Enviado por: "Vilemar F.Costa" vilemarfc@gmail.com
*Parece haver duas ocasiões que exigem dois planos para a esquerda mundial,
e em particular a estadunidense. A primeira ocasião é de curto prazo. O
mundo está numa profunda depressão, que só vai piorar pelo menos no próximo
ou em dois anos. O curto prazo imediato concerne ao desemprego que muita
gente está enfrentando, o rebaixamento de salários e em muitos casos a perda
das casas. Se os movimentos de esquerda não têm planos para esse cenário de
curto prazo, eles não podem estabelecer uma conexão, em sentido algum, com a
maior parte das pessoas. *
*A segunda ocasião é a crise estrutural do capitalismo como sistema mundial,
que enfrenta, em minha opinião, sua extinção nos próximos vinte ou quarenta
anos. Esse é o cenário no médio prazo. E se a esquerda não tem planos para o
médio prazo, o que substituirá o capitalismo como sistema mundial será algo
pior, provavelmente muito pior do que o terrível sistema que se tem vivido
nos últimos cinco séculos. *
*As duas ocasiões exigem táticas diferentes, mas combinadas. Qual a nossa
situação no curto prazo? Os Estados Unidos elegeram um presidente centrista,
cujas inclinações estão um pouco à esquerda do centro. A esquerda ou a sua
maior parte, votou nele por duas razões. A alternativa era pior, na verdade
muito pior. Então votamos no menos mal. A segunda razão é que pensamos que a
eleição de Obama poderia abrir espaço para movimentos sociais de esquerda. *
*O problema que a esquerda está enfrentando não é nada novo. Situações como
essa acontecem como padrão. **Roosevelt* *, em 1933, Attlee em 1945, **
Mitterand** em 1981, **Mandela** em 1994, **Lula** em 2002 foram todos **
Obamas** em seus momentos e lugares. E a lista poderia ser expandida
infinitamente. O que faz a esquerda quando essas figuras “decepcionam”, como
devem provavelmente todas fazê-lo, à medida que são todos centristas, mesmo
se estão à esquerda do centro?*
*Em minha opinião, a única atitude sensata é aquela tomada pelo grande,
poderoso e militante **Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST)**no Brasil. O
**MST** apoiou **Lula** em 2002 e, a despeito do não-cumprimento do que ele
prometeu, eles o apoiaram na sua reeleição em 2006. E fizeram isso com plena
consciência das limitações de seu governo, porque a alternativa era
claramente pior. O que eles também fizeram, contudo, foi manter a pressão
nos encontros com o governo, denunciando- o publicamente quando fosse
merecido e se organizando contra suas falhas. *
*O **MST** poderia ser um bom exemplo para a esquerda estadunidense, se
tivéssemos qualquer coisa comparável em termos de um movimento social forte.
Nós não temos, mas isso não deveria nos impedir de tentar nos juntar e fazer
o melhor que podemos para pressionar **Obama** como faz o **MST**, aberta,
pública e pesadamente – o tempo todo e é claro apoiando-o com entusiasmo
quando o governo acerta. O que nós queremos de **Obama** não é transformação
social. Tampouco ele quer, ou pode, oferecer-nos isso. Queremos dele medidas
que venham a minimizar a dor e o sofrimento da maioria das pessoas agora.
Isso ele pode fazer, e é aí que a pressão sobre ele pode fazer uma
diferença. *
*O médio prazo é bastante diferente. E aqui **Obama** é irrelevante, assim
como o são todos os outros governos à esquerda do centro. O que está em
curso é a desintegração do capitalismo como sistema mundial, não porque ele
não pode garantir o bem-estar da imensa maioria (ele nunca pôde isso), mas
porque ele não pode mais assegurar que os capitalistas terão uma acumulação
sem fim do capital como sua razão de ser.*
*Chegamos a um momento em que nem capitalistas de visão, nem seus oponentes
(nós) estão tentando preservar o sistema. Estamos ambos tentando estabelecer
um novo sistema, mas é claro que temos idéias muito diferentes, na verdade
radicalmente opostas, quanto à natureza desse novo sistema. *
*Porque o sistema se moveu para muito longe do equilíbrio, tornou-se
caótico. Estamos assistindo a flutuações selvagens nos indicadores
econômicos usuais – os preços das commodities, o valor relativo das ações,
os níveis reais das taxas de câmbio, a quantidade de itens produzidos e
comercializados. À medida que ninguém realmente sabe, praticamente de um dia
para o outro, onde esses indicadores vão parar, ninguém pode razoavelmente
planejar coisa alguma. *
*Numa situação dessas, ninguém sabe quais medidas serão melhores, qualquer
que seja sua política. Essa própria confusão intelectual prática leva a
demagogias frenéticas de todos os tipos. O sistema está se bifurcando, o que
significa que em vinte ou quarenta anos haverá algum novo sistema, que
criará ordem a partir do caos. Mas nós não sabemos que sistema será esse. *
*O que nós podemos fazer? Antes de qualquer coisa, devemos ter clareza a
respeito do que se trata essa batalha. Esta é a batalha entre o espírito de
Davos (por um novo sistema que não é o capitalismo, mas é apesar disso
hierárquico, explorador e polarizador) e o espírito de Porto Alegre (um novo
sistema que é relativamente democrático e relativamente igualitário). *
*Nenhum mal menor aqui. É uma coisa ou outra. *
*O que deve a esquerda fazer? Promover a clareza intelectual a respeito da
escolha fundamental. Então, organizar-se em milhares de níveis e em milhares
de maneiras para empurrar as coisas para a direção correta. A principal
coisa a fazer é encorajar a "descommoditificaçã o" de tudo o que pudermos
"descommoditificar" . A segundo é experimentar todos os tipos de novas
estruturas que faça um sentido melhor de justiça global e sanidade
ecológica. E a terceira coisa que devemos fazer é encorajar o otimismo
sóbrio. A vitória está longe de ser certa. Mas é possível. *
*Então, para resumir: trabalhar no curto prazo para minimizar a dor, e no
médio prazo para assegurar que o novo sistema que emergirá será um melhor, e
não um pior. Mas fazer este trabalho sem triunfalismo, e sabendo que a luta
será tremendamente difiícil. *
*Immanuel **Wallerstein
**, 78 anos, pesquisador sênior na **Universidade* * **Yale** e autor de **O
Moderno Sistema Mundial**, sobre a globalização do capitalismo. *
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