sexta-feira, 31 de julho de 2009

DOSSIÊ CEBs (Comunidades Eclesais de Base)

Os amazônidas receberam gente de todo o Brasil e de outras partes do mundo, em alguns momentos especiais, neste ano de 2009.

O primeiro em janeiro foi o Fórum Social Mundial(FSM) em Belém, do qual tivemos a honra de participar. O segundo em junho, salvo engano, reuniu cientistas ligados a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na cidade de Manaus e o terceiro na última semana de julho, o XIII Intereclesial de CEBs em Porto Velho.

Nos arquivos do blog em 2009 pode ser encontrado o dossiê do FSM e abaixo o do Intereclesial de CEBs.


Mensagem às CEBs, presença do Reino entre os Pobres!
José Comblin *

Adital -

Aos amigos e amigas do Intereclesial de Porto Velho
Videos do Intereclesial de Cebs
Clique aqui para ver fotos do intereclesial.

Gostaria muito de estar presente no meio de vocês. Os meus 86 anos já não me permitem fazer essa viagem. Mas quero enviar-lhes uma mensagem de solidariedade e de estímulo. Dou os parabéns a todos os presentes que fizeram essa longa viagem.

O Intereclesial reúne-se na região Norte do Brasil, donde nos vêm hoje em dia os mais fortes testemunhos proféticos. É também a região em que a evangelização exige mais energia e provoca mais cansaço. Mas é, por isso mesmo, aquela que mais suscita alegria e entusiasmo.

As CEBs são aquela porção do povo de Deus que nasceu entre os pobres. Elas são "povo" porque nelas os cristãos não colaboram simplesmente com a pastoral paroquial definida por outros, mas eles mesmos, leigos do mundo popular, tomam iniciativas, orientam as atividades comunitárias, sempre em comunhão com a grande Igreja, mas com a liberdade que s. Paulo reconhecia às comunidades fundadas por ele.

As CEBs acabam de ser de novo aprovadas e estimuladas pela Conferência episcopal de Aparecida. Este reconhecimento será o sinal de uma vida renovada. As CEBs já têm uma trajetória impressionante, às vezes heróica, porque muitos membros das CEBs foram mártires. Foram testemunhas da dignidade dos pobres frente a autoridades arrogantes. Defenderam camponeses e operários injustamente tratados. Buscaram a justiça na paz como profetas da não-violência. Esse passado nos mostra o caminho do futuro e nos convence de que as CEBs seguem o caminho de Jesus.

As CEBs foram desde as origens a principal presença da Igreja no mundo popular. Ora, com a imensa migração do campo para as cidades, o mundo popular hoje em dia é principalmente urbano e a presença da Igreja nessas imensas periferias urbanas e nas favelas ou cortiços é o grande desafio para os cristãos e cristãs de boa vontade. Essas massas foram entregues a inúmeras congregações evangélicas. Estas, como disse dom José Maria Pires, fazem o trabalho que não fazemos e por isso podemos agradecer a Deus pelo trabalho que fazem anunciando Jesus. Mas nós também poderíamos e deveríamos fazer esse trabalho neste novo mundo dos pobres que se criou nestas últimas décadas. Isto exige uma enorme multiplicação de CEBs no mundo urbano. Tenho certeza de que deste Intereclesial sairá a firme decisão de entrar com muito mais força nesse mundo popular urbano.

Os pobres não freqüentam muito as paróquias que não lhes oferecem um ambiente realmente popular. Querem comunidades de pobres, em que tenham a alegria de poder dizer que essa comunidade é nossa. Assim são as CEBs. Estas são a melhor forma de participação dos obres inventada até agora. Pois ali os cristãos do mundo popular não colaboram simplesmente com uma pastoral paroquial definida por outros, mas tomam iniciativas e orientam as atividades comunitárias entre eles mesmos, sempre em comunhão com a grande Igreja. Gozam da mesma liberdade que s. Paulo reconhecia as comunidades fundadas por ele.

As CEBs põem em prática a orientação dada pela Conferência de Aparecida: passar de uma pastoral de conservação para uma pastoral de evangelização. Trata-se de passar uma Igreja tradicionalista fechada em si mesma para uma Igreja aberta ao mundo exterior e fecunda porque suscita muitas comunidades.

As CEBs encarnaram a mensagem de Vaticano II, porque são uma força de transformação do mundo em que estão vivendo. Relacionam-se com todos e colaboram com todos os grupos situados na mesma vizinhança.

Já ouvi pessoas que diziam: as CEBs já foram, pertencem ao passado. Vocês vão mostrar que ainda pertencem ao presente e inclusive ao futuro. Não se inventou outra maneira de tornar a Igreja presente no mundo popular.

As CEBs sofreram críticas e contestações. De modo geral as críticas vêm de pessoas que não as conhecem. Foi o que aconteceu com dom Oscar Romero que não as queria. Quando ele as conheceu na diocese de San Salvador, converteu-se e confiou totalmente nelas. Além disso, qualquer movimento de Igreja no mundo popular suscita críticas e reações às vezes violentas. Isto é parte do destino dos cristãos e já foi anunciado pelo próprio Jesus Cristo. As críticas procedem do desconhecimento.

Quero pedir para vocês uma bênção especial de mons. Expedito Medeiros, falecido há poucos anos, que foi um dos primeiros promotores das CEBs, talvez o primeiro, como vigário de São Paulo de Potengi no Rio Grande do Norte, durante 53 anos. Foi um grande amigo e um homem totalmente dedicado ao apoio as inúmeras comunidades promovidas por ele. Foi um Santo.

Que Jesus missionário esteja sempre com vocês com toda a força do Espírito Santo para a construção do Reino do nosso Pai.

Padre José Comblin

* Teólogo


12 º Intereclesial - texto de Roberto Malvezzi
Décimo Segundo Intereclesial (12º INTERECLESIAL DAS CEBs)
Roberto Malvezzi (Gogó)

As caravanas das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs - já se preparam para ir até Porto Velho, Rondônia, para o XII Intereclesial de CEBs. Jornada longa. Os ônibus da Bahia devem levar quatro dias de ida, sete dias em Rondônia e mais quatro dias de retorno. Nossas comunidades vão assumir definitivamente a dimensão ecológica da fé, num mundo em convulsão, de tragédias dantescas, globais, como as enchentes do Nordeste, como as cem mil mortes em um único dilúvio em Mianmar. Estamos diante de um desafio planetário que se faz um desafio de fé.

O local escolhido para assumir e aprofundar essa causa é a Amazônia, símbolo maior da devastação que o ser humano provoca na natureza. Nos crimes contra a natureza nada se cria, na se perde, tudo se vinga. James Lovelock costuma dizer que esse não será o fim da humanidade e nem o fim da vida no planeta, mas será um planeta pobre, tórrido, eliminando cerca de 70% da vida, inclusive das vidas humanas. Depois de se reajustar, o planeta se reorganiza de outra forma.

