terça-feira, 28 de junho de 2011

Blog Bethânia: qual modelo queremos?


fonte:

http://www.overmundo.com.br/overblog/blog-bethania-qual-modelo-queremos-1

Para conhecer os argumentos contrários e a favor com mais profundidade, clique nas palavras grifadas em azul.

Parece que está proibido qualquer debate sobre a questão do “blog da Bethânia”. Tem me constrangido muito ver o postura de patrulhamento que toma conta dos que se dispuseram a comentar, ou opinar sobre o assunto – seja no Twitter, no Facebook ou nos jornais. Se realmente só for permitido haver dois lados nesta questão – a favor ou contra a aprovação do projeto para captação de recursos sob as normas que regem a Lei Rouanet –, terei que ser contra.

Deixando completamente de lado o oportunismo, a fofocada e a preguiça intelectual, o principal ponto nesta discussão não deveria ser se é muita grana para um projeto de internet, mas sim que tipo de estímulo à cadeia produtiva e ao modelo de produção cultural proposto pela internet esse projeto contempla. Lendo o pdf que circula pela internet como sendo o documento do Ministério da Cultura aprovando o projeto, são previstos R$ 600 mil de cachê para a participação de Bethânia no projeto, dentro de um total de quase R$1,8 milhão. Pablo Villaça descreveu muito bem - no texto que me pareceu mais lúcido entre tantos que li até agora – como analisar o processo de produção audiovisual. Não é preciso ser um grande especialista em produção, basta entender um pouquinho do ofício para projetar o valor e os nomes envolvido no projeto, para entender como será o produto final. Sugiro muito essa leitura e seguirei esse texto considerando que suas explicações são conhecidas.

Tenho 28 anos, me formei em jornalismo, criei uma produtora de conteúdos dita “multiplataforma”, na qual produzimos mais 1500 vídeos para internet só em 2010. Até hoje preencher o campo “profissão” quando entro num hotel é um problema. Escrevo, pesquiso, roteirizo, twito, calculo orçamentos, faço reuniões. Ligo as lâmpadas, aperto o rec da câmera, passo os cabos e os enrolo de volta antes de apagar as luzes. Penso muito no que vou ser quando crescer. Acho que nem o mundo nem eu sabemos ainda como se chama isso que tantos dessa minha geração fazemos. Seria um grande ato de loucura se eu não fosse um incentivador e alguém que lute pela valorização do reconhecimento das mídias digitais. Trabalho por isso. Invisto meu dinheiro em qualificação profissional e em equipamentos que permitam cada vez mais termos produtos relevantes e bem acabados na internet. Gero empregos. Porém, seria uma irresponsabilidade lutar por isso dentro de um modelo de negócio baseado numa lógica que considero antiquada. Assim como Hermano Vianna e Caetano Veloso, não me amarra dinheiro não. Nem poesia. Nada disso me amarra. Apesar de ser um grande admirador de todo o trabalho de Hermano, me vejo dessa vez tendo uma outra leitura oposta a dele, no que concerne o projeto “O Mundo precisa de poesia – blog”. Digo isso apesar de me sentir como um jovem profissional que se esforça para para construir uma carreira sobre muitos referenciais que, se não foram criados por ele, foram em muito difundidos, concretizados ou esclarecidos por suas obras – seja em textos, TV ou internet.

Em seu texto publicado no jornal O Globo, em 18 de março de 2011, Hermano assume ser o mentor do tal projeto e explica como o concebeu, de forma ampla e plural. Isto não é surpresa, já que esta é a tônica de tudo que ele vem belamente construindo como uma das cabeças mais importantes do Brasil do nosso tempo, sobretudo quando se trata de pensar a cultura. Porém, faço questão de escrever este texto aqui, no Overmundo, site também pensado e criado por Hermano - e que acompanhei com particular atenção sobretudo no seu começo. Faço isso, pois aqui depositei muita confiança pela proposta matriz de tornar a cultura brasileira mais ampla e abrir janelas à mesma altura nas paredes da Gávea, de Cajazeiras ou de Santa Izabel. Um projeto com a cara do que acredito deva ser a produção cultural que a minha geração vai praticar. Um projeto que envolve a formação e visibilidade de milhões de pessoas por todo o pais, que envolve um instituto (o Instituto Overmundo) que produz pesquisas relevantes ao debate cultural e que, quando lançado há cinco anos, noticiava-se ter custado cerca de R$ 2 milhões, também financiados por lei de incentivo fiscal e, naquela ocasião, patrocínio da Petrobras. Um projeto de internet includente, descentralizado (ainda que com um núcleo inteligente a frente), e que avançava – esse sim!!! – na concepção de produção cultural digital complexa e indiscutivelmente importante para o pais.

