.



Observatório Itaú Cultural – Como surgiu a idéia de escrever um livro sobre o AfroReggae?
Damiann Platt – Foi em uma visita do Junior e de outras pessoas do AfroReggae à Inglaterra em 2006, nos encontramos com ele, eu e Patrick Neate que já havia escrito um livro sobre hip-hop no mundo, com um capítulo sobre o Brasil, em que fala sobre as ações do grupo AfroReggae. Junior sugeriu na época a publicação de um livro explicando o contexto do trabalho do grupo para o público estrangeiro, algo rápido para ser lançado durante uma viagem que fariam a Londres naquele mesmo ano. Lançamos em formato de bolso, junto de três documentários americanos, no conjunto fazem parte de uma série de registros sobre o grupo. O livro circulou entre um público muito específico, mas foi bem recebido por lá.



OIC – Como foi o processo de produção do livro dentro da comunidade?
DP – O pessoal do AfroReggae sempre nos acompanhou nas visitas, por isso não tivemos nenhum problema. Presenciamos uma vez um tiroteio em Vigário Geral. Fomos conversar com uma pessoa envolvida com o tráfico, por acaso acabamos bem perto de uma perseguição que terminou com uma troca de tiros entre traficantes e policiais, tivemos que correr para nos esconder.



OIC – Que trabalho você realiza atualmente no AfroReggae?DP - Cuido da área internacional, demandas como visitas, viagens, parcerias. Há dois anos o grupo tem visitado diversos países, entre eles, Colômbia, Índia, EUA, Inglaterra, Alemanha, China, fazendo intercâmbios, desenvolvendo projetos em conjunto. O trabalho do AfroReggae é uma referência, há muito interesse por ele em outros países. Além de ser realizado em condições muito difíceis tem resultados bastante positivos.



OIC – Com base em sua experiência, você diria que a cultura pode ser uma solução para problemas como a violência produzida pelo tráfico de drogas nas favelas cariocas?DP – A cultura onde estiver consegue unir pessoas de classes sociais e de lugares diferentes. No Rio ou em Londres, não é diferente. Mas o AfroReggae mostra que é possível mudar uma situação extrema como a do Rio. Porém, sociedade e governo precisam fazer também sua parte.



OIC – Estaria indo pra conta da cultura uma responsabilidade que não é dela?
DP – Concordo que isso seja verdade até certo ponto, mas tem áreas em que o Estado não entra, que são controlados por grupos armados, neste caso é normal que o governo queira parceiros como o AfroReggae, que tem uma boa reputação, que tem um trabalho conhecido que tem trazido impactos positivos. Agora, claro que ao mesmo tempo, o Estado não pode negar a responsabilidade que tem. Há muitas outras coisas a serem feitas. Estamos colaborando, trazendo investidores, tanto da área privada como de governos, por exemplo, no Rio, o AfroReggae foi uma das instituições que negociaram para que o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) pudesse entrar no Complexo do Alemão, facilitando o contato entre lideranças da comunidade e representantes do governo.



OIC – De que outras formas o Estado poderia chegar a essas áreas controladas pelo tráfico?
DP – O problema não é só a ausência do Estado, mas a forma como ele se manifesta. É um estado delinqüente, de policiais corruptos que ganham muito dinheiro em cima dessa situação. Qual é basicamente o problema nessas áreas? Trata-se de um conflito armado entre grupos que disputam territórios e o dinheiro que eles representam. Não é apenas tráfico de drogas, mas fornecimento de serviços básicos, entre outros, e agora tem também as milícias. É preciso desmantelar as estruturas econômicas gigantescas que apóiam esse conflito. Essas comunidades representam muito dinheiro, isso estimula a disputa. É ainda um problema político porque essas populações votam em candidatos que não os representa, que não fazem nada por eles.

Por Carlos Minuano

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