Na humanidade resta pouca sensibilidade real contra a fome, a sede e as injustiças. Existe muito daquela boa vontade da qual o inferno está forrado. Só o caos ecológico pode ascender alguma reação humana. A elite mundial chegou ao paraíso e não está disposta a ceder nenhuma unha de seu bem estar ao restante da humanidade.

Nossas pequenas comunidades também já não têm o “apelo” que tinham antes, quando a opção pelos pobres era moda. Hoje o modismo eclesial é a fama, o sucesso, a movimentação milionária de produtos religiosos que fazem a fortuna de pessoas e instituições. Enfim, a tal teologia da prosperidade, tão ao gosto de setores pentecostais, tanto evangélicos como católicos. Mas, o Evangelho não está sujeito a modismos. A fidelidade aos pobres, à justiça, à partilha, à solidariedade, à fraternidade, independe das circunstâncias.
Há um novo ar, uma nova clorofila, sendo respirados pelas CEBs. Eles vêm da ecologia. Muitos pastores católicos já entenderam e apóiam.

A sede de justiça é uma bem-aventurança particular das CEBs. Sem elas essa prática quase que desaparece da Igreja Católica.

De coração, desejo e peço a Deus que nossas comunidades sejam revigoradas na fé, na oração, na luta, no compromisso com a justiça e a ecologia. Serão nossa contribuição de cristãos conscientes, cidadãos, inseridos, numa crise civilizacional que já se faz presente, se aprofunda e sugere cenários terríveis.

Que Deus esteja com nossas comunidades em Rondônia. E estará.

Testemunhos proféticos reforçam a fé no Intereclesial

25 de Julho de 2009
Testemunhar sobre a vida, a esperança e a fé é papel para quem tem muito a contar e neste aspecto os três convidados, para partilhar sua caminhada com os três mil delegados do 12° Intereclesial, emocionaram a plateia e provaram mais uma vez que o exemplo é o melhor professor.



“Negros são diferentes, brancos são diferentes é preciso respeitar e aceitar estas diferenças”



Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, defensor das causas negras fez um relato fiel do que foi e é a opressão deste povo no Brasil, desde a época da dominação portuguesa. Certo de que o dia 13 de maio (assinatura da Lei Auréa) não é data comemorativa para os negros, pois a libertação dos escravos trouxe benefícios apenas para os brancos.



Retratando a escravidão e sua cultura de caracterizar o povo negro como inferior, dom José faz a passagem para os dias atuais e defende veementemente a consciência de que negro ou branco não são superiores ou inferiores, são apenas diferentes e essas diferenças precisam ser respeitadas.



“A Igreja nada fez contra a escravidão, pois se servia dela, como contam cartas dos jesuítas. Até muito pouco tempo as congregações religiosas não aceitavam negros”, disse.



Ele também lembrou dois religiosos que são considerados negros honorários: dom Pedro Casaldáliga e dom Evaristo Arns, por suas ações em defesa de direitos iguais.

Dom José também lembrou da missa dos quilombos, realizada em Recife e proibida pelo Vaticano, mas que hoje está liberada graças ao documento de Santo Domingos (1992), que defendia a inculturação religiosa.



Sobre as mulheres, dom José Maria Pires com poucas palavras deu o tom da importância feminina. “A terra tem força, a mulher tem força e isto precisa ser lembrado”, disse.



Aplaudido de pé e aclamado por todos, o religioso de 90 anos, dos quais 68 dedicados ao sacerdócio, mostrou mais uma vez que a luta por igualdade ainda se faz necessária e cada cristão deve gritar para acabar com as diferenças que afastam os irmãos.



“É preciso ter fé. Ter fé em Deus, na vida e em você. A fé remove montanhas”



Marina Silva, a seringueira que hoje é senadora da República, emocionou os três mil participantes do 12° Intereclesial com sua história de luta e fé.



Filha de seringueiros, contraiu leishimaniose ainda criança e viu seu pai caminhar por 22 horas para trazer um remédio, que evitaria que a doença deformasse seu rosto. Este gesto de amor marcou sua vida.



Sua batalha pela vida prosseguiu e aos 14 anos viu primos, irmãs e a mãe morrer vítimas de doenças ocasionadas pela construção da BR 364 entre Porto Velho e Rio Branco. Nesta mesma época contraiu hepatite e por erro médico tomou comprimido utilizados para tratamento de malária. Debilitada e sem condições de trabalho, Marina Silva contou que sofreu depressão, mas venceu esta fase difícil mais uma vez amparada pela fé.



Após alguns anos, ela inicia a luta para aprender a ler e escrever. Após ir morar em Rio Branco, com incentivo do pai, Marina Silva mais uma vez é acometida pela hepatite e desta vez se salva da morte com o apoio do então arcebispo de Rio Branco, dom Moacyr Grechi.



Hoje, viva, lutadora, defensora do meio ambiente, adorada por muitos, senadora da República, ela é o retrato de um ser humano que não desiste e não perde a fé.



Ao final de seu testemunho Marina Silva repetiu que “A fé remove montanhas. Não aquelas que podemos ver, mas aquelas que nos chegam na forma de dificuldades da vida. Depois de tudo que passei, eu digo: A fé remove montanhas”.



O público, ainda com a emoção a flor da pele, aplaudiu, gritou, fez declarações de amor e ainda fez coro com o desejo de ‘Marina presidente’.



Nos bastidores ainda se pode ver uma Marina Silva com lágrimas dos olhos reverenciar dom Moacyr, que carinhosamente lhe beijou as mãos.



‘CEBs não é movimento, mas sim movimentação’



Dom Pedro Casaldáliga não esteve presente fisicamente ao evento, mas enviou uma mensagem edificante e com abordagens fortes sobre vários aspectos.



Com uma análise do que são as CEBs, ele relembrou do papel das comunidades e afirmou que não importa a denominação, pois a ação será a mesma. Um povo que luta por um mundo melhor. ‘A Igreja é o povo e fundamentalmente formada por leigos e leigas. As CEBs são encontros inter-religiosos e interculturais, pois o Deus não se fecha e sim se abre para as missões’.



Ao falar da mulher, dom Casaldáliga destacou que existe uma dívida com todas que compõem esta Igreja. ‘Penso que em breve se mudará a forma como se ver a eucaristia e mesmo que não existam sacerdotes, as próprias comunidades possam viver a eucaristia em sua plenitude’.



Entre tantos outros temas, dom Casaldáliga comentou sobre crise econômica e capitalismo. ‘A Igreja precisa condenar o capitalismo, pois é um pecado social e mesmo assim não foi condenado ainda.



Ao contar sobre seu enfrentamento com cardeais em Roma, ele destacou que ainda existe muito medo no Vaticano. ‘Não tenho nada a temer, pois o medo é o contrário da fé’.