É lógico que atualizados os valores de mercado e o fato de hoje o Overmundo já estar implementado, os números de 2006 poderiam ser revistos, mas eles tornam ainda mais constrangedores as cifras que envolvem este projeto de Bethânia, pelo formato que ele certamente terá (leram o Pablo, né?). Um projeto que, apesar das intenções e propostas ditas por Hermano nO Globo, acena para um mal que se instalou no dia-a-dia de uma indústria cultural brasileira que só se sustenta à base de incentivos fiscais e prestação de contas baseadas em “visibilidade da marca”. Uma lógica que envolve muito mais a criação de monstros-celebridades de colunas sociais do que necessariamente a relevância da produção cultural em questão. Altos cachês para pouquíssimos ilustres, financiados por uma base larga não tão bem remuneradas assim. Essa é a lógica capitalista? Talvez, mas não me parece ser a mesma lógica que é praticada pela geração que vem construindo a linguagem da cultura digital, da qual Hermano é um dos mais relevantes nomes e pensadores. Ele encerra o citado texto dizendo que nada disso irá convencê-lo de que o mundo não precisa de poesia. Peço licença à admiração, para discordar de que essa não é a discussão e este argumento é fraco e segregador. Eu também acho que o mundo precisa de poesia, mas discordo que um projeto com este modelo possa ser sinônimo de poesia. Posso caber nos dois lados? E mais, apesar de não me amarrarem, gosto tanto de dinheiro quanto de poesia. Há dias que gosto mais de um, em outros prefiro o outro. Mas amarras, não.

E por não gostar de amarras, assim como o Pablo, também não me sinto confortável ao ler Jorge Furtado dizer que a “gritaria contra o blog de Maria Bethânia é mistura de ignorância, preconceito e mal-caratismo” e ainda ser reduplicado por aí. Como assim? Não estou gritando, mas me opondo numa discussão que pretendo, seja sadia e inteligente. E aí? Me tornei ignorante, preconceituoso ou mal-caráter por isso? Ou já era e não sabia? Ora, que patrulha intelectual é essa? Por favor, me incluam fora disso. Tampouco aceito quem argumente contra o caráter ou a índole dos proponentes e envolvidos com o projeto, simplesmente por discordar deles. A essa altura do século 21, muito me surpreende que alguém da geração de Furtado possa tomar uma postura dessa, levantar um dedo na cara de quem tenha “a audácia” de se opor a algo que ele acredite, apóie ou torça a favor. Um dedo na minha cara, ainda que eu goste de vários de seus filmes. Vire ele pra você.

De forma pouco pragmática, tenho pensado muito a respeito desse assunto e ainda não encontrei motivos para pensar diferente do que descrevi acima, o que não me impediria, nem impedirá, de mudar de ideia, se for o caso. Porém não dá pra aceitar essa polaridade e pouca capacidade de discutir o que há de mais profundo nesta questão que é: qual o modelo de produção cultural que acreditamos para a internet e as mídias digitais no Brasil? Como o governo brasileiro lê o que vem acontecendo nos últimos quinze anos e que tipo de iniciativa pretende apoiar? Será que o modelo da internet deveria servir para readequar e atualizar as formas de produção audiovisuais praticadas pela TV e cinema ou será que queremos enquadrar a internet nos velhos modelos, como sugerem os argumentos apresentados para justificar o valor total do blog “O Mundo precisa de poesia”? É urgente rediscutir toda a Lei Rouanet e nisso incluir as mídias digitais entre as áreas incentivadas? Acredito que sim, mas antes disso temos que responder a todas essas perguntas anteriores.

Então, assim, poderemos continuar a conversa. Só não me venham dizer que se opor é assinar em baixo de que a internet só deve produzir coisas toscas, sem esmero ou qualidade. Também não venham também me ensinar velhos modelos de planilhas orçamentárias ou dizer que dinheiro me amarra ou me gera repulsa. Não me venham também apontar o dedo da hierarquia, da idade ou da “experiência”. E, por fim, não me venham usar a entidade “Maria Bethânia” para defender ou atacar. Posso até concordar com o que Caetano Veloso escreveu hoje, também nO Globo, de que “Maria Bethânia é uma deusa”. Mas eu não me esqueço de que o estado é laico e cá devemos estamos para discutir.


Bruno Maia (sobremusica.com.br)

Rio de Janeiro, RJ

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