quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Há almoço grátis? Há financiamento privado de campanha política com base no interesse público?

O que acontece quando um grupo de amigos, acostumados a saírem juntos para almoçar, jantar ou bebericar, permitem que um deles sempre pague a conta ?
Certamente as preferências desse amigo terminam prevalecendo: o local, dia e horário do encontro, escolha dos pratos, os tipos de bebida, os temas das conversas, dentre outras.

Situação diferente ocorre quando todos pagam a conta. Neste caso, a decisão das questões acima é tomada com base em outros elementos, a exemplo da capacidade de argumentação, da confiança na experiência de quem faz uma proposta, da empatia do membro do grupo com os demais, dentre outros critérios.

Esse exemplo me veio à mente quando refletia sobre uma questão pouco discutida nos meios de comunicação, inclusive na WEB. È um tema dos mais urgentes e necessários e que, se não for enfrentado, pode nos levar à situação que provocou as recentes manifestações de milhares de jovens europeus.

Como deve ser do conhecimento de muitos brasileiros, considerável número de jovens do velho continente, notadamente os espanhóis que formaram o acampamento porta do sol, apontaram o fim do financiamento privado das campanhas políticas como uma das questões fundamentais para o efetivo controle democrático dos governos pela maioria que os elegeu.

Esses jovens há muito perceberam que no sistema eleitoral financiado pela iniciativa privada, a população é apenas um detalhe, lembrando o velho bordão de um certo humorista brasileiro. Em outras palavras, a população vota, mas quem realmente dá as cartas, após os eleitos assumirem, são aqueles que financiaram suas campanhas políticas.

Isto provoca, entre outras situações absurdas, o consenso ideológico dos grandes partidos, tanto de esquerda quanto de direita, em torno de alguns temas que passam a ser de interesse comum, algo impensável nos primórdios da democracia moderna.

Exemplo dessa assertiva é a atual crise financeira global, cujas bases doutrinárias estão no famoso Consenso de Washington, gerando, entre outras ações no plano político e econômico, uma excessiva desregulamentação do sistema econômico, fonte de um sem número de maracutaias e esquemas fraudulentos arquitetados por empresários e financistas.

E para piorar a situação, o que fizeram os governantes americanos, europeus e mesmo, com menor intensidade, o governo brasileiro, após a crise de 2008 e 2009 ? Injetaram dinheiro público para cobrir os prejuízos causados à economia por aqueles que sempre foram contra uma maior utilização de recursos estatais no combate à fome e à miséria.

Com isso, o Estado, tratado como a Geni da magistral composição de Chico Buarque, o salvador da pátria para bancos e empresas, após assumir suas dividas, fica impossibilitado de investir nas áreas sociais por influência daqueles que utilizaram os cofres públicos para cobrir o rombo em suas contas privadas e, então, voltemos a jogar pedra na Geni-Estado, conforme os padrões ideológicos do consenso de Washington.

Concluindo, é impossível aprofundarmos a construção da democracia com o modelo de financiamento privado das campanhas políticas, que tende a aumentar a abstenção eleitoral e a agravar a crise social, decorrentes das restrições impostas cada vez mais ao investimento estatal em políticas públicas.

Como argumento contrário, aqueles que defendem a continuidade do atual modelo de financiamento privado afirmam que o financiamento público das campanhas políticas diminuirá os recursos destinados aos orçamentos da saúde, da educação, da segurança e de outros serviços prestados pelo Estado.

Considerando que a tese defendida neste artigo é de fácil entendimento para a expressiva parcela da população que não dispõe de acesso à informação qualificada, sugerimos aos que concordam com esse ponto de vista, e que disponham de recursos adequados, que produzam textos simples, cartilhas, vídeos, cartazes e outros meios de informação, explicando como atuam os lobbies de financiamento de campanha e de que maneira eles dificultam ou impedem a ampliação dos investimentos públicos na área social, bem como a aprovação de leis de proteção ou de ampliação de direitos.

Faz-se necessário mostrar também que a corrupção é inerente ao financiamento privado das campanhas políticas e que a cadeia da corrupção tem início no período eleitoral, quando o eleitor solicita uma “ajudazinha” daquele cidadão que pretende se candidatar ou que já investido em cargo público.

Essas “ajudazinhas” podem ser a compra de bancos ou de som para a igreja, a concessão de emissores de rádios e televisão, o pagamento do ônibus para o passeio da associação de moradores ou do grupo de jovens, do fardamento novo para o time de futebol, dentre outras de maior ou menor custo.

Consideremos o caso do ônibus “grátis”, oferecido pelo cidadão que pretende se candidatar ou que já é detentor de mandato eletivo. O que acontecerá com o preço da passagem e com a quantidade e qualidade da frota em circulação após a vitória desses candidatos “generosos” ? Que força o candidato eleito ou reeleito com o apoio das empresas de ônibus terá para pleitear melhorias no sistema de transporte público?

P.S.: Em geral, somos mais motivados a escrever sobre arte e cultura, porém não podemos desconsiderar determinadas questões politicas que influenciam os assuntos de minha preferência.

Mesmo porque, quando utilizamos uma acepção mais ampla do termo cultura, como construção de valores, comportamentos, saberes, símbolos e etc.., a "Politica" é também uma construção cultural.

Por outro lado, os lobbies privados também atuam politicamente, não apenas contra os interesses da maioria no campo da educação, saúde, meio ambiente, relações de trabalho, entre outros; mas também atuam para dificultar a democratização cultural. Será que o ativista ou militante cultural tem dúvida sobre a razão da demora e da dificuldade para avançarmos na legislação que tramita no congresso nacional e que tem como objetivo avançar na construção de um marco legal de cultura mais moderno e inclusivo ?


Zezito de Oliveira - Educador e Produtor Cultural

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