Entre tantos nomes lembrados na cerimônia, que contou ainda com uma homenagem ao padre Gunter Kroemer, feita por indígenas, dom Pedro Casaldáliga certamente se apresenta com um líder em defensa da fé e dos direitos sociais e cristãos.


Belezas e gritos do 12º intereclesial das CEBs

Delze dos Santos Laureano[1] e Gilvander Luís Moreira[2]
fonte: www.adital.com.br



“Vi, então, um novo céu e uma nova terra ... um rio de água viva ... No meio da praça, de cada lado do rio, estão plantadas árvores da vida; elas dão fruto doze vezes por ano; todo mês elas frutificam; suas folhas servem para curar as nações.” (Ap 21,1; 22,1-2).



“Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, conquistam coisas extraordinárias.” Essa frase, proferida por Dom Moacyr Grechi, arcebispo da arquidiocese de Porto Velho, com gostinho de profecia, mas ao mesmo tempo dando-nos a certeza de que somente a partir dos pequenos, com os pequenos, na base da Igreja e da sociedade, poderemos criar em uma vida melhor, mais justa e mais fraterna, porquanto verdadeiramente cristã, deu o tom e se tornou uma das bandeiras do 12º intereclesial das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base. O 12º Encontro Nacional das CEBs aconteceu, de 21 a 25 de julho de 2009, em Porto Velho, Rondônia, como o tema “CEBs: ECOLOGIA E MISSÃO” e com o lema: “Do ventre da terra, floresta amazônica o grito que vem da Amazônia”.

Se participar das CEBs já é bom, imagine o encontro de mais de cinco mil pessoas entusiasmadas que acreditam em uma “Terra sem males” e em “Um novo céu e uma nova terra”, reunidas em um verdadeiro paraíso terrestre que é a vida em comunidade e pela primeira vez tendo como palco a Amazônia. Somente visitantes éramos mais de três mil pessoas, entre delegados das CEBs, assessores, coordenadores/ras, bispos, padres, freiras e convidados de mais de vinte países. Tivemos a graça de ver caminhando com o povo, participando da maioria dos eventos, como simples mortais, e sendo acolhidos nas mesmas famílias e alojamentos, 55 bispos, além do presidente da CNBB[3], Dom Geraldo Lírio Rocha, que, ao final, legitimados pela 5ª Conferência Episcopal da América Latina e Caribe, no Documento de Aparecida, demonstraram o compromisso de fortalecer a caminhada das CEBs no Brasil e na América Latina.

A escolha do lugar do encontro não poderia ter sido melhor. A viagem de quatro ou cinco dias, de ônibus por terra ou de barco por água, não desanimou os participantes das mais remotas comunidades espalhadas pelo interior do Brasil. CEBs de todas as Dioceses da Igreja Católica do Brasil estavam lá representadas. A acolhida foi fraterna e não deixou dúvidas acerca do que é ser verdadeiramente cristão. Mais de dois mil voluntários/as de Porto Velho e cidades vizinhas integraram as dez equipes de serviço. Não faltava nada, porque a partilha permeou todas as ações. Se o calor do clima era quente, o calor humano foi bem maior. Imagine se fôssemos por na ponta do lápis o custo desse 12º intereclesial, não fosse a solidariedade de tantos? O milagre da partilha aconteceu. Houve fartura de tudo: mais de três mil famílias abriram corações e residências para acolher graciosamente os quase três mil delegados das CEBs, comida preparada com muito carinho e cuidado, gente disposta a dar informações, disponibilizar carros, computadores e dons para o embelezamento dos espaços e preparação dos presentes/lembrancinhas que todos puderam levar para casa. Mais de sessenta ônibus transportaram o povo do Ginásio do SESI, transformado em “porto”, para os 12 “rios”, plenárias de 270 pessoas mais ou menos, que se subdividiam em 12 “canoas”, grupos de 20 a 30 pessoas. Quanto teríamos gastado com hotéis, restaurantes, transporte, se fosse um encontro dentro da lógica do sistema capitalista? Talvez por isso mesmo, os grandes meios de comunicação nacional praticamente ignoraram o encontro. Somente a imprensa local e as redes católicas deram alguma notícia. Assim, vemos confirmado o que já sabemos. O que move os interesses da mídia nacional são os acontecimentos que geram lucro ou que metem medo no povo.

Fomos recebidos como irmãos/ãs desde o aeroporto, ou porto ou na descida dos ônibus que levaram os participantes do norte, do sul, do sudeste, do leste, do centroeste e do oeste do Brasil. Equipes de acolhida recebiam os participantes cantando as músicas que animam as CEBs. Um largo sorriso e um abraço de boas-vindas davam o tom da hospitalidade experimentada por todos. Já no primeiro dia, tiveram início as diversas atividades preparadas ao longo dos quatro anos que precederam o 12º intereclesial. A passagem do trem das CEBs por Rondônia foi decidida em Ipatinga, Minas Gerais, em julho de 2005, no 11º intereclesial. Seguindo a metodologia tradicional das Comunidades - ver, julgar, agir e celebrar -, os milhares de participantes saíram e chegaram do “porto”, seguindo para os 12 “rios” e depois para as 144 “canoas”. O porto, situado na sede do SESI de Rondônia - foi o local das grandes plenárias, onde aconteceram as grandes celebrações, conferências, testemunhos de pessoas proféticas[4] e os momentos culturais para o maior número de pessoas.

Nos rios, ocorreram os momentos de preparação para ver a realidade e para a troca de experiências. Esses espaços, cedidos por escolas e igrejas, foram batizados de rio Araguaia, rio Tapajós, rio Tocantins, rio Guamá, rio Juruá, rio Gurupi, rio Itacaiúnas, rio Madeira, rio Guaporá, rio Jari, rio Purus e rio Oiapoque. Nesses espaços ocorreram o estudo, debates, mística e leitura orante da Bíblia, tudo temperado com muito canto e alegria. Foram, sobretudo, momentos únicos de encontro com pessoas que jamais poderíamos imaginar ter um dia essa oportunidade de encontrar. Gente nova, de lugares tão distantes do Brasil e de outros países, muitos da América Latina, que trouxeram consigo tanta riqueza espiritual e profética para partilhar. Conhecemos melhor, assim, a nossa própria realidade e a realidade do outro.

Foi nesses “rios” que aprendemos sobre os gritos e lutas que vêm da Amazônia e também os gritos e lutas que vêm dos outros biomas brasileiros - Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampas - e da América Latina e Caribe. Finalmente, conhecemos, em mutirão, quais são os sinais existentes na construção da tão sonhada “Terra sem males” e de “Um novo céu e uma nova terra”. Em apertada síntese, podemos dizer que os gritos e lutas partilhadas no 12º Encontro Nacional das CEBs podem ser agrupados em cinco grandes gritos: o grito da terra, o grito das águas, o grito das cidades, o grito das florestas, o grito das comunidades tradicionais.



O grito da terra



O grito da terra ocorre em vista da constatação de que permanece concentrada a terra no Brasil. A exploração capitalista somente dá lugar à monocultura, impedindo que os trabalhadores do campo possam produzir o seu próprio alimento. A falta de reforma agrária fomenta a violência, inibe a oportunidade de renda para milhares de famílias de trabalhadores rurais e aumenta a tensão sobre os territórios das comunidades tradicionais. Esses trabalhadores continuam sendo explorados como bóias-frias ou são expulsos para as cidades para engrossar a massa dos sem teto, sem emprego e dos marginalizados das periferias de todas as cidades, pequenas, médias e grandes. No governo Lula não há o menor compromisso em realizar a política de reforma agrária inscrita na Constituição.



O grito das águas



O grito das águas vem dos rios poluídos, verdadeiros depósitos de lixo. Sobram os metais pesados, resíduo da mineração, como o mercúrio, enxofre, cobre, zinco - sacolas plásticas e garrafas pet. Faltam peixes, microfauna, água limpa e mata ciliar para oxigenar os nossos rios. Não são somente os povos do sul do Brasil que sentem na pele, nos olhos, no nariz e na alma a morte de seus rios, transformados em canais de esgoto urbano e industrial. Também na Amazônia constata-se a agressão irresponsável aos rios, patrocinada pelo governo federal - como é no sudeste/nordeste o caso da Transposição do rio São Francisco - e para atender somente aos interesses capitalistas. A construção de grandes obras do IIRSA – Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (era Plano; agora, já é programa em implantação.) – ocorre à revelia de estudos consistentes dos impactos ambientais que ocorrerão com o represamento de grandes rios como o Madeira, principal afluente do rio Amazonas, onde ocorre a construção das hidroelétricas de Girau e Santo Antônio. O curso do rio madeira já foi desviado por meio de barragem. Constatamos na Caminhada dos Mártires[5] o imenso estrago ambiental provocado com a retirada da cobertura vegetal e com a movimentação de toneladas de terra. Poderíamos enumerar em muitas linhas todos os riscos da agressão irresponsável no Rio Madeira, que vai desde a mortandade de peixes até as ameaças às comunidades ribeirinhas, provocadas pelas mudanças no ambiente inclusive com o deslocamento de um enorme contingente de trabalhadores do sul para a região, normalmente homens sem mulheres. Isso ocorre sem nenhum cuidado em vista do rápido e massivo crescimento populacional. Outro projeto ameaçador é a barragem/hidrelétrica do Rio Xingu. A luta contra este insano projeto fez com que Dom Erwin Krautler, bispo da Prelazia de Xingu, Pará, e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), chegasse atrasado ao 12º intereclesial. Numa última e desesperada oportunidade, o bispo do Xingu tentou sensibilizar o Presidente Lula procurando chamá-lo à realidade, para que não cometa na Amazônia os mesmos crimes que os militares cometeram nos anos de 1970, quando começou em Altamira, no Pará, na conhecida Terra do Meio, a construção da Rodovia Transamazônica.

Vem da água também o grito contra a venda em garrafas pet do líquido da vida. Não bastasse a mercantilização da água, que deveria ser um crime, já que é um bem essencial à vida de todos os seres, os milhões de garrafas pets, descartadas diariamente apenas para o consumo de água para a desedentação humana, acelera a poluição irreversível de todo o ambiente, gerando enriquecimento para as mesmas empresas transnacionais representantes do capitalismo financeiro especulativo: Coca-cola, Pepsi, Nestlé. O comércio de água relega para segundo plano a qualidade da água canalizada destinada à maioria da população e é, na maioria das vezes, imprópria para o consumo humano.



O grito das cidades



O grito das cidades já é realidade também na Amazônia. O avanço do agronegócio, a retirada da floresta, e outras intervenções irresponsáveis no território amazônico continuam expulsando de forma crescente milhares de famílias de trabalhadores rurais, ribeirinhos, indígenas e quilombolas para as periferias das cidades médias e grandes. O crescimento das atividades minerárias também fez dobrar ou até triplicar a população em diversos municípios em menos de uma década, como foi o caso de Paraupebas, no Pará, onde está localizada a mineradora Vale. Além de continuar devastando as Minas Gerais, a Vale, e as dezenas de mineradoras coligadas a ela, avança sobre a Amazônia, especialmente no Pará. Há também o afavelamento em pequenas cidades próximas às obras patrocinadas ou autorizadas pelo governo federal. As cidades não têm como responder ao crescimento desordenado. A falta de infraestrutura multiplica os problemas de saúde pública, de falta de moradia, de precariedade dos serviços de educação e transporte, de acúmulo de lixo. A corrupção assola os espaços públicos, cuja população, sem laços comunitários, não tem como articular mudanças para ocupar os cargos públicos, eletivos ou não. Os políticos são os mesmos apadrinhados da velha oligarquia das capitais dos estados.



O grito da floresta amazônica



Da floresta amazônica vem o grito em vista do avanço da pecuária de corte, do avanço do agronegócio capitaneado pela soja. A retirada da madeira e as queimadas têm como principais mandantes os agropecuaristas, agora presenteados com um projeto de lei que transfere para o Congresso Nacional a competência para estabelecer os índices de produtividade, defasados desde a década de 1970, para a exploração agropecuária no Brasil. Esses índices indicam se a propriedade cumpre ou não a função social no aspecto do aproveitamento racional e adequado do imóvel. A retirada dessa competência das mãos do governo federal significa a manutenção de uma política agrária fundada na concentração de terras, cujos proprietários são beneficiados com baixa tributação, mesmo com o uso inadequado das terras subutilizadas. Enquanto no sul do país, em um hectare de terra são criadas cinco cabeças de gado para o corte, na Amazônia são necessários cinco hectares de terra para uma cabeça de gado. O preço irrisório da terra incentiva a criação extensiva do gado, sem nenhum investimento para melhorar a técnica de produção. Com isso perde a floresta amazônica, que é destruída em nome da exportação de carne e grãos para a geração do chamado superavit primário, perde a humanidade, que assiste inerte ao desaparecimento da única reserva florestal úmida do planeta.

Vem da floresta também o grito contra o loteamento de terras públicas na Amazônia, seja com a titulação, seja com o direito de manejo de florestas públicas. A aprovação da Medida Provisória 458/09, convertida na Lei 11.952/09 pelo Congresso Nacional, e sancionada pelo Presidente Lula, mostrou mais uma vez que o crime compensa no Brasil. Por meio dessa lei foi legalizada a grilagem de terra na Amazônia, favorecendo diretamente o agronegócio, que agora pode lançar mão dos recursos públicos para a exploração nessas áreas. Como os agentes financeiros, por força do Código Florestal, só podem financiar atividades agropecuárias em imóveis que tenham averbadas as áreas de reserva legal, e como a averbação da reserva legal depende de registro no Cartório, estavam os agropecuaristas da Amazônia impedidos de ter acesso ao crédito. Agora, como mero verniz de legalidade, está tudo em ordem. O governo federal entregou, via Lei 11.952/09, 67 milhões de hectares de terras públicas da Amazônia (aproximadamente 13% da Amazônia Legal. Os pequenos são 80%, mas ficarão com apenas 20% das terras legalizadas.), dados levantados por Ariovaldo Umbelino, 1.500 hectares de terra para cada grileiro sem o necessário processo judicial. Toda a regularização é feita no Cartório. Após três anos, essas terras poderão ser vendidas e, assim, estão abertas as comportas para o crescimento da latifundiarização da Amazônia. A Lei 11.952/09 torna-se pior do que a Lei de Terras, Lei 601/1850, que escravizou a terra nas vésperas da “libertação” dos escravos negros.

Quanto ao manejo de floresta, é “coisa para inglês ver”, já que, mesmo dispondo a lei – Lei 11.284/06 - que as áreas de florestas públicas deverão ser preferencialmente exploradas pelas comunidades tradicionais, na prática, em vista das dificuldades para a elaboração dos projetos e das exigências para comprovar a viabilidade econômica, somente empresas conseguirão participar das licitações. Resultado, o governo federal fornece agora os selos para a exportação de madeiras brasileiras e para o tráfico de plantas medicinais e outras riquezas essenciais para a vida dos povos da floresta. Aumenta assim as ameaças à vida das comunidades naqueles territórios.

Roberto Malvezzi, da CPT, alerta: “A Floresta Amazônica ajuda o planeta a fazer seu metabolismo. As florestas absorvem 20% do gás carbônico emitido na atmosfera. Derrubada, não só deixa de cumprir seu papel na respiração de Gaia, como também contribuir com a emissão de CO2 hoje fixado pela Floresta. Cumpre também papel essencial no regime das chuvas. Hoje se fala em "oceano verde". Sabe-se que o rio aéreo que vem da floresta para a região sul do Brasil, inclusive outras países, é maior que o volume de água do próprio rio Amazonas. Portanto, a derrubada da floresta terá conseqüências imediatas também para a região sul e sudeste.”



O grito das comunidades tradicionais



As comunidades tradicionais - povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, etc. - gritam diante do descaso dos diversos governantes para com a sua existência. Gritam em face dos crimes praticados pelos grileiros, pessoas e empresas, que vão para a Amazônia pensando em ganhar muito dinheiro e com pouco esforço. Pessoas e empresas que enxergam nos rios apenas recursos hídricos a serem explorados, que veem na Amazônia o eldorado dos filmes de Far West, lugar de matar índio e derrubar matas e enfrentar os mistérios de rios e natureza como se isso fosse ato heróico. Ignoram-se os saberes, as culturas autóctones, a mística e espiritualidade indígenas, a riqueza das formas como ocorrem as atividades econômicas entre os diversos integrantes dessas comunidades simples. É absurda a afirmação de que a manutenção de comunidades tradicionais atrapalha o progresso (para quem?) porque não geram riquezas (para quem?). Não existe nenhum estudo científico que tenha feito um levantamento sério acerca da riqueza produzida nessas comunidades. Se somarmos o que o governo gasta com as políticas de segurança pública – polícia, hospitais para atender vítimas da violência, grandes obras viárias para escoar diariamente os automóveis individuais nas cidades, ou o quanto seria gasto em transporte público e toda a parafernália demandada para se sobreviver nas grandes cidades, veriam os governantes que, além de estarem protegendo território e cultura, as comunidades tradicionais são o que há de mais viável hoje no Brasil em vista da crise financeira mundial e da crise ecológica.



O que aprendemos com tudo isso



Infelizmente a Amazônia ainda é vista como uma enorme reserva de matéria-prima para a exploração. Os povos amazônidas vivem naquela terra desde milhares de anos sem que fosse preciso destruir o ambiente. Ainda existem 35 povos indígenas que continuam vivendo dentro da floresta em profunda harmonia com a biodiversidade amazônica sem nenhum contato com o mundo ocidental capitalista. Isso porque os povos amazônidas sabem que não existe essa separação, seres humanos/ambiente. Os seres amazônicos, todos, são ambiente. Sabiamente creem que da água é que nasce a vida. Por isso, ensina Dom Moacyr Grechi, é preciso amazonizar o Brasil!

Um jovem indígena, de 21 anos, filho de mãe cacique da tribo, em um dos “rios” do 12º intereclesial comoveu a todos ao testemunhar: “Nós, povos indígenas, não queremos apenas terra para nossa gente sobreviver; queremos que a terra sobreviva para que todos nós, todos os povos, inclusive os brancos, possamos continuar vivendo juntos”.

A Carta Final do 12º Intereclesial das CEBs às Comunidades celebrou vários compromissos, entre os quais: “Comprometemo-nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares: as dos povos indígenas, pela demarcação e homologação de suas terras e respeito por suas culturas; as dos afro-descendentes, pelo reconhecimento e demarcação das terras quilombolas; as das mulheres, por sua dignidade e igualdade e avanço em suas articulações locais, nacionais e internacionais; as dos ribeirinhos, pela legalização de suas posses; as dos atingidos pelas barragens, pelo direito à terra equivalente, pela restituição de seus meios de sobrevivência perdidos e indenização por suas benfeitorias; as dos sem terra, apoiando-os em suas ocupações e em sua e nossa luta pela reforma agrária, contra o latifúndio e os grileiros; as dos Movimentos Ecológicos, contra a devastação da natureza, pela defesa das águas e dos animais”.

No último dia do 12º Intereclesial, líderes de oito religiões rezaram juntos e assumiram conjuntamente vários compromissos, entre os quais: “Que nenhum ódio nem nenhum conflito, que nenhuma guerra encontre um incentivo nas religiões. A guerra não pode ser motivada pelas religiões. Que as palavras das religiões sejam sempre palavras de Paz! Que as religiões guiem os corações na pacificação da terra!”

Enfim, na sua 12ª estação, o trem das CEBs, após 11 intereclesiais, ancorou no porto de Porto Velho, onde realizou um verdadeiro Fórum Social Brasileiro das CEBs, elevando as CEBs a Comunidades Eclesiais e Ecológicas de Base. Deu para sentir que o Espírito de vida pulsa forte em toda biodiversidade amazônica, clama e resiste. Sentimos também o axé, uma força de vida, que irrompe do bioma amazônico. É apaixonante! Quem conhece a Amazônia e os amazônidas passa a amar e a defender a vida e toda a biodiversidade.



Indicamos para aprofundamento sobre CEBs:

O livro texto-base do 12º Intereclesial das CEBs: Valdecir Luiz Cordeiro (org.), CEBs/ECOLOGIA E MISSÃO - Do ventre da Terra, o grito que vem da Amazônia, Ed. Paulus, São Paulo, 2008.

www.cebs12.org.br

www.cebsuai.org.br



Belo Horizonte, 31 de julho de 2009.

[1] Professora de Direito Agrário na Escola Superior Dom Hélder Câmara, em Belo Horizonte, MG; mestre em Direito Constitucional pela UFMG, doutoranda em Direito Internacional Público - Direitos Humanos - pela PUC MINAS; integrante da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares; uma das assessoras do 12º Intereclesial; e-mail: delzesantos@hotmail.com

[2] Frei e Padre Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, assessor da CPT – Comissão Pastoral da Terra -, do CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina; um dos assessores do 12º intereclesial; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br

[3] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

[4] Dom José Maria Pires, o dom Zumbi, arcebispo emérito da Paraíba, no alto dos seus 90 anos de idade, marcou indelevelmente a todos com seu testemunho. Fez uma retrospectiva da luta do povo negro desde quando foram desterrados da mãe África, jogados nos navios negreiros e transformados em mercadoria, em “peça”, no Brasil. Condenou a escravidão de ontem e a de hoje. Conclamou: “O negro e o branco são diferentes, um não é superior ao outro. Devem conviver como irmãos”.

Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix da Araguaia, mesmo na ausência física, esteve presente espiritualmente. Através de uma entrevista gravada com ele, foi visto e ouvido no telão e, convivendo com o irmão Parkinson, revelou estar ainda muito bem de cabeça. Exortou as CEBs a continuarem na caminhada profética com espiritualidade libertadora. “A Igreja precisa condenar o capitalismo, pois é um pecado social e mesmo assim não foi condenado ainda”, bradou Pedro, o bispo pastor e profeta, cofundador da CPT – Comissão Pastoral da Terra – e do CIMI – Conselho Indigenista Missionário.

[5] À tardezinha, realizamos a Caminhada dos Mártires, em direção ao local onde está sendo construída a Usina Hidreloétrica de Santo Antônio no rio Madeira. Vimos com nossos olhos o rio já desviado e em cujo leito seco, ao som dos estampidos das rochas dinamitadas, está sendo concretada a barragem da hidroelétrica. Celebramos ali Ato Penitencial por todas as agressões contra a natureza e a vida humana. Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das cachoeiras de Santo Antônio, agora totalmente secas, ao lado da primeira capela construída na região, no alto de uma grande pedra, foram proclamadas as Bem-aventuranças evangélicas (Mt 5,1-12), sinal da teimosa esperança dos pequenos, os preferidos do Deus da vida.


Carta às Irmãs e aos Irmãos das CEBs e a todo Povo de Deus


Bem­aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu!
Bem­aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados...”
(Mt 5, 3.6)

1. Nós, participantes do XII Intereclesial das CEBs, daqui das margens do Rio Madeira, no coração da
Amazônia, saudamos com afeto as irmãs e irmãos de todos os cantos do Brasil e dos demais países do
continente, que sonham conosco com novos céus e nova terra, num jeito novo de ser igreja, de atuar em
sociedade e de cuidar respeitosa e amorosamente de toda a criação!
2. Fomos convocados de 21 a 25 de julho de 2009, pelo Espírito e pela Igreja irmã de Porto Velho/RO,
para nos debruçar sobre o tema que nos guiou por toda a preparação do Intereclesial em nossas
comunidades e regionais:
“CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”.
Acolhendo as delegações e celebrando os povos da Amazônia
3. Encheu‐nos de entusiasmo ver chegando, depois de dois, três e até cinco dias de viagem os delegados,
em sua maioria de ônibus fretados, ou ainda em barcos e aviões. Em muitos ônibus, vieram
acompanhados de seus bispos e encontraram, ao longo do caminho, acolhida festiva e refrigério em
paradas nas dioceses de Rondonópolis, Cuiabá e Cáceres no Mato Grosso, Jataí em Goiás, Uberlândia em
Minas Gerais e, entrando em Rondônia, nas comunidades de Vilhena, Pimenta Bueno, Cacoal, Presidente
Médici, Ji‐Paraná, Ouro Preto e Jaru. Apresentamos carinhoso agradecimento pela fraterna e generosa
acolhida de todas as delegações pelas famílias, comunidades e paróquias de Porto Velho, o infatigável
trabalho e dedicação do Secretariado e das equipes de serviço, em que se destacaram tantos jovens.
4. Somos 3.010 delegados, aos quais se somam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que
acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. Dos delegados
de quase todas as 272 dioceses do Brasil, 2.174 são leigos, sendo 1.234 mulheres e 940 homens; 197
religiosas, 41 religiosos irmãos, 331 presbíteros e 56 bispos, dentre os quais um da Igreja Episcopal
Anglicana do Brasil, além de pastores, pastoras e fiéis dessa Igreja, da Igreja Metodista, da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Unida de Cristo do Japão. O caráter pluriétnico,
pluricultural e plurilinguístico de nossa Assembléia encontra‐se espelhado no rosto das 38 nações
indígenas aqui presentes e no de irmãos e irmãs de nove países da América Latina e do Caribe, de cinco
da Europa, de um da África, de outro da Ásia e da América do Norte. Queremos ressaltar a presença
marcante da juventude de todo o Brasil por meio de suas várias organizações.
5. “Sejam benvindos/as nesta terra de muitos rios, igarapés e de muitas matas, onde está a Arquidiocese de
Porto Velho, que se faz hoje a Casa das Comunidades Eclesiais de Base”. Assim, fomos recebidos, na
celebração de abertura pela equipe da celebração e por Dom Moacyr Grechi, com muita música e canto,
ao cair da noite, ao lado dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira‐Mamoré que lembra para os
trabalhadores, que a construíram e para os indígenas e migrantes nordestinos, o sofrido ciclo da borracha
na Amazônia. Foram evocadas ali e, seguidamente nos dias seguintes, as palavras sábias do provérbio
africano:
“Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes,
consegue mudanças extraordinárias”.
6. Pelas mãos de representantes dos povos indígenas, dos quilombolas, seringueiros, ribeirinhos,
posseiros e de migrantes do campo e da cidade foram plantadas ao lado do altar, três grandes tochas.
Nelas, foram acesas milhares de velas dos participantes, cujas luzes se espalharam pelos degraus da
esplanada, enquanto ouvíamos o canto do Cristo dos Seringais:
“Na densa floresta vai um caminheiro
Cristo seringueiro a seringa a cortar... “,
Os versos eram entrecortados pelo refrão:
“E vem a esperança que surja a bonança,
Não seja explorado o suor na balança”.

“E vem a esperança que surja a mudança
E o homem refaça com Deus a aliança”.
Ouvindo os gritos das comunidades da Amazônia e comungando com seus sonhos
7. Com o apito da sirene da Madeira‐Mamoré, o trem das CEBs retomou sua caminhada, reunindo‐se no
dia seguinte, na grande plenária do PORTO, aclamado pela Assembléia, “PORTO DOM HELDER CAMARA”,
pelo centenário do seu nascimento (1909‐2009) e em resgate de sua profética atuação. Iniciamos esse
primeiro dia, dedicado ao VER, partindo do grito profético da terra e dos povos da Amazônia, símbolos da
humanidade, na sua rica diversidade, deixando‐nos guiar na celebração pelo som dos maracás, tambores
e flautas e pela dança de louvor a Deus de nossos irmãos e irmãs indígenas. Dali, partimos para os locais
dos mini‐plenários de 250 participantes, nas paróquias e escolas. Eles levavam os nomes de doze RIOS da
bacia amazônica: Madeira, Juruá, Purus, Oiapoque, Guamá, Tocantins, Tapajós, Itacaiunas, Guaporé,
Gurupi, Araguaia e Jari
8. Divididos nos Rios em 12 CANOAS, com duas dezenas de participantes cada uma, partilhamos as
experiências, gritos e lutas das comunidades em relação à nossa Casa comum, a partir do bioma
amazônico e dos outros biomas do Brasil (cerrado, caatinga, pantanal, pampas, mata atlântica e
manguezais da zona costeira), da América Latina e do Caribe. Vimos nossa Casa ameaçada pelo
desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas,
sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras, pelas queimadas, poluição e
envenenamento das águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos, pelos rejeitos das
mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra‐se ameaçada também pelo crescente tráfico de drogas, de
mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado pela violência urbana.
9. Somamos nosso grito ao das populações locais, para que a Amazônia não seja tratada como colônia, de
onde se retiram suas riquezas e amazonidades, em favor de interesses alheios, mas que seja vista em pé
de igualdade, no concerto das grandes regiões irmãs, com sua contribuição específica em favor da vida
dos povos, em especial de seus 23 milhões de habitantes, para que tenham o suficiente para viver com
dignidade.
10. Fazemos um apelo para que os governantes sejam sensíveis ao grito que brota do ventre da Terra e,
pautados por uma ética do cuidado, adotem uma política de contenção de projetos que agridem a
Amazônia e seus povos da floresta, quilombolas, ribeirinhos, migrantes do campo e da cidade, numa
perspectiva que efetivamente inclua os amazônidas, como colaboradores verdadeiros na definição dos
rumos da Amazônia.
11. Tomamos consciência também de nossas responsabilidades em relação ao reto uso da água, da terra,
do solo urbano e à superação do consumismo, respondendo ao apelo, para que todos vivamos do
necessário, para que ninguém passe necessidade.
12. Constatamos, com alegria, a multiplicação de iniciativas em favor do meio ambiente, como a de
humildes catadores de material reciclável, no meio urbano, tornando‐se profetas da ecologia e as de
economia solidária, agricultura orgânica e ecológica. Saudamos os muitos sinais de uma “Terra sem
males”, fazendo‐nos crescer na esperança de que “outro mundo é possível, necessário e urgente”.
13. De tarde, realizamos a Caminhada dos Mártires, em direção ao local onde o rio Madeira foi desviado e
em cujo leito seco, ao som dos estampidos das rochas dinamitadas, está sendo concretada a barragem da
hidrelétrica. Celebrou‐se ali Ato Penitencial por todas as agressões contra a natureza e a vida humana.
Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das cachoeiras de Santo Antônio, agora totalmente secas, ao
lado da primeira capela construída na região, foram proclamadas as Bem‐aventuranças evangélicas (Mt 5,
1‐12), sinal da teimosa esperança dos pequenos, os preferidos de Deus.
14. No segundo dia, prosseguimos com o VER, com uma pincelada sobre a conjuntura atual na esfera
sócio‐política e econômica, apresentada por Pedro Ribeiro de Oliveira; na perspectiva das mulheres, por
Julieta Amaral da Costa e do ponto de vista ecológico, por Leonardo Boff. Atendendo ao convite de Jesus:
“Vinde e vede” (Jo, 1, 39), após a pergunta dos discípulos, “Mestre, onde moras?” (Jo 1, 38), partimos em
grupos, em visita às muitas realidades locais: populações indígenas, comunidades afro‐descendentes,
ribeirinhas, extrativistas, grupos vivendo em assentamentos rurais ou em áreas de ocupação urbana;
bairros da periferia; hospitais, prisões, casas de recuperação de pessoas com dependência química e
ainda a trabalhos com menores ou pessoas com deficiência. O retorno foi rico na partilha de experiências,
nas quais descobrimos sinais de vida nova. Reiteramos que os projetos dos grandes, principalmente as
barragens das usinas hidrelétricas, as usinas nucleares geradoras de lixo atômico que põe em risco a
população local, são projetos do capital transnacional que não favorecem os pequenos. Apoiados na
sabedoria milenar dos povos indígenas, nos sentimos animados a repetir com eles: “Nunca deixaremos de
ser o que somos”. Nós, como CEBs no meio dos simples e pequenos, reafirmamos nossa teimosa opção
pelos pobres e pelos jovens, proclamada há trinta anos em Puebla, resistindo e lutando para superar
nossas dificuldades, sustentados pela fé no Deus que se revelou a nós como Trindade, a melhor
comunidade.
15. No terceiro dia, as celebrações da manhã aconteceram nos rios, resgatando memórias da
espiritualidade dos povos da região e das experiências colhidas no caminho missionário percorrido no
dia anterior, nas visitas às muitas realidades eclesiais e sociais de Rondônia. A oração foi alentada pela
promessa do Êxodo: “Decidi vos libertar... vos farei subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra,
onde corre leite e mel” (Ex. 3, 8). Em cada canoa, os relatos iam revelando uma igreja preocupada com a
justiça social e a defesa da vida nos testemunhos de gente simples em todos aqueles lugares visitados.
Esses relatos aqueceram nosso coração e nos desafiaram a perseverar na caminhada das CEBs.
16. À tarde, fomos tocados por vários testemunhos. Em primeiro lugar, pela sentida oração dos Xerentes
do Tocantins que celebraram seu ritual pelos mortos, homenageando o amigo e missionário, Pe. Gunter
Kroemer. Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, retomou em sua história a trajetória dos
negros no Brasil, suas dores, resistências e esperanças de um mundo melhor, nos seus Quilombos da
liberdade. Marina Silva, senadora pelo Acre e ex‐ministra do Meio Ambiente, contou sua caminhada de
menina analfabeta do seringal para a cidade de Rio Branco e de lá para São Paulo, mas principalmente
sua incessante busca, a partir da fé herdada de sua avó, alimentada pela experiência das CEBs, da leitura
da Palavra de Deus e pelo exemplo de Chico Mendes, de bem viver e de colocar‐se publicamente a serviço,
em favor do povo amazônida. Por fim, depois da apresentação de Dom Tomás Balduíno, em que ressaltou
o papel de Dom Pedro Casaldáliga da Prelazia de São Félix do Araguaia na fundação, junto com outros, do
CIMI, da CPT e de Pastorais Sociais, acompanhamos pelo vídeo seu testemunho e nos emocionamos com
suas palavras de esperança e confiança em Jesus e na utopia do seu Reinado.
17. Neste dia, ocorreu também o encontro da Pastoral da Juventude de todo o Brasil e outro também
muito significativo entre bispos, assessores e Ampliada Nacional das CEBs. Momento fecundo do
estreitamento de laços e abertura a novos passos em nossa caminhada, em que foi expressa a alegria e
alento trazidos pela presença significativa de tantos bispos. Desse encontro, os bispos presentes
resolveram enviar sua palavra às comunidades:
Palavras dos Bispos às CEBs
18. Os 56 bispos participantes do Intereclesial, reunidos na sexta‐feira à noite com os assessores e os
membros da Ampliada Nacional das CEBs, avaliaram muito positivamente o Intereclesial, destacando
especialmente a seriedade e o empenho dos participantes no debate da temática do encontro, a
espiritualidade expressa nas bonitas celebrações diárias nos “rios”, o clima sereno e fraterno e o grande
envolvimento das comunidades das dioceses do regional Noroeste da CNBB na organização e realização
do encontro.
A presença de 331 padres que participaram do Intereclesial levou os bispos a exprimirem o desejo de
que, neste ano sacerdotal, todos os padres do Brasil renovem o compromisso de acompanhar as CEBs,
empenhadas em testemunhar os valores do Reino, como discípulas e missionárias.
Constatando que, a partir da Conferência de Aparecida, as CEBs ganharam reconhecimento e novo alento
em todo o continente, os bispos tiveram também palavras de apoio e incentivo para a continuação da
caminhada das comunidades no Brasil, reforçadas pelo presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha.
Diante da agressão continuada da Amazônia, juntamente com todos os participantes do encontro,
manifestaram sua preocupação com a construção da barragem de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira,
os projetos de outras barragens no Xingu, Tapajós, Araguaia e noutros rios e a continuada devastação da
floresta pelo avanço da pecuária, das plantações de soja e cana, e da extração ilegal de madeira.
Nas diferenças, o mesmo Deus que nos convoca para a Justiça e a Paz
19. Na manhã do último dia, fomos guiados pelo texto do Apocalipse: “O anjo mostrou para mim, um rio de
água viva... O rio brotava do trono de Deus e do cordeiro...; de cada lado do rio estão plantadas árvores da
vida... suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22, 1‐2). Bebemos no manancial da fé que nos une a
todos e todas, na única família humana, como filhos e filhas da mesma Mãe‐Terra, a Pacha‐Mama dos
povos andinos, a Terra sem Males dos Povos Guarani, na busca, sonho e construção do Reino de Deus
anunciado por Jesus.
20. Juntos, representantes das Religiões Indígenas e dos Cultos Afro‐brasileiros, de Judeus, Cristãos
Ortodoxos, Católicos e Evangélicos, Muçulmanos, de mulheres e homens de boa vontade e de todas as
crenças, no diálogo e respeito à diversidade da teia da vida, acolhemos os gritos da Amazônia e de todos
os biomas e reafirmamos nossa solidariedade e compromisso com a justiça geradora da paz.
21. Caminhamos como povo de Deus que conquista a Terra Prometida e a torna espaço de fartura e
fraternura, acolhendo todas as expressões da vida.
Nossos Compromissos
22. Comprometemo‐nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares: as dos povos indígenas,
pela demarcação e homologação de suas terras e respeito por suas culturas; as dos afro‐descendentes,
pelo reconhecimento e demarcação das terras quilombolas; as das mulheres, por sua dignidade e
igualdade e avanço em suas articulações locais, nacionais e internacionais; as dos ribeirinhos pela
legalização de suas posses; as dos atingidos pelas barragens, pelo direito à terra equivalente, restituição
de seus meios de sobrevivência perdidos e indenização por suas benfeitorias; as dos sem terra, apoiando‐
os em suas ocupações e em sua e nossa luta pela reforma agrária, contra o latifúndio e os grileiros; as dos
Movimentos Ecológicos, contra a devastação da natureza, pela defesa das águas e dos animais.
23. Queremos defender e apoiar o movimento FLORESTANIA, no respeito à agrobiodiversidade e aos
valores culturais, sociais e ambientais da Amazônia.
24. Assumimos também o compromisso de respaldar modelos econômicos alternativos na agricultura, na
produção de energias limpas e ambientalmente amigáveis; de participar na luta sindical, reforçando a
ação dos sindicatos do campo e da cidade, com suas associações e cooperativas e sua luta contra o
desemprego, com especial atenção à juventude.
25. Convocamos a todos nós para o trabalho político de base, para a militância em movimentos sociais e
partidos ligados às lutas populares; para participar nas lutas por políticas públicas ligadas à educação,
saúde, moradia, transporte, saneamento básico, emprego, reforma agrária e para tomar parte nos
conselhos de cidadania, nas pastorais sociais, no movimento pela não redução da maioridade penal, no
Grito dos Excluídos, nas iniciativas do 1o. de Maio e das Semanas Sociais.
26. Comprometemo‐nos ainda a fortalecer e multiplicar nossas Comunidades Eclesiais de Base, criando
comunidades eclesiais e ecológicas de base nos bairros das cidades e na zona rural, promovendo a
educação ambiental em todos os espaços de nossa atuação; a intensificar a formação bíblica; a incentivar
uma Igreja toda ela ministerial, com ministérios diversificados confiados a leigas e leigos assumindo seu
protagonismo, como sujeitos privilegiados da missão; a fortalecer o diálogo ecumênico e inter‐religioso
superando a intolerância religiosa e os preconceitos.
27. Queremos, a partir das CEBs, repensar a pastoral urbana, como um dos grandes desafios eclesiais;
assumir o testemunho e a memória dos nossos mártires e empenhar‐nos na Missão Continental proposta
pela V Conferência do Episcopado Latino‐americano e Caribenho, em Aparecida.
Rumo ao XIII Intereclesial no Ceará
28. Acompanhados pelas comunidades e famílias que nos receberam e caravanas de todo o Regional,
celebramos a Eucaristia, presença sempre viva do Crucificado/Ressuscitado, comprometendo‐nos com
todos os crucificados de nossa sociedade, com suas lutas por libertação, para construirmos outro mundo
possível, como testemunhas da Páscoa do Senhor, acompanhados pela proteção e benção da Mãe de Deus,
celebrada no Círio de Nazaré e invocada na região amazônica, com outros tantos nomes; no Brasil, com o
título de Aparecida, e na nossa América, com o de Virgem de Guadalupe.
29. Escolhida a Igreja do Crato, que irá acolher, nas terras do Padim Pe. Cícero, o XIII Intereclesial,
recolocamos nos trilhos o trem das CEBs, rumo ao Ceará, enviando a vocês, irmãos e irmãs das
comunidades, nosso abraço fraterno, e cheio de revigorada esperança. AMÉM! AXÉ! AUERÊ! ALELUIA!